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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

O Pastor #6

(... Continuação daqui)

Aquele Inverno parecia querer entrar pela Primavera tais eram os dias de chuva permanente e frio glaciar. As noites no largo eram assim triste e obrigatoriamente curtas. Para uns pela ausência daquelas estórias que o jovem pastor todos os serões inventava, para o autor pois era sinal de regressar a casa onde o pai permanecia cada vez mais tempo sem falar com a família, mantendo, contudo, um diálogo surdo com o garrafão de vinho e o copo que alternava entre cheio e vazio. Havia semanas que perdera o emprego por causa de uma bravata com o chefe. Agora deambulava pela aldeia e arredores. Uns confessavam que ele só queria vingança, outros que iria por termo à vida, outros ainda olhavam-no de longe e desdenhavam…

Quando finalmente surgiu o sol e a erva nasceu com mais vigor, o pastor partiu para mais uma das suas longas e distantes viagens. Com a sua normal juventude esquecera-se por completo da rapariga que tantas vezes o atentara. Todavia quando chegou ao cruzamento lembrou-se dela e preferiu não passar pelo meio da Quinta. Poderiam ocorrer novos encontros e ele não estava para aí virado.

Todos os rios, ribeiras e charcas brilhavam agora de água. Passou então perto de um regato onde o gado matou a sede. Sentou-se então por debaixo de um sobreiro, recostou-se a este e fechou os olhos. Sabia que Sapatos colocaria o gado no caminho da charneca assim que deixassem de beber e por isso descansou.

De súbito pareceu-lhe ouvir alguém a falar. Ergueu-se do seu lugar e rodando sobre os calcanhares foi tentando perceber donde viria a voz. Não viu ninguém.

O gado havia entretanto partido e por isso o pastor apressou o passo de forma a apanhar a cauda do rebanho. Começou por ver algumas cabeças brancas, para no meio ver outra que não era certamente de uma ovelha e de nenhuma cabra.

- Mas que coisa vai ali?

Apressou mais o passo para quase no instante seguinte descobrir a jovem menina que de vez em quando lhe aparecia sem que ele esperasse.

- Olá… - saudou ela numa voz viva e alegre.

- Olá – respondeu o pastor de modo rude, contrariado.

- Sabes… - acrescentou a jovem – estou muito zangada contigo.

- Porquê?

- Oh tu sabes porquê…

- Sei lá eu! Raramente lhe falo.

- Pois não, mas devias falar mais. Talvez perdesses esse medo ao falares comigo. Eu não faço mal…

- Ninguém faz até à primeira vez…

- Ai sim… e quando é que te fiz mal?

O jovem engoliu o silêncio e não respondeu. Todavia a jovem continuava a tocar os animais quase com sabedoria. O canito Sapatos aproximara-se do dono e caminhava a seu lado. Andaram assim em silêncio quilómetros, até que o pastor decidiu:

- A menina que me quer? Não me larga…

A jovem rodopiou no chão de terra enlameada e finalmente respondeu:

- Agora… nada! Mas um destes dias sei lá… Posso precisar de um pastor novo na quinta.

- Tire daí o sentido que não largo este gado… Nem pense… Preferia morrer.

- Está bem… é justo… Então quanto queres pelas tuas ovelhas? Eu compro-tas todas…

O guardador sem dar sinal baixou-se, apanhou uma pedra, calculou-lhe o peso e arremessou-a para longe. Aquela foi cair num pequeno charco fazendo um som característico ao bater na água funda. Depois respondeu:

- A menina, desculpe-me mas não tem dinheiro para as comprar…

(Continua...)

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