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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

O fumador #3

Episódio 2

Valdemar não gostou nada da forma como a enfermeira se referiu ao defunto, no entanto deu para perceber que não seria pessoa simpática e muito menos querida. De súbito perguntou ao médico que consigo descia as escadas:

- Dr. conseguiu encontrar alguma identificação do tipo? – e lançou a cabeça para o lado apontando para a vítima. 

Não escutou qualquer resposta. Já na rua ambos retiraram as máscaras e respiraram com gosto o ar poluído da cidade.

- Nunca pensei gostar tanto de respirar ar poluído… Safa que aquilo estava agreste.

O médico provavelmente habituado a este género de odores apenas respondeu à primeira questão:

- Ninguém encontrou qualquer identificação. Nem um recibo de luz, água, qualquer coisa… E agora posso mandar levar o corpo?

- Sim, sim. Talvez passe mais tarde pela morgue.

- Se passar leva logo o tal anel!

- Isso, obrigado.

Um cumprimento simples e cada um seguiu o seu caminho não sem antes Valdemar avisar os elementos do INEM para levarem o corpo para a morgue.

Pegou então na bicicleta e estava para atravessar a fita delimitadora quando ouviu uma voz.

- Senhor, senhor…

O Inspector levantou a cabeça e percebeu que uma jovem agitava o braço para si. Aproximou-se já dos poucos mirones e questionou:

- É comigo?

- Não sei se é consigo… O senhor é polícia?

- Sou o inspector encarregue deste caso. Porquê?

- Sabe o que aconteceu ali?

- Sei mas não posso dizer… como imagina!

- É que ali vive um tio meu… de quem não sei nada há umas semanas…

Valdemar abriu os olhos e pegando no braço da jovem puxou-a para o seu lado.

- Em que andar mora?

- Mora no segundo esquerdo…

O inspector levou a mão à cabeça, olhou em redor em buscar de um sítio para se sentarem e encontrando um banco ali ficaram ambos.

- Encontrámos um corpo em avançado estado de decomposição nesse andar. Seria o seu tio?

- Oh não! – levou as mãos à cara e principiou a chorar.

Valdemar tentou amenizar a situação.

- Pode não ser ele!

- É certamente. Ele só se dava comigo pois era eu que lhe pagava as contas e lhe dava dinheiro para ele comprar o que necessitava. Como terá acontecido?

- Não sabemos menina… E como é que ele se chamava?

- Armelindo Lobato!

- Hummm! – pegou numa caneta e num papel e escreveu o nome.

Para logo a seguir insistir:

- Que idade teria?

- Praí uns 55 a 60 anos… Não sei bem… Só perguntando à minha mãe.

Agora seria a pergunta para a qual já sabia a resposta:

- Ele teria inimigos?

- Nem amigos ele tinha quanto mais inimigos!

Levantou uma nova questão para a qual também sabia a resposta, mas necessitava de uma confirmação:

- Sabe se ele fumava?

- Fumava e muito… Quase todo o dinheiro que lhe dava era para tabaco e bebida… Era um desgraçado. Tenho tanta pena dele.

- Sabe se era casado?

- Casado? – deu uma gargalhada semi triste. Devolveu:

- Quem gostaria de um homem assim?

- Pois não sei… A verdade é que tinha uma aliança no dedo!

- Uma aliança? Então não é o meu tio, com toda acerteza.

Valdemar passou a mão pela cabeça e vendo o corpo a entrar na ambulância sugeriu:

- Será capaz de o identificar?

A jovem pegou no lenço de papel, assoou-se, respirou fundo e aceitou o desafio:

- Claro! Mas creio que não será ele…

- Como é que tem a certeza disso?

