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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Hoje convido eu! #1

A desafiarem-me!

Introdução

Os diversos exercícios de escrita em que participei obrigaram-me a puxar da imaginação para responder aos ditos. Acabados aqueles tenho tido alguma dificuldade em imaginar novas estórias. Foi num breve rasgo de alguma lucidez que me veio à ideia convidar outros bloguers a desafiarem-me apresentado uma simples frase, uma palavra ou até um tema e sobre o qual irei escrever.

Tentarei que este exercício dure pelo menos um ano, sendo que será publicado a cada dia um de cada mês um texto novo!

Começo com a Ana D. que me apresentou a seguinte frase: Como são grandes as coisas pequenas!

Eis o que saiu.

 

Quando o pai o chamou há muito que estava acordado. Aquele dia seria certamente diferente, pois cumprir-se-ia a promessa que o avô lhe fizera no dia em que fizera 13 anos.

- Um destes sábados o teu pai que te leve à minha humilde oficina. Penso que gostarás de a visitar…

O velho Arthur, com agá como sempre o seu pai escrevera o seu nome, tornara-se um dos maiores mestres de relojoaria do país. Havia mesmo quem teimasse que seria um dos melhores do Mundo, ao que ele respondia sempre ao elogio com uma graçola tentando não dar valor.

- Serei um pouco mais empenhado que os outros… sei lá – desculpava-se sempre a sorrir.

Todavia o rapazito olhava para o avô com aquele olhar de admiração, como se o antecessor fosse uma daquelas estrelas de música que ele costumava ouvir repetidamente.

Agora a promessa iria ser cumprida e a excitação que sentia era tremenda. O pai estacionou o carro e após uns minutos a andar por ruelas apertadas pararam a uma porta pequena. Como por magia a porta abriu-se e o avô surgiu vestido de uma bata negra e um boné.

- Ora quem está cá – e estendendo os braços – dá cá um desses bem apertados.

O rapaz não se fez rogado e abraçou o avô dizendo:

- Obrigado por me deixares aqui vir…

O velho sorriu para o filho e devolveu:

- Tu és mais dono disto que eu… Vá entra… cuidado é com os degraus.

A loja descia um lance de escadas para dar num longo corredor parcamente iluminado. O som de alguns relógios a trabalhar dava ao local um toque de magia.

- Uau… que fixe! – os olhos do adolescente não paravam.

Foi a vez do pai falar:

- João toma cuidado… há aqui peças muito frágeis…

O velho Arthur virou-se para o filho e convidou:

- Que tal ires até casa enquanto o João fica comigo todo o dia.

- Pai isso talvez seja demais…

O mestre virou as costas ao filho e seguiu o neto que repetia enquanto olhava a quantidade de aparelhos espalhados pelas velhas paredes da loja:

- Que fixe avô! Que fixe…

- Isso quer dizer o quê? – pouco familiarizado com uma linguagem mais jovem.

- Quer dizer… quer dizer…

- Falta-te a palavra?

- Sim, falta.

- Deixa rapaz que eu já entendi.

E passou a mão pelo cabelo espesso do neto.

Por fim foi mostrando alguns aparelhos:

- Este é um velho relógio de ponto. Os trabalhadores sempre que entravam ou saíam tinham de passar um cartão por esta ranhura e carregar nesta patilha que marcava no papel a hora.

Mais à frente:

- Este é um relógio de Aniversário…

- De aniversário?

- Tem corda para mais ou menos 400 dias e diz-se de aniversário porque os donos só lhe davam corda no dia em que faziam anos…

- Assim nunca se esqueciam…

- Nem mais.

Depois:

- Este é um Hermle! Dizem alguns patetas que é o RollsRoyce dos relógios…

- A sério?

Arthur riu-se:

- Nem sabem o que é um Hermle, nem um RollsRoyce! Tem boas máquinas, mas avariam como os outros.

Por fim pararam numa bancada. Nesta encontravam-se o que seria alguns relógios de pulso, a maioria desmontados, outros mais completos, mas sem estarem totalmente prontos. Sentou-se num banco alto e apontou um outro assento para o rapaz.

- Deixa-me explicar algo que irás perceber. O relógio é o exemplo do que poderia ser uma sociedade perfeita.

O rapaz olhava o avô com uma avidez de saber e a medo perguntou:

- A sério?

- Sim João. Mas primeiro olha para aqui e diz-me o que vês.

O jovem aproximou-me do tabuleiro e foi dizendo:

- Parecem peças de relógios…

- Parecem não… São peças de uma máquina.

Sem esperar resposta continuou:

-  Está a trabalhar?

- Não… está todo desmontado.

- Ora nem mais. Agora repara neste.

- Este está a trabalhar, avô!

- Muito bem! Agora voltemos ao primeiro… que peças vês aqui?

- Rodas, parafusos… e isto é o quê?

- Uma mola de cabelo… Mas como vês estando separadas nada funciona… Mas ali todas juntas trabalham e fazem trabalhar…

- Fazem trabalhar?

- Sim João… Há umas rodas que impulsionadas pela corda fazem trabalhar umas maiores. Na maioria das vezes nem se vêem, mas estão lá!

- Complicado avô!

- Parece companheiro! Na vida também é assim… Ou melhor… deveria ser! Deveriam todos trabalhar para o bem comum.

- E não é assim?

- Infelizmente não... Os relógios são pequenas máquinas, mas ensinam o homem…

- Uma coisa tão pequenina…

De súbito o avô debitou:

- Como são grandes as coisas pequenas!

- Que disseste avô!

Arthur riu-se uma vez mais e acrescentou:

- Nada… não disse nada!