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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Escrita a gosto! #31

Desafio de Agosto da Ana

Tema: agosto foi…

A secretaria não se via no meio de tantos papéis. A confusão era o seu ambiente preferido.

Agosto estava no fim e os colegas preparavam-se para regressar em força, cheios de estaleca e de imensas coisas para contar das férias. E ele sem paciência...

Ao invés ficara pela redacção a tentar despachar informação. Olhou o relógio e calculou que seria o momento ideal para regressar a casa... antes da invasão.

Meteu o portátil na pasta, juntou os papéis de forma a que se visse o tampo da seceretária e saiu.

No elevador encontrou alguns regressados:

- Então meu como correu tudo por aqui? - perguntou um que estava com ar de torrada queimada.

Sorriu e devolveu:

- Agosto foi...

Os outros olharam-no à espera, mas a porta do elevador fechou-se antes que ouvissem uma resposta:

- ... um mês boooooom... sem vocês! - concluiu.

Mas eles não precisavam saber!

Escrita a gosto! #30

Desafio de Agosto da Ana

Tema:  luz noturna

A festa fora de arromba e nem se recordava como chegara a casa! Acordou a meio da noite com uma enormíssima dor de cabeça. A lua que entrava pela janela estragada era suficiente para lhe iluminar o quarto pobre, desarrumado e malcheiroso.

Ergueu-se da cama e procurou, ainda que atordoado, a casa de banho. Aqui chegado despejou o resto da noite na sanita e sentou-se no chão. Mais lúcido a imagem assemelhava-se a de uma série americana que vira há uns anos.

Levantou-se ainda cambaleante do chão frio e sentou-se à borda da cama. Olhou ao seu redor e enfiou a cabeça entre os braços e pela primeira vez em muitos anos... chorou.

De súbito uma estranha luz nocturna iluminou a sua face!

Escrita a gosto! #29

Desafio de Agosto da Ana

Tema: caneca preferida 

Havia muito tempo que não entrava na casa que fora dos seus avós. Após a morte deles nenhum dos filhos conseguiu encontrar um acordo para a herança e assim a habitação ficou fechada e entregue às teias de aranha, ratos e demais bicharada.

Decorridos que haviam sido mais de uma vintena de anos, regressou a uma casa onde fora anormalmente feliz. Lembrava-se das madrugadas acordadas por um galo enorme ou o balir doce das ovelhas e borregos quando partiam para os lameiros. As tardes sob uma figueira a apanhar deliciosos "pingo mel". As noites sob uma lua luminosa e o cantar das cigarras... 

Empurrou a porta e esta abriu-se quase sem esforço. Entrou devagar olhando onde punha os pés enquanto afastava como podia as milhentas teias de aranha. Atravessou a sala escura e entrou na velha cozinha. A luz entrava pelas frestas das portadas de madeira deixando perceber o pó que andava no ar. Na parede um escaparate onde ainda resistiam algumas peças de loiça. Travessas, terrinas, chávenas, alguns pratos e até a caneca preferida do avô.

Retornou à sala quando de súbito viu um gato muito pequeno por debaixa da mesa. Aproximou-se devagar, mas aquele esquivou-se rapidamente escondendo-se por entre a tralha.

Sorriu e fechando a porta atrás de si disse:

- Hummm! Bela casa! Tem tudo o que eu gosto: gatos e recordações!

Escrita a gosto! #27

Desafio de Agosto da Ana

Tema: pequeno

Nem sabia como se apaixonara por ele. Será que o amor se explica? Porém ninguém imaginava aquela sua paixão. Nem ele.

O jovem colega nem era da turma, mas apenas amigo de algumas das suas amigas. Nem se recordava de alguma vez lhe ter dirigido a palavra.

As suas colegas quando falavam dele ela fazia-se desentendida:

- Não conheces? Aquele miúdo alto... - e levantava a mão acima da sua cabeça.

- Não sei de quem estás a falar... - mentia.

Mas o amor tem formas subtis de juntar os apaixonados e assim num certo dia plúmbeo, ele ia a sair da escola à frente dela ao mesmo tempo que começou a chover. Ela sem chapéu e perante o aguaceiro só teve expediente para dizer:

- Oi pequeno... dás-me boleia no teu chuço?

Ele parou e pela primeira vez riu para ela!

Escrita a gosto! #26

Desafio de Agosto da Ana

Tema: laranjas

Os jovens corriam um atrás do outro. Ela cansada parou e gritou-lhe:

- Dá-me as laranjas, já!

Do cimo da colina ele riu e colocou os frutos no chão:

- Com queiras...

Aqueles começaram a rebolar e alguns foram-se esmagar perto dela.

