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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

A barba mágica!

Resposta a este desafio

 

Assim que Artur, com pouco mais de três anos percebeu do poder que exibia perante os pais, passou a usá-lo sem dó nem piedade e fosse onde fosse. As birras que criava por querer aquele brinquedo ou simplesmente por teimar em ficar no baloiço mais uns minutos enquanto outras crianças esperavam que ele saísse, envergonhavam o pai Tomás e a mãe Marília.

De tal maneira as cenas eram tão estremadas em frente dos pais que amiúde estes evitavam sair de casa.

Entretanto no colégio Artur era tido como um menino bem comportado e educado. Nada de birras nem reacções adversas aceitando com humildade as ordens que recebia das educadoras.

Os pais admiravam-se desta dupla postura e acabaram por recorrer a um pedopsiquiatra que explicou com muita teoria e alguns exemplos práticos que o filho era uma criança perfeitamente normal apenas procurava o seu espaço.

Feitos os quatro anos a personalidade não mudou. Ou se mudou foi para pior. Aproximava-se a época do Natal e certo dia a Marília perguntou ao filho:

- Já sabes o que vais queres no Natal?

- Sim mãezinha…

E logo despejou um rol de desejos, a maioria só porque vira na televisão. A mãe escrevia a lista ciente que nem metade ele teria, mas enfim… era uma criança… deixá-la sonhar!

O Natal crescia em passos gigantes quando Tomás e Marília decidiram levar o filho a uma feira muito conhecida e imensamente divertida para crianças e pais. Ali chegados a pé depois do carro ficar a um quilómetro de distância Artur percebeu que os pais não o haviam enganado. Tanta luz, cor, música e meninos.

Porém no primeiro carrocel Artur não pretendeu esperar como as outras crianças e respectivos pais e esgueirando-se por entre a multidão infantil e mais crescida foi-se sentar num cavalito de madeira. A equipa percebeu a intrusão e logo solicitou em voz alta:

- O responsável por este menino, onde está?

Tomás demasiado envergonhado apareceu a receber o filho que logo ali perante todos fez uma birra descomunal. A organização e outras crianças deixaram que ele lhes passasse à frente e logo que se sentou, Artur sorriu.

Assim que acabou o menino quis mais, mas foi a vez do pai impor a sua vontade, dizendo:

- Artur já me fizeste passar uma vergonha. Não passarei outra. Portanto se pensas em fazer nova cena, ficas aí sozinho que eu e a tua mãe vamos embora. Grita, barafusta, mas não nos procures.

E virando costas e puxando pelo braço da mulher saiu dali. Artur percebera que esticara em demasia a corda e agora esta partira-se. Assim ergueu-se do chão e partiu a correr atrás do pai e da mãe que quase se misturavam na multidão. Finalmente sossegado viu as barracas onde quase tudo se vendia. Mas quando se aproximou do algodão doce num instante esqueceu a ameaça do pai e pretendeu exigir.

Tomás em profundo mutismo, continuou o seu passeio pela Feira de Natal, sem ligar aos pedidos do filho, até que chegou a um local onde numa enorme e iluminadíssima cadeira se sentava… o Pai Natal. Este estava vestido todo de vermelho que contrastava com os seus cabelos brancos que se alastravam até à barba.

Lá conseguiu a permissão de se sentar ao lado do Pai Natal e desta vez aguardou na fila como os outros.

Quando chegou a sua vez aproximou-se devagar do homem gordo e alto e sentou-se a seu lado. O velhote simpático perguntou-lhe:

- Como te chamas?

- Artur!

- Quantos anos tens?

- Quatro!

- Muito bem e agora dá cá um abraço ao Pai Natal…

O rapazito levantou-se do pequeno banco e aproximou-se ainda mais do bom velhote. Mas naquele instante a sua malvadez fez com que agarrasse as barbas do idoso e as puxasse para baixo. Depois exclamou:

- A barbas não são verdadeiras!

Mas no segundo seguinte a tenda onde estavam ambos fechou-se como por magia e as luzes apagaram-se ficando tudo num bréu. Artur viu-se sozinho e desatou num berreiro:

- Mãiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. Paiiiiiiiiiiiiiiii!

Da mesma maneira que se apagaram as luzes estas acenderam-se. Só que o menino não viu pai nem mãe e muito menos o tal Pai Natal a quem tentara arrancar as falsas barbas. À sua frente muitos meninos da sua idade, mas com ar muito travesso. Cada um tinha na mão um objecto que Artur percebeu serem iguais aos seus desejos.

Uma das crianças aproximou-se e mostrou-lhe um carro de bombeiros grande e muito engraçado:

- Foi isto que pediste ao Pai Natal?

Artur acenou afirmativamente com a cabeça e acto contínuo o outro menino desfez o brinquedo com os pés. Logo outro gaiato apareceu com um novo objecto:

- Pediste este?

Artur chorava agora e respondeu que sim. O outro despedaçou também o brinquedo. Um a um os brinquedos que Artur colocara na lista apontada pela mãe passaram pela sua frente e todos foram destruídos. Quando acabou a mostra o último menino travesso ordenou:

- Despe-te! Tira toda a roupa. Precisamos dela para dar a crianças que não têm nenhuma e que só pedem agasalhos. Vá despe-te…

Quando Artur se sentou no chão para principiar a descalçar, a luz voltou a desaparecer para logo surgir.

O mais fantástico é que Artur estava novamente ao colo de Pai Natal com a mão na barba. Porém em vez de a puxar o menino deu um abraço ao Pai Natal e correu por fim para os braços dos pais.

Na noite de Natal à meia-noite Artur foi a correr abrir as prendas e viu o que pedira inteiro e imaculado. Brincou, divertiu-se para no fim, já noite fora, adormecer no sofá enrolado, não ao carro de bombeiros que tivera direito, mas a um Pai Natal que retirou do pinheiro iluminado.

