O Pastor #5
(... Continuação daqui)
Os dias corriam moles e lentos para o Outono. A espaços caía uma água constante, baça e chata. O gado não se preocupava com a pluviosidade e ia rapando terrenos de erva fresca e tenra. Por seu lado o jovem pastor fugia pouco da sua tarefa de guardar as ovelhas e algumas cabras, entre os muros das suas fazendas.
A imagem da amazona bonita e persistente acabara por desaparecer e agora a única preocupação do guardador seria os futuros borregos prestes a vir ao mundo.
Todas as manhãs percorria o estábulo em busca de uma cria nova e se a achava procurava saber onde estaria a mãe, quase sempre perto. Depois ajeitava o teto da monja da ovelha na boca do filho e este depressa ganhava o jeito.
Quando não havia crias abria os portões e deixava que os animais saíssem com calma, mas sempre liderados por Sapatos que as encaminhava para o terreno certo.
Era uma vida calma, sem correrias nem apoquentações. Talvez a única preocupação seria inventar a estória para a noite. Mas bastava uma pedra bizarra no leito do ribeiro, um gesto ou uma brincadeira de uma qualquer cabra e logo o rapaz inventava mais uma aventura para contar ao serão.
À noite após a mesmíssima ceia de todos os dias, o contador de estórias acercava-se do largo, sentava-se na velha e puída pedra e antes de começar a falar alguém lhe fazia a pergunta sacramental:
- O que bebes hoje?
- Nada, obrigado… Tu sabes que eu não bebo…
- Pois é, esqueço-me, qu’é tu queres?
- Bom cá vai…
De repente uma voz entrou-lhe pela cabeça e veio atormentar-lhe o espírito:
- Já ouvi dizer que és um bom contador de estórias…
Ergueu então o olhar e percebeu, para seu enorme espanto, a figura esbelta da menina que no Verão o havia atentado mais que uma vez. O pastor por breves instantes pareceu perder a compostura, mas olhou o Sapatos que dormitava a seus pés e por fim iniciou o relato.
A jovem sentara-se entre dois ouvintes atentos e parecia estar imbuída do mesmo espírito dos demais, escutando as aventuras falsas, mas bem faladas pelo jovem pastor.
O enredo parecia desta vez ser mais complicado e tortuoso tal era a revolta de pensamentos com a presença da jovem, mas num ápice o contador desembaraçou-se do novelo criado matando quase as personagens e pondo um fim apocaliptico à história.
Os ouvintes ficaram tristes e um a um foram abandonando o lugar. A maioria regressou a casa, todavia alguns foram para a taberna afogar as tristezas da estória em copos de traçadinho e bagaçosy. No largo ficou apenas o casal jovem. Afastado…
A jovem tomou a iniciativa de se aproximar e perguntou:
- Não tens estórias de príncipes e princesas?
O pastor percebeu um breve sorriso trocista e após um anormal e longo silêncio respondeu:
- Tenho… Mas as princesas são más e o príncipes pior ainda…
(Continua...)