Novo suspiro:

- Porque… porque… - gaguejou – o meu tio era homossexual…

O fumador #2

Episódio 1

Municiado com diversas máscaras no bolso e tendo colocado duas na face, entrou decidido no vetusto prédio. De início não sentiu o cheiro, mas depressa as máscaras foram impotentes para tamanho pivete. Todavia era o seu trabalho. Nos diversos patamares foi encontrando agentes da polícia que o cumprimentaram quase enojados com o cheiro. Quando chegou ao segundo andar ficou à porta e recebeu o primeiro choque não evitando uma expressão mais forte:

- Porra! O que é isto?

O maior realce estava no chão completamente atapetado de beatas de cigarro há muito fumadas. Não se conseguia ver o soalho verdadeiro. Como o pé foi raspando até encontrar o fundo que exposto estava obviamente negro e queimado.

Entrou devagar e o odor que mesmo com máscaras lhe chegava às narinas era quase insuportável. Uma passagem para uma sala sem porta, todavia reparou nas dobradiças ferrugentas e partidas. A sala parecia grande especialmente pelo aspecto minimalista. Encostado à parede do fundo uma velha televisão estava ligada, mas sem som. Do lado oposto um sofá em muito mau estado, um corpo morto e um especialista de volta deste. Vendo Valdemar acenou com as mãos evitando respirar aquele ambiente.

No entanto o inspector necessitava de respostas às questões que a sua mente sempre tão activa discorria. Assim aproximou-se do cadáver e mirou-o atento. Aquilo não era bonito de se ver, nada mesmo, mas não podia retirar dali o corpo sem uma inspecção atenta. Finalmente perguntou:

- Há quantos dias terá morrido?

O outro ergueu três dedos.

- Três dias?

A mão enluvada fez sinal negativo.

- Três semanas?

Finalmente tremeu numa dúvida e Valdemar percebeu que se aproximava mais da data da morte. Insistiu:

- Alguma causa evidente de morte?

Nova negação com a mão.

Valdemar olhou para algo e virando para o médico legista perguntou:

- O que é isso nessa mão? Parece um anel..

Um polegar para cima confirmou a ideia do inspector.

- Consegues tirar?

Nova negação!

- Ok! Depois envia-me essa aliança para mim. Pode ser importante. Vou ver o resto do apartamento.

O médico ergueu-se e fez um sinal para que não fosse. Só que o inspector não gostava de deixar as coisas para trás e seguiu por um corredor. O chão continuava macio de pontas de cigarros e ao fundo à esquerda entrou no que parecia ser a cozinha. Quase deu um salto.

- Safa... parece uma estrumeira! Como pode alguém viver num sítio destes.

Continuou a inspecção e quando saiu encontrou o médico legista que também abandonava o local. Chegados ao patamar das escadas encontrarem uma jovem que carregava uma mala às costas. O inspector estranhou aquela personagem, mas lembrou-se da vizinha acamada. Por isso apenas perguntou:

- Vem para a D. Efigénia?

- Venho sim… Lá na Associação estamos sempre a vê-la de forma remota, mas hoje parece mais agitada que o costume. Daí estar aqui… Já agora que se passou e que cheiro pestilento é este?

- O vizinho… da frente…

- Morreu?

- Sim, parece que há umas semanas e ninguém deu por nada! Alguma vez se cruzou com ele?

- Raramente e cruzei-me sempre que ia a descer e ele vinha a subir.

- Ele algumas vez disse alguma coisa?

- Sinceramente?

Valdemar estranhou a última questão e só soube dizer:

- Claro!

- Grunhiu!

O fumador!

O monte de processos e demais papelada teimava em não desaparecer. Anos e casos a mais sem relatórios e, pior que tudo, sem arquivo. Agora Aquiles dera-lhe apenas uma semana para limpar a secretária… Com a condição de não ser chamado para nenhum caso. Apenas um trabalho das nove ás cinco da tarde que Valdemar olimpicamente detestava.

Tocou o velho telefone algures na mesa, escondido sob arráteis de papéis. O aparelho calou-se. O inspector suspirou para logo a seguir:

- Valdemar! – soou em toda a sala.

