Estava Felício confortavelmente recostado à cabeceira da vetusta cama de ferro, herança de uma tia-avó que nunca conhecera, a tentar fazer o que restava das palavras cruzadas de um pasquim, quando olhou para a televisão na qual Felícia ficava vidrada e percebeu que alguém falava num enorme incêndio em Alguidares-de-Baixo. Pegou no telemóvel e enviou uma mensagem à mulher deitada a seu lado:
"Olha essa é a terra do meu trisavô!"
"E eu ralada", Felícia ainda não esquecera o tal dia de praia que não... fora!
"E se fossemos lá à festa? Nunca lá fui... Bom nem sei onde é!" - escreveu.
"Quero lá saber. Vai sozinho"!
No dia seguinte Felício lançou mais uma vez a ideia da noite anterior, via uotessape, envolvendo desta vez os filhos.
"Pessoal bora a uma festa na aldeia com música pimba e tudo?"
As respostas não tardaram a chegar de Mário Felício e Maria Felícia.
"Que aldeia mene?" pergunta o filho.
"Cena marada pai. Bora lá!" enviou a mensagem para logo a seguir voltar a enviar outra.
"Onde é?"
"Alguidares-de-baixo"!
"Isso é adonde?"
"Lá para trás do sol posto" responde Mário Felício e acrescenta uns sorrisos.
'Parvo" responde Maria Felícia e avança um diabo!
"Loira!" devolve o irmão e mais sorrisos!
Dois dias depois Felício entra radiante em casa, descalça os sapatos malcheirosos deixando-os na entrada, vai ao frigorífico onde surripia uma cerveja e senta-se no velho e afundado sofá que já merecia reforma. Liga a televisão e bebe um gole generoso da garrafa.
Quando escuta os filhos chegarem pega no telemóvel e envia nova mensagem:
"Já sei onde é a aldeia. Fica para lá de Vale de Lençóis, a uns quilómetros de Alface-a-Velha!"
Maria que está no quarto ainda de volta da roupa que há-de vestir para a naite, devolve:
"Já sabes quem são os artistas?"
"Os melhores da praça" responde o pai.
"Mas quem?" pergunta Mário Felício.
"O Joy de Setúbal, o Moni das furgonetas, o João Bacalhoa e o maior dos maiores o Didi Gravatas"
"Ena tantos... e dos bons" afirma Mário Felício.
"Fixe velho. Bora lá..."
De súbito os três recebem uma mensagem da mãe:
"Só em sonhos... Isso foi o cartaz de antes da pandemia"
Acrescentou:
"O Joy está preso por fazer pleibeque, o Moni fugiu para a estranja por causa dos impostos, o Bacalhoa morreu este ano de enfarte e o Didi Gravatas está num lar depois de um AVC".
Chegaram à praia era quase meio-dia não obstante terem saído do Bairro das Mouras pelas 8 da manhã. O problema fora realmente o trânsito naquele Domingo especialmente para passar a ponte.
Como bom táxista que está convencido que é, Felício foi tentando fugir ao tráfego automóvel. Só que numa dessas fugas foi apanhado por uma Operação-Stop montada numa rotunda. Resultado... quase duas horas para convencer o polícia de que era um condutor profissional, recebendo ainda assim, em troca, uma multa de 125 paus por conduzir com demasiadas gramas de álcool no sangue. Não tivesse a família bebido também um gole daquele medronho "algarvie" e provavelmente a coima teria sido muito pior.
Quando entraram na areia a praia estava repleta. Maria Felícia descalça-se e enfia-se na areia a ferver. Mas dá um salto e volta para trás. De pé sem saberem para onde ir Felício arranca então decidido a inventar um lugar, nem que seja a um metro da água. A família segue-o enfim.
Sem preceito ou cuidado as quatro alminhas vão tricotando por entre chapéus de Sol, igloos manhosos, geleiras espampanantes e toalhas de praia "meide ine errepêcê". Já para não falar dos putos que armadilham o caminho com buracos na areia.
Mário Felício acabou por cair num destes quando olhava para as sedutoras curvas de uma jovem mulata estendida na toalha, esparramando-se ao comprido no chão fino e salpicando toda a gente ao redor com areia. Um vendedor de "Bolas de Berlim" feitas na Caparica é atingido por uma nuvem e só tem tempo de tapar os bolos do cesto já que o da mão ficou bem polvilhado, mas não de açúcar.