Irada como nunca se sentira a rapariga atirou:

- Eis a verdadeira diferença entre um bravo e um cobarde!

Ele ouviu e fugiu dali.

Dizem que anos mais tarde se alistou na Legião Estrangeira donde nunca regressou!

Escrita a gosto! #25

Desafio de Agosto da Ana

Tema: pacífico

Na parede à sua frente residia um calendário daqueles eléctricos e antigos. As horas desdobravam-se em folhas, assim como os dias e os anos.

Sentado num “fauteill” muito surrado, fixava o olhar naquele velho aparelho. Um AVC recente havia-lhe roubado a voz e o andar e atirara-o para uma casa de repouso. Só respondia com sons roucos… e com olhares.

Porém a memória estava intacta.

A cada dia que passava no calendário ele recordava qualquer coisa na data. E se alguns dias ele permanecia sossegado, havia outros em que era um destempero de agitação.

Era o caso daquele dia 25 de Agosto. Ele olhava a data e arregalava os olhos. Depois quis chorar, mas não conseguiu.

Nesse dia recebeu a visita de um dos netos. Os olhos iluminaram-se numa alegria e por fim sossegou. O rapaz trazia uma pasta e abriu-a para o avô. Este com a mão boa passou-a pelas fotografias e olhou novamente para o neto.

- Eu sei avô, eu sei! Neste dia há vinte anos entravas tu pela primeira vez no oceano Pacífico

E afagou-lhe os cabelos alvos.

- Tu nunca te esqueces e eu também não, avô!

Escrita a gosto! #24

Desafio de Agosto da Ana

Tema: três

Olhava o relógio Patek Philippe e impacientava-se. Batia com a mão na pasta preta simbolo da exasperação que o atormentava.

Combinara à hora certa e passado que fora o momento combinado tudo nele se alterava.

Sempre fora habituado a cumprir horários e raramente se atrasava fosse para o que fosse. Portanto... pontualidade acima de tudo.

Daí aquela ansiedade quase doentia.

Na longa avenida os carros passavam sem parar e ele longe de perceber em que carro viria.

Por fim parou um táxi à sua frente donde ela saiu... deslumbrante. Era difícl dizer algo àquela mulher lindíssima, mas ele não a temia. 

- Isto é que são horas? - e apontou para o relógio de pulso.

Ela puxou o longo cabelo loiro para trés e perguntou:

- Estou assim tão atrasada?

- Estás e muito...

- Quanto tempo?

- Três longos minutos!

Ela riu, abanou a cabeça e devolveu:

- Então é melhor entrarmos!

Escrita a gosto! #23

Desafio de Agosto da Ana

Tema:  o meu rosto

Defronte do espelho olhou-se com alguma tristeza. Na face os rasgos fundos da velhice percebiam-se cada vez mais, não obstante uma penugem alva.

Pegou na espuma de barbear e espalhou-a uniformemente pela cara. Depois a lâmina foi deslizando deixando uma pequena estrada. Assemelhava-se aos limpadores de neve que diariamente passavam à sua porta quando viveu no Connecticut. Outros tempos, pensou!

Finalmente e após estar bem escanhoado, lavou-se. Voltou a mirar-se ao espelho e sentiu-se abatido, triste.

- O meu rosto... que outrora conquistou o mundo...

Uma lágrima foi descendo pelos sulcos fundos da pele até cair na sua mão!

Escrita a gosto! #22

Desafio de Agosto da Ana

dia 22 - quadrados

A polémica estava instalada ao redor de enorme mesa. Até àquele instante o repasto havia decorrido de forma amigável e divertida. Só que num segundo a faísca da discórdia saltou e os vapores etílicos já presentes fizeram o resto.

O tom de voz cresceu a cada palavra discordante. Havia já algumas tentativas meio dissimuladas para passar às "vias-de-facto". Entretanto o casal anfitrião tentava apaziguar os ânimos, sem sucesso.

A determinada altura um dos convivas que não entrara em polémicas e percebendo o caminho que as coisas estavam a tomar ergueu-se da sua cadeira, subiu para a mesa, colocou as mãos a fazer de altifalante ao redor da boca e deu um grito:

- OI!

O troar da sua voz teve o condão de apaziguar as demandas quase como por milagre. Depois:

- Obrigado pela vossa atenção. Sejamos civilizados e ordeiros.

Continuava a receber a atenção da plateia. Olhando em redor continuou:

- Mas quem é que zaragata por considerar que os gatos são mais espertos que os cães ou vice-versa?

Alguém pretendeu dizer algo, mas o orador continuou rematando:

- Eh pá... não sejam parvos nem quadrados. Que coisa! Vá gira para os seus lugares que eu quero comer a sobremesa... Já ouvi dizer que está uma delícia!