Os Felícios! #10
Resposta a este convite da Ana
O ambiente em casa da família Felício não era o melhor, principalmente desde as festas natalícias onde ninguém recebeu o que gostaria de ter recebido.
De tal forma as coisas estavam desconfiguradas que as refeições faziam-se sempre aos pares. Primeiro pai e mãe e mais tarde os filhos. O grupo de uotessape que havia sido criado deixou de ter actividade.
Na véspera do Ano Novo, Maria Felícia e Mário Felício saíram de casa sem sequer se despedirem dos pais. O pai ficou tão furibundo que nunca mais falou aos filhos.
É neste mundo azedo que vamos reencontrar a família Felício com o pai a chegar agora mais tarde porque os tais “uberes” faziam grande concorrência aos taxistas originando que os clientes fossem muito menos. Valiam, ainda assim, algumas avenças previamente contratadas …
Felícia passou a lavar as escadas do prédio abichando com isso algum dinheiro que ajudava nas contas. Entretanto os filhos continuavam a viver lá em casa, mas sem qualquer compromisso financeiro… E como estava tudo de “telhas às avessas” também a roupa dos jovens deixou de ser lavada e passada a ferro. Amontoava-se à porta dos quartos.
Resumindo naquela casa a confusão era generalizada!
Certa noite Felícia escreveu para o marido:
- O jantar está na mesa!
- Vou já, vou só lavar as mãos!
Durante a refeição só se escutava os talheres a bater nos pratos. Mas há muito que era assim… Todavia o peso da ausência dos filhos tornava aquele momento ainda mais triste. Foi a mulher que munindo-se da maior coragem que tinha, tocou no braço do marido, chamando-o à atenção, dizendo:
- Temos de acabar com isto – e apontou para o telemóvel.
- Porquê?
- Porque somos pessoas e não máquinas…
O marido nada disse. Para depois acrescentar:
- E eles? – e fez um jeito com a cabeça apontando para dentro de casa referindo-se aos filhos.
- Eles? Façam o que quiserem. São maiores e vacinados!
Novo estranho silêncio. Entretanto a porta de entrada abriu-se. Felícia olhou o relógio de parede a pilhas, de origem chinesa e estranhou a chegada de qualquer dos filhos àquela hora.
No momento seguinte apareceu na cozinha Maria Felícia com uma cara que parecia ter sido atropelada. Olheiras enormes onde se percebia a maquilhagem toda esborratada, o cabelo desgrenhado e as mãos numa tremedeira parecida a quem sofre de “delirium tremens”.
Admirados com aquele aspecto físico e psicológico os pais levantaram-se rapidamente da mesa e chegando perto da filha perguntaram de viva voz:
- O que passa Maria Felícia?
A jovem sentou-se devagar na cadeira, mas não respondeu. Escondeu a face suja entre as mãos e desatou a chorar.
A mãe foi buscar um copo com água e deu-lhe a beber. Finalmente sentou-se a seu lado e voltou a questionar:
- O que se passa contigo?
A filha ergueu o olhar para a mãe e respondeu:
- Há um novo Felício a caminho!
Primeiro o choque depois a alegria:
- Que bom, querida. Estamos mais ricos…
- Pois dizes tu… - devolveu a filha.
Depois rematou:
- Que telemóvel vou dar eu à criança? Não sei o que fazer!