A maioria dos presentes ri-se alarvemente do espalhanço, mas Mário bufa de raiva e dá um calduço com força num dos putos, que fica a chorar. Felícia, por sua vez, carrega uma enorme cesta equilibrando-a numa velha e suja rodilha que colocou no cocuruto do seu corpo redondo e caminha devagar atrás do marido, que transporta o chapéu de sol, o saco com as toalhas e um jornal desportivo.
Ao longe Felício repara que há alguém a sair e quase que corre para o local. Porém aí chegado não percebe espaço algum e fica muito desapontado. Por fim chega-se perto da beira-mar e espeta com força o chapéu na areia molhada e senta-se. Os restantes imitam-no.
Maria Felícia vai devorando com os olhos as carnes humanas, especialmente masculinas, que atravessam na sua frente. O mesmo se passa com Mário Felício e com Felício, chefe do clã. Só Felícia vai estendendo as toalhas sobre a areia encharcada, aprontando o almoço.
No minuto seguinte a mãe e esposa percebe que está sozinha, já que os três foram à água. Uma carrinha do ISN em alta velocidade e de sirene bem estridente atravessa junto à beira-mar fazendo saltar areia para todo o lado. A mulher barafusta com as autoridades para depois enviar uma mensagem: vamos comer?
Maria Felícia responde: vou mais tarde acabei de conhecer o Joca!
Mário Felício devolve: conheci agora uma Miraldina, vou mais logo!
Felício diz: já almoçar?
Furibunda Felícia pega na toalha de praia e foge do local indo para o carro. A maré continua a subir e é nessa altura que o táxista percebe a sua garrafa de tinto a boiar aos seus pés, já meio vazia!
Às duas da tarde estão todos de regresso a casa, sem almoço e sem praia, onde chegam cinco horas mais tarde, tudo devido a um acidente na Ponte.
Felícia, amofinada, deita-se logo.
Felício vai poder finalmente ler o jornal!
Maria Felícia nem quer saber pois está de converseta via uotessape com o tal de Joca.
Por fim Mário Felício pediu amizade à mulata no feicebuque! Está à espera de resposta!
Pairava sobre a urbe, naquele Verão inclemente, uma canícula que tudo tisnava. As pessoas fugiam da rua evitando o calor abafado, procurando naturalmente os locais mais frescos. Na precedente semana a chuva caíra a rodos tal qual as invernias. Agora aquele Estio… quase de um dia para o outro!
Felício estava sentado no táxi à sombra de uma vetusta árvore no Príncipe Real ouvindo um posto de rádio que só dava música do toni das “caminetes” e de outras cantores de qualidade duvidosa. Enquanto aguardava algum cliente mais imbecil por andar com aquele calor na rua, enviou mensagens à família via uotessape: sábado praia quem vai?
Durante três dias ninguém respondeu ao táxista. Também não insistiu. Admirou-se, todavia, com a mulher Felícia que andava sempre desejosa de enfiar o traseiro na água do mar. O fim de semana aproximava-se e nem uma mensagem. Até que na sexta feira à noite com todos sentados à mesa (uma raridade) Mário Felício comunica: amanhã folga. Bora ah praia?
O pai responde: imbecil perguntei isso na segunda e ninguém ligou patavina.
A mãe ajuda: eu sozinha também namapetece! Mas se formos todos até faço um arrozito de galinha…
Faltava a resposta de Maria Felícia altamente dedicada a enviar umas parvoíces no feicebuque. Finalmente percebeu a questão e respondeu: zanguei-me com a minha namorada. também posso ir.
Só Felício estava varado! Sem as devidas respostas a tempo combinara uma ida à pesca com uns amigos, para os lados de Peniche e não lhe apetecia estar a mudar a coisa. Respondeu: agora não contem comigo… vou pra fora! Desenvencilhem-se...
Não houve mais respostas de ninguém. Dava a ideia de que a praia… já era. Entretanto a canícula viera para ficar! As noites eram verdadeiros paraísos tropicais, originando que tanto Maria como Mário saíram logo após o jantar para beberem uns copos com os amigos. No entanto cada um seguira para seu lado, só regressando ambos altas horas da madrugada e quase ao mesmo tempo.
Daí terem-se admirado com o movimento inusitado em casa às seis da manhã! Quando entraram deram de caras com um pai hiper-super-maldisposto. A casa estava uma revolução e a mãe Felícia chorava na cozinha.
Mário pegou no telemóvel quase sem bateria e enviou uma mensagem ao pai:
“O que se passa?”
“Não tens nada com isso, desempecilha daqui e vai “masé” dormir! Que o teu mal é sono.”
“Isso é que não vou… quero saber porque a mãe está a chorar na cozinha”.
