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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

O Pastor

Tinha abandonado a aldeia havia alguns dias. Acompanhavam-no um rebanho de ovelhas e cabras. Estas últimas não obstante a natural irreverência mantinham-se no caminho com o restante gado.

No bornal carregava um naco valente de broa, um chouriço que surripiara da conserva de azeite da mãe e mais uma mão cheia de queijos, também eles guardados em azeite.

Era usual o jovem partir dias seguidos com o gado, nunca se sabia bem para onde. Dias ou semanas depois chegava com o gado gordo e ele magro, porém feliz.

Para além das ovelhas, o pastor fazia-se sempre acompanhar por um rafeiro todo branco excluindo as patas pretas. Daí o nome de “Sapatos” que desde muito cedo o canito percebera que era consigo que falavam. Animal esperto sabia tocar as ovelhas para dentro do caminho como nenhum outro. E nem era necessário o dono assobiar…

Quando regressava contava estórias fantásticas que ninguém acreditava, mas adoravam escutar. Geralmente faziam-no na praça do pelourinho onde, em noites quentes os aldeões se juntavam numa anormal algazarra, sempre acompanhados dos traçadinhos. A maioria deles contavam mentiras de caças e amanhos impossíveis. Discutiam teorias e filosofias. Riam em gargalhadas sonoras.

Entretanto quando o pastor chegava ao largo todos se calavam. Sabiam que viriam novos relatos, novas aventuras.

- Senta-te aqui, home’! Há quantos dias saíste?

Com um sorriso e uma calma que a todos enervava o jovem pastor ia devolvendo respostas, umas atrás das outras.

Daquela vez partira de madrugada aproveitando a maresia. Alguma erva ainda molhada encharcou as botas, mas ele não se preocupou. Continuou a sua marcha lenta. Parou ao fim de duas horas para escolher um dos dois caminhos que lhe apareciam. Conhecia-os ambos, todavia um deles passava por dentro da Quinta das Figueiras. Em tempos o dono autorizou-o a passar, somente, nunca a pernoitar. Na dúvida olhou o cão que se coçava essencialmente pelas serugas que se haviam enrolado no pêlo e perguntou-lhe:

- Para onde companheiro?

O astuto bicho arrancou dali e dirigiu-se pelo caminho da quinta. O pastor seguiu-o confiando no instinto animal.

Algumas léguas depois, penetrou nos terrenos alheios da tal herdade e por isso apressou o passo obrigando o gado a segui-lo. Estava já a sair quando de súbito surgiu vindo de algures um alazão carregando uma amazona de longos cabelos ao vento. Aproximou-se do rapaz, desmontou e cumprimentou:

- Boa tarde…

Sem receios, retribuiu o cumprimento:

- Boa tarde menina.

- Quem és tu?

- Oh… um pobre pastor com autorização do dono destas terras para aqui passar sem parar.

- E porque não páras?

- O patrão não quer… está no seu direito… Já faz um grande favor deixar-me aqui passar…

A jovem rodeou-o, mirou-o de cima a baixo e insistiu:

- Porque não páras aqui para descansar?

Demasiadas perguntas e ele sem vontade de responder. Mas…

- Porque quero chegar à charneca antes de anoitecer. Fique bem!

Assumiu o caminho.

- Sabias que o meu pai morreu?

- Não menina… O seu pai era o dono disto? – e apontou com o cajado a imensidão de terra que o horizonte deixava ver.

- Sim…

- Agora é a menina a dona…

- Certo! E por isso estás autorizado a ficar aqui…

- Não menina! Agradeço, mas tenho de ir!

Mas a jovem não o largou e remontando no cavalo caminhou devagar a seu lado. A determinada altura:

- Como se chama o teu cão?

- Sapatos!

Ela deu uma imensa gargalhada. Depois mirou melhor o canito e percebeu o nome. Voltou a rir com vontade.

E o som da sua gargalhada ecoou pelo vale!

(Continua...)

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