O inspector ergueu-se por detrás de um monitor do tempo jurássico e respondeu:

- Diga chefe!

- Porque não atendes a porra do telefone?

- Já lá ía…

- Vem ao meu gabinete, rápido!

O jovem inspector detestava aquele tom de voz e preparou-se para algo que certamente não iria gostar. Entrou no aquário de vidro e alumínio, fechou a porta devagar e aguardou:

- Preciso de ti para um caso…

- Mas o chef…

- Eu sei, eu sei… mas este caso precisa de ti! - interrompeu.

- Fónix Aquiles assim nunca mais despacho aquela papelada.

- Pega nas perninhas e vais a esta morada… Esperam-te lá. Se quiseres um carro leva-te, sempre chegas mais depressa.

Valdemar olhou a morada, arregalou os olhos e exclamou:

- Olha esta rua é duas acima da minha. Vou na minha bicicleta.

- Vai, desanda daqui.

No fundo o inspector estava feliz. Odiava papéis e sair daquela sala era uma alegria. Todavia não o poderia confessar ao chefe. Desceu as escadas e saiu até à rua. Tirou a chave do cadeado do bolso, destrancou-o e saltou para o selim da sua bicicleta. Num ápice chegou ao destino.

Como previa uma multidão rodeava o círculo que a polícia fizera com fitas azuis e brancas. Do outro lado da rua carros de Bombeiros, uma ambulância do INEM e diversas viaturas da Polícia. Foi passando devagar por entre os mirones puxando a sua duas rodas até que se aproximou do limite. Como de costume perguntou:

- O que se passou?

O olheiro do lado colocou a mão na garganta e num tom de voz esquisito respondeu:

- Apanharam um tipo a fumar dentro do prédio…

Valdemar ergueu o sobrolho e quase riu. Depois levantou a cinta e passou. Atrás de si escutou:

- Olhe que não pode passar…

Valdemar cumprimentou o primeiro polícia com um aperto de mão:

- Estás bom Gomes?

- Inspector… bom dia! Voltaste à Terra? Ainda por cima de bicicleta…

- Não gozes, pá, não gozes! Estava fartinho dos papéis. Ainda vou ter de agradecer ao criminoso. Sabes do que se trata?

- Um tipo que está morto há semanas e ninguém deu por falta…

- Obrigado!

Em passo decidido Valdemar aproximou-se do prédio onde à porta diversas pessoas trocavam impressões.

- Bom dia – de cartão identificou-se, para completar – sou o inspector Valdemar e algum dos senhores mora neste prédio.

Um homem alto, de cabelos alvos e voz firme avançou, respondendo:

- Moramos todos. Fui eu que chamei os Bombeiros devido ao mau cheiro…

- Muito bem. Em que andar está o corpo?

- No segundo esquerdo.

- Obrigado! E enquanto o corpo não for levado não devem entrar. Desculpem o incómodo, mas tem de ser assim.

O idoso morador ainda acrescentou:

- Diga isso à D. Efigénia que está acamada há três anos!

Valdemar percebeu que gozava dele e voltando para trás encostou o dedo no peito do idoso e perguntou:

- Como é que sei que não foi o senhor que o matou?

O velho engoliu em seco, arrepiou caminho e num ápice percebeu que falara demais e devolveu:

- Desculpe senhor inspector!

- Assim que me despachar eu aviso.

Um bombeiro vinha a sair de máscara na cara. Valdemar interpelou-o:

- Tem alguma máscara para mim?

- Não, acabaram-se… Mas olhe que vai precisar… aquilo não está fácil!

Valdemar abanou a cabeça contrariado e aproximou-me de uma patrulha.

- Tem uma máscara que me dê?

O agente olhou-o, mas não o conhecendo, perguntou:

- Para que quer a máscara?

Valdemar quase que espumava de raiva e mostrou o cartão de inspector:

- Chega?

 

Episódio 2