A filha Maria Felícia, entretanto, chegara-se perto da mãe e acariciava-a. Depois pegou no telemóvel e perguntou também ao pai: “que fizeste à mãe?”
“Não fiz nada! Ela que me desapareceu com a minha bóia talismã da pesca.”
“Qual… aquela que está no teu porta-chaves no carro?” – perguntou o Mário Felício.
Felício pára, senta-se no meio da tralha que desarrumou e acaba por dizer:
Foram todos à bola naquela tarde: Felícia, Felício, Maria Felícia e Mário Felício.
Todos de telemóvel em punho. Só podiam!
Passaram os primeiros seguranças mostrando os écrans! Entraram seguidamente no edifício, mas aqui foi necessário mostrar outra vez o equipamento onde estavam os bilhetes de entrada.
Após diversas tentativas lá conseguiram todos passar as cancelas e principiaram a subir a extensa escada.
Muitos adeptos aos gritos e a cantar enquanto escalavam andares. A família subia calmamente com os olhos pregados nos monitores do telemóvel. Finalmente no cimo respiraram fundo e penetraram na larga porta que daria acesso às bancadas.
Mário Felício escreve entretanto no uotessape : vou à cb!
Maria Felícia, a irmã: fazer?
Mário: regar as flores, estúpida!
Maria: imbecil!
Felício entra na conversa: calem-se os dois faxavor e tu menino vai à cb!
Felícia mais comedida escreve: ó homem deixa lá os miúdos!
Procuram os lugares, sobem mais escadas, atravessam metade da bancada e finalmente sentam-se.
O estádio ainda tem poucos espectadores… Felício redige: isto hoje não enche!
Mário já sentado devolve: quero lá saber! E fixa-se num jogo que tem no telemóvel!
Principia o desafio no relvado! As vozes dos adeptos soam pelo estádio numa algazarra fantástica. Agitam-se cachecóis, ecoam cânticos de incentivo à equipa, assobia-se o adversário, maltrata-se a família do árbitro até à décima geração!
Felícia via telemóvel: isto é sempre assim?
Felício: claro!
Mário grita sozinho: Gooooooolo!
Maria: onde?
Mário devolve: aqui no meu jogo.
Maria: não estás a ver a bola no relvado?
Mário: não consigo ver neste ecran tão pequeno!
A multidão entretanto berra em uníssono:
- GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLO!
Há quem dê saltos e abraços. E festeje alegremente o golo conseguido. Felício nem percebe o que está a acontecer pois tem os olhos pregados no ecran do telemóvel. Assim como os restantes elementos da família!
O jogo desenvolve-se de forma emotiva no relvado. De súbito Felício salta do lugar e por fim grita:
- GOOOOOOLO!
Ao redor daquela estranha família ninguém percebe o porquê daquele grito. Quiçá o vizinho da fila de trás, que acabou de rever o golo no telemóvel de Felício, consiga perceber!
Defronte do espelho olhou-se com alguma tristeza. Na face os rasgos fundos da velhice percebiam-se cada vez mais, não obstante uma penugem alva.
Pegou na espuma de barbear e espalhou-a uniformemente pela cara. Depois a lâmina foi deslizando deixando uma pequena estrada. Assemelhava-se aos limpadores de neve que diariamente passavam à sua porta quando viveu no Connecticut. Outros tempos, pensou!
Finalmente e após estar bem escanhoado, lavou-se. Voltou a mirar-se ao espelho e sentiu-se abatido, triste.
- O meu rosto... que outrora conquistou o mundo...
Uma lágrima foi descendo pelos sulcos fundos da pele até cair na sua mão!
Clarice sempre viveu num mundo imaginário onde reis e rainhas, príncipes e princesas, fadas e duendes conviviam numa alegre algazarra e também harmonia.
Desde muito pequena que olhava para as lindas bonecas da irmã mais velha e tratava-as como figuras primordiais das suas aventuras.
Havia também gatos e outros animais ao redor da sua casa e que alimentavam o seu espírito infantil e a quem relatava as estórias que imaginava.
Foi crescendo neste ambiente por si criado até ter consciência que à sua volta as árvores não cresciam de dentro dos livros, que os animais jamais falariam consigo, que as maravilhas que sonhava não passariam disso mesmo... sonhos bonitos, mas sonhos. Só!
Certo dia cansada de tanto falar, pegou numa simples folha de papel e começou a rabiscar umas palavras. Às quais junto muitas outras. As histórias que inventara em criança surgiam agora repletas de aventuras maravilhosas.
