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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

O Pastor #7

(... Continuação daqui)

Aproximou-se da aldeia em passo lento. Havia mais de uma semana que havia partido por não querer ver o pai naquele definhamento etílico. Agora não queria estar na estrada para não ser sempre apanhado pela rapariga. Uma dúvida triste e amargurada que lhe enublava os dias.

Meteu o gado no curral, fechou-o e encaminhou-se para casa. Sapatos saltitava a seu lado numa costumada brincadeira. Ao aproximar-se o jovem pastor deparou com a mãe sentada no degrau da porta e parecia chorar. Apressou o passo e chegado a casa olhou a mãe lavada em lágrimas.

- O teu pai… o teu pai…

Pensou o pior. Entrou de rompante, mas não viu ninguém. Percorreu a casa pequena e não viu o antecessor. Finalmente aproximou-se da mãe que continuava:

- O teu pai… o teu pai…

- O meu pai o quê?

Respirou fundo, fungou, assoou-se ao avental e declarou:

- O teu pai vendeu o rebanho…

- Vendeu o quê?

- O rebanho… Todinho…

- Mas como se só cheguei agora com ele. Não pode ser…

- Para ir para a taberna gastar tudo no maldito vinho… estamos desgraçados…

E voltou a carpir. O pastor percebeu num instante o que havia acontecido e decidiu por um fim naquela estória. Arregaçou as mangas e partiu em busca do antecessor. Ao aproximar-se da taberna percebeu lá dentro enorme algazarra e onde o cheiro a vinho, suor e tabaco se misturavam em partes iguais, criando um ambiente pesado e nauseabundo.

Irrompeu pelo estabelecimento, qual bode enraivecido, foi ao encontro do pai encostado ao balcão que nem o vira entrar e pegou pela gola do casaco e sem dizer uma palavra arrastou-o para o empedrado da rua. Principiava a cair uma chuva forte o que fez com que ninguém os seguisse. A turbulência sonora no minuto antes fora substituída por um silêncio fúnebre. Apenas o irmão do bêbado apareceu para tentar levantar o irmão. Todavia o filho não autorizou.

- Deixe-o… Não lhe toca… A conversa é comigo e com ele… Não se meta…

O outro recuou deixando-os sós.

A chuva caía agora com força. O jovem pegou novamente no pai e levou-o até à fonte onde mergulhou a cabeça no tanque de pedra. O pai estrebuchava, mas a pujança e a raiva do jovem não o deixava vir fora de água. O filho tirou-lhe finalmente a cabeça de dentro do tanque e gritou-lhe:

- Vai desfazer este negócio e é já!

Ainda preso ao álcool o pai respondeu ofegante:

- Não posso… já me pagaram…

- Quero lá saber… Vamos agora falar com quem comprou e devolver o dinheiro.

- Já não tenho todo… devia na taberna…

- Já lhe disse que não quero saber…

E mergulhou a cabeça do pai novamente no tanque.

Quando finalmente pode respirar, o velho iniciou a vomitar. O chão alagava-se agora de tons de vinho, que a chuva ia lavando. Enfurecido o pastor encaminhou-se para a taberna e ficando à porta vociferou:

- Cambada de sacanas… a valerem-se da desgraça dos outros… Gostam de estórias, gostam? Têm aqui agora uma… - e apontou na direcção do pai - Mas esta é triste e são vocês que a irão contar… Se forem capazes…

(Continua...)