Triste evidência!
Entrou em casa em silêncio. Descarregou a mala pesada no corredor, descalçou os sapatos substiutuindo-os por uns chanatos puídos e rotos, despiu o casado pendurando-o no bengaleiro e finalmente entrou na cozinha. A mulher cercada de tachos e panelas a fumegar sorriu quando o viu chegar:
- Olá amor... - e mirando-o, continuou - que tens? Vens com cara de caso...
O marido aproximou-se dela osculou-a na cabeça enquanto respondia:
- Boa noite querida. Não tenho nada... é só cansaço.
Dirigiu-se à mesa onde já residiam apenas dois pratos e perguntou:
- Os miúdos?
- Estão na faculdade até tarde. Têm frequências amanhã, creio.
- Precisamos falar.
- Ai home? O que se passa? Eu bem vi que não estavas bem - e puxando de uma cadeira sentou-se em frente do marido.
Este enfiou a cabeça entre as mãos e mantinha-se em silêncio.
- Ai marido, diz-me tudo. Seja bom ou mau... Estamos cá para resolver as coisas. Como sempre fizemos.
- Desta vez não sei...
- Ai... não me digas que foste despedido?
- Não... mulher. Nisso está óptimo... É outra coisa.
- Tu não me deixes neste estado que ainda me dá um fanico.
- Sabes como engordei nesta pandemia.
- Pois sei... não tens roupa nenhuma que te sirva...
- Ora já viste a minha vida?
- Ai home' que não percebo o teu problema... Não me digas que apanhaste o bicho? - e sem deixar cair a fala - eu bem que te avisei, mas tu nunca acreditas em mim.
- Não mulher pára! Não é nada disso.
- Então é o quê!
- Já viste se o Sporting ganhar o campeonato não tenho roupa que me sirva para ir para a rua comemorar?