Todas as manhãs subia a escadaria que o levava à rua de cima evitando ter de dar uma volta enorme com o carro. O empedrado da escada alternava entre o preto do basalto e o branco do calcário. Nos intervalos algum musgo alimentado pelas últimas chuvas. Aqui e ali umas beatas já debotadas.
À tarde descia as mesmas escadas num passo rápido. Nas paredes inscrições amorosas ou grafittis indecifráveis. Noutras alguns slogans políticos já em desuso e descoloridos.
Por vezes passava sem ligar outras lia e ria.
Naquela tarde, contudo, havia uma cercadura onde as pedras estavam levantadas mesmo no centro da escadaria obrigando-o a desviar-se do seu costumado trilho. Durante dias assim esteve aquele impedimento.
Na semana seguinte quando voltou a subir reparou que finalmente a vedação fora retirada notando-se ainda alguma areia no chão oriundo da reparação. Mas desta vez ao passar por cima reparou que uma das pedras tinha uma inscrição. Baixou-se e leu: “Queres casar comigo”
Assim mesmo sem ponto de interrogação. Esboçou um sorriso e quando se ergueu, pensou:
- Quem se terá dado ao trabalho de mandar colocar esta pedra com este pedido de casamento?
Continuou a subir as escadas enquanto imaginava o que diria a sua namorada quando lhe contasse. Havia tempos que ela se insinuava com o casamento, mas ele achava que ainda não seria a altura. Mas se ela tivesse tido uma iniciativa destas… não poderia recusar!
Chegado finalmente ao cimo da larga escadaria deu de caras com a namorada. Espantado com a presença da jovem esta foi directa:
A porta abriu-se deixando que a equipa médica entrasse. Ao fundo o Director clínico. Os súbditos de Hipócrates espalharam-se pelas cadeiras para finalmente iniciarem a reunião.
- Então que caso clínico é esse que me querem mostrar?
Um dos médicos levantou-se da cadeira:
- Caro colega temos um caso bizarro e estranho com uma doente que esteve em coma durante algum tempo e quando acordou não falava…
- Perfeitamente natural… Queria o quê… que fizesse um discurso à nação, colega?
- Pois ela não fala… mas…
- Mas o quê Doutor? Desembuche…
- Nem sei como lhe dizer… caro Director…
Do fundo da sala uma jovem médica ergueu-se da cadeira e declarou:
- A doente mia…
Um silêncio. O Director ergueu-se devagar, saiu da cadeira e começou a passar a mão pela face. Depois:
- Ele está aí! Outra vez! Como pode ser possível?
Ninguém falava. O silêncio era quase tumular. Por fim esclareceu:
- Ao invés do que pensam este não é caso único.
- Ohhhhhh – responderam em uníssono.
- Já há uns anos tivemos um caso assim.
- E tem cura? - perguntou alguém.
- Tem. Eliminem os gatos da respiração dela. Verão que deixará de miar!