... da Ana
Chuva
Sinto nas mãos as lágrimas mansas
Caídas de um céu cinzento.
São cristais de vida, recompensas
Que doravante eu acalento.
Sinto na face as lágrimas frias
Tombadas de um negro sentido
Relembro longas noites e dias
De um amor quente e unido.
Sinto na roupa as lágrimas pesadas
Repletas de força, poder e estreiteza.
Vivo de ideias, de sonhos e estradas
Todas alinhadas na minha tristeza.
Ai lágrimas, lágrimas do céu!
Por que te chamaram de chuva?
Se não és mais que um véu…
E da minha amargura uma luva!
Chove.
Nas ruas lamacentas caí tanta vez.
A terra negra ou clara invade-me
Como vírus peçonhento.
Chove.
Nas margens duma ribeira
Morrem afogadas as ervas
Verdes de tanta raiva.
Chove.
O som da bátega de água
Enche-me o coração de melancolia
Torpe de quem sofre de amor.
Chove.
Um vento singelo e apurado
Vai-se recortando por penedos
Trazendo-me o cheiro a terra.
Chove.
Ouvi-la só, bastava-me.
Gosto destes dias de chuva que aplacam a ferocidade
De um sol demasiado tardio inundando um imenso verão.
Gosto de sentir a água fria como de fonte se tratasse
Jorrando do céu plúmbeo a vida em límpidas gotas.
Gosto do silvo sibilante do vento debaixo da fresta
Traz-me novas do outono feito de castanhas e vinho.
Gosto sim de me molhar e perceber no ar revolto
O perfume da terra molhada a pedir fria enxada
Gosto de ti simples, nua, como tu vida sabes ser.