Escreveu, escreveu, escreveu até que certa tarde, à sombra de uma das suas fantásticas plantas viu nascer como por magia, o seu primeiro livro. De taaaaaaaaaantas páginas...
Recostou-se, abriu a primeira página e principiou a ler... devagar como se não soubesse o que continha.
O mais estranho foi enquanto folheou e leu, com doçura e encanto, o livro que acabara de escrever, o Sol jamais se escondeu...
O primeiro fim de semana após ter assumido a chefia de um Departamento de investigação deveria ser de repouso. Porém Alcides tinha outros planos em mente e a maioria estava ligado à gestão de recursos humanos.
Até à entrada na empresa o jovem professor de uma Faculdade apenas se preocupava em dar as aulas de forma assertiva e competente e pouco se preocupava com a gestão humana. Parecia um sector com o qual tinha poucas ou nenhumas preocupações. Porém de um momento para o outro tudo mudara ainda por cimo após aquele conselho de Ângela-
A sua agulhe virou de repente e ficou a +ensara que estaria ela naquele momento a fazer? Pensou ligar-lhe mas isso poderia ainda mais estragar a sua relação já que após a entrevista jamais a vira.
O seu aparelho tremeu. Pegou nele e não conhecia o número. Atendeu:
- Estou quem fala?
Um breve silêncio e depois aquela voz:
- Olá… sou eu! Desculpa… deves tar mais que fazer…
- Não Ângela, não… Sinceramente estava a pensar em ti, mas antecipaste-te…
Novo silêncio para finalmente:
- Gostaria de me encontrar contigo… Amanhã à tarde… por exemplo Falarmos sobre Eça ou Camilo… ou outro autor mais recente.
Aguardou uma resposta:
- Agradeço mas amanhâ à tarde é impossúel E dia da visita a um lar. Esta lá a minha mãe.
Custou a Alcides abandonar os seus alunos, mas tendo em conta a proposta irrecusável, seria louco não aceitar o emprego de responsável pelo departamento de investigação com meios, tanto humanos com técnicos, ao seu inteiro dispor.
Quando entrou pela primeira vez na empresa, Ângela já se demitira tal como prometera, de forma a que não houvesse qualquer choque de interesses.
Porém antes, naquela manhã, Alcides retirou do seu roupeiro aquele fato, vestiu a camisa de punhos branca, colocou uma gravata e finalmente enfiou os botões de punho na camisa. Olhou-se ao espelho, respirou fundo, pegou na carteira e no telemóvel e partiu para o novo desafio.
Após as milhentas apresentações Alcides foi finalmente introduzido num amplo gabinete com vista para o Tejo.
- Será este o seu gabinete daqui por diante! – disse o administrador-delegado e responsável pelos Recursos Humanos.
- Obrigado… mas… não seria melhor ficar mais perto do laboratório?
- Claro e terá lá uma pequena sala de trabalho… Mas quando necessitar de fazer uma reunião este gabinete parece-nos adequado.
Aproximou-se da ampla secretária onde encontrou um envelope dirigido a si. Admirado pegou, mirou-o e percebeu que estava fechado. Finalmente abriu-o, retirou a folha de dentro e leu:
“Viva Alcides,
espero e desejo que entres nesta empresa ciente que és uma forte aposta da administração para a evolução.
Estarei sempre a teu lado… sempre… mesmo que não me vejas.
Termino com um conselho: as pessoas nessa empresa são seres humanos!
O rei não era grande exemplo pois era tão gordo como a sua filha mais velha, ao invés da rainha que parecia uma radiografia: de frente parecia estar de lado e de lado não se via.
A princesa, por isso, andava muito triste…
Um dia apareceu no ancião castelo um jovem esbelto e robusto. Pediu uma audiência ao rei que foi obviamente recusada. Até que ele disse: venho tratar da princesa… aquela que rebola!
Foi logo recebido pelo monarca que desconfiou do plebeu. Todavia deu-lhe hipótese de se explicar.
Após as explicações o rei concordou com o tratamento e mandou chamar a princesa. Esta rebolou até à sala do trono e perante o rei:
- Que quereis de mim, meu pai e senhor?
- Eis o homem que irá resolver o teu problema dessa gordura.
- Não tem solução – e começou a chorar.
Entrou o jovem em cena que declarou:
- Princesa… sei como resolver o seu problema. Mas terá de confiar em mim. Sempre. Asseguro-lhe que emagrece.
A princesa olhou para o rapaz e segui-o. Partiram ambos na madrugada seguinte do castelo a pé, mas ainda não voltaram…