O Avô Natal

Resposta a este desafio

Olhou o vetusto relógio que nunca dormia nem necessitava de corda, estrategicamente colocado num corredor de pedra, do velho castelo e percebeu que o patrão ainda não aparecera nessa manhã. Era a primeira vez que o São Nicolau não acordava primeiro que toda a gente.

Era véspera de Natal e o velhote atrasara-se.

O secretário do Pai Natal era um homem assaz baixo, muito gordo, caminhando com passos rápidos e curtos. Talvez por isso parecia que corria ou rebolava e daí ser conhecido entre todos pelo Rebola. De farta barba cinza, havia no Castelo quem jurasse a pés juntos que o secretário era mais velho que o próprio Pai Natal, contudo ninguém tinha coragem de lhe perguntar a idade. Sempre pronto para uma boa briga com o pessoal, só o São Nicolau conseguia dizer-lhe ou pedir coisas sem escutar dele uma só palavra de azedume.

Naquela manhã Rebola aproximou-se preocupado do quarto do Pai Natal e encostou as suas enormes orelhas à porta. Não ouvindo qualquer barulho começou a clamar pelo patrão de uma forma muito peculiar. Iniciou a arranhar com as sujas unhas a porta do quarto enquanto chamava:

- São Nicolau… São Nicolau…

O silêncio manteve-se. Então o idoso secretário encostou as suas mãos sujas ao puxador e rodou devagar. O trinco mexeu-se até que fez aquele costumado som da lingueta a correr deixando finalmente a porta aberta.

Pé ante pé, Rebola aproximou-se da cama do Pai Natal! Para finalmente o encontrar de bruços na esteira.

- Pai Natal, Pai Natal – chamou em voz alta rebolando-o. Parecia inanimado… Ou seria que estava… a dormir!

xxx

Na neve alva e funda percebia-se um rasto de pegadas que se dirigia para o Bosque Encantado. Rebola corria o mais que as pequenas pernas deixavam. De vez em quando parava para retomar fôlego. Até que chegou ao seu destino.

Era uma velha barraca naquela altura quase toda rodeada de neve. Todavia da chaminé saía um fumo espesso e cinzento. Com alguma dificuldade aproximou-se da porta de madeira à qual bateu com força. Ao fim de um bom bocado a porta finalmente abriu-se e surgiu um homem enorme, muito mais alto que o Pai Natal, de uma barba tão comprida que ultrapassava a própria cintura.

- Bom dia São Lau…

O anfitrião tossiu um pouco e depois perguntou:

- Quem és tu?

- Já não me conhece? Sou o secretário do pai Natal. Sou eu que faço as encomendas das crianças para depois o São Nicolau ir distribuir..

- Tu és o Rebola?

O outro fico furibundo com a pergunta, mas foi respondendo:

- Sim…

- Entra então… que aí está frio.

O pequeno homem entrou e correu para a lareira para se aquecer. Depois disse:

- Preciso da sua ajuda!

- Da minha ajuda? Para quê?

- O São Nicolau… o seu filho adoeceu hoje de manhã e até à hora que sai do Castelo ainda não se tinha levantado da cama. E preciso que ele se despache pois as crianças estão à espera dele… 

- Mas onde andou esse mariola para ficar assim?

- Isso eu não sei São Lau, mas que preciso de si para o substituir, é verdade…

- Olha’meste agora! Então não querem lá ver que tenho a consoada estragada?

A coisa parecia estar complicada e o secretário Rebola já estava a imaginar as noticias no dia seguinte:

Pai Natal falha entregas

Onde andará o Pai Natal?

Para os mais sensacionalistas afirmarem sem certezas:

Pai Natal apanhado pelo covid

Pai Natal preso por aliciar crianças

Rebola estremeceu só de pensar. Não lhe apetecia ir novamente para a neve, mas teria de arranjar maneira de levar o avô Natal com ele. Puxou da sua postura que sempre mostrava aos seus súbditos no castelo para ordenar:

- São Lau pegue nas suas coisas e siga-me faxavor! Não tenho tempo para birras de menino. Vá, vamos lá.

Colocou-se a trás do velho e empurrou-o com força. Só que este devido ao peso e ao tamanho não se moveu um milímetro, para finalmente dizer:

- Tu és aborrecido… sabias?

- E você um parvo…

O outro enfureceu-se e quis correr atrás de Rebola que mesmo com passos pequeninos conseguiu fugir para a rua onde o seguiu.

xxx

A perseguição durou até ao castelo onde finalmente o velho Lau entrou e procurou o filho. Chegado ao quarto encontrou o seu infante deitado na cama, mas acordado. Aproximou-se e naquele tom rude perguntou:

- Então isto são horas de estar na cama na véspera de Natal?

O outro gemeu e admirado e ver o pai, respondeu:

- Estou doente… que faz aqui meu pai?

- Vou fazer o trabalho que te competia.

Entretanto Rebola aproximou-se do Pai Natal e disse baixinho:

- Desculpe ter ido buscar o seu pai, mas o problema não é as crianças ficarem sem prendas…

- Ai não? – intrometeu-se o mais velho.

- Não…

- Então qual o problema?

- São as crianças deixarem de acreditar em vocês.  Já imaginou uma criança sem qualquer crença no Pai Natal? Era uma tristeza.

O velho Lau respirou fundo, percebeu a dica e finalmente ditou a sentença:

- Uma coisa é certa… posso ir… mas vou vestido de azul! Nada dessas cores encarnadas...

Rebola sorriu sozinho, esfregou as mãos, virou as costas a ambos e foi carregar os trenós de prendas!