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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

O Pastor #13

Aquela última viagem trouxera um pastor muito diferente. A primeira pessoa a notar foi a mãe que percebeu uma tristeza cava no olhar do filho. Se bem que o jovem nunca fosse um tagarela, a realidade é que nos últimos dias prevalecia o silêncio. Não imaginava o que se passaria no coração do seu rebento mais velho, mas ainda assim precisava saber. Pegando em toda a sua coragem de mãe aproximou-se uma noite do filho que olhava pela janela de vidros sujos, a chuva que caía com intensidade.

Passou a mão pelos cabelos desalinhados e dando-lhe um beijo na testa acabou por anunciar:

- Sei que não me irás dizer nada do que se passa dentro de ti, mas coração de mãe vai muito além do que possas imaginar. Por isso a única coisa que te vou perguntar é: o