Um Natal rico de pobres
A noite abraçou a aldeia com o seu manto negro e silencioso. Apenas se escutava a chuva que caía abundantemente nos telhados de telha vã ou escorrendo pelos beirados. Era véspera de Natal e Arsénio atravessava o casario devagar, cansado de mais um dia de jorna dura.
Todavia só assim conseguia sustentar a pobre família. A sua casa, que mais parecia um pardieiro, situava-se no outro lado do povo. E o frio e a chuva que se entranhava no corpo franzino tolhia-o ainda mais. O sino dea velha igreja tocou oito badaladas. Contou-as como se fossem passos na vida. No lar sabia que encontraria a mulher e a filha que aguardavam por um naco de broa ou umas folhas de couve para enganar a fome. Um Natal como tantos outros... de mingua!
- Vida maldita de quem é pobre – desabafava para consigo.
No instante seguinte apercebeu-se que alguém o chamava. Olhou para o lado e debaixo do alpendre da casa senhorial da aldeia achava-se o homem mais rico da região:
- Boa noite Arsénio, para onde vais?
- Bom noite senhor Bernardo. Vou para casa. Porque pergunta?
- Quem te aguarda lá?
- A minha pobre mulher e uma filha pequena.
- A tua família, portanto?
- Sim é a única que tenho e para a qual trabalho arduamente para a sustentar.
O homem saiu do alpendre no mesmo instante que a Lua desembaraçava-se de duas nuvens e incidiu na face triste do homem rico. A chuva deixara de cair entretanto, mas uma brisa fria mantinha-se. Depois aproximou-se do pobre e entregou a Arsénio um saco. Este a princípio recusou, mas o outro insistiu:
- Leva Arsénio para a tua família. Aí dentro encontras um belo naco de presunto, uma galinha pronta a cozer, bolos e duas garrafas: uma de azeite e outra de vinho. Aproveita… a tua ceia!
O pobre espantou-se com uma anormal generosidade e perguntou desconfiado:
- Porquê senhor? Que lhe fiz para receber tamanha prenda?
O outro apenas respondeu:
- Partilha com a tua família. Sou rico em dinheiro, mas pobre em amigos e família. Sempre pensei que o meu dinheiro compraria tudo… Como vês é noite da Consoada e eu estou aqui só. Sem mulher, sem filhos, sem pais, nem irmãos... e muito menos amigos!
Vergando-se como conclusão continuou:
- Sei que o dinheiro não compra amor verdadeiro nem estima sincera. Portanto leva homem, leva para a tua casa e partilha com os teus. És mais merecedor que eu!
Arsénio temia. Pensou um pouco e finalmente aceitou, mas impôs uma condição:
- Aceito, sim. Mas vem comigo partilhar a mesa. A minha casa é pobre, muito pobre, no entanto há sempre lugar para mais um desde que venha em paz.
O rico homem iluminou-se de esperança e devolveu:
- Vou sim... com prazer! Mas deixa-me ir a casa aparelhar a carroça e levar mais comida... essa não chega. Havemos de ter uma rica consoada já que somos ambos pobres.
Tu em haveres eu... em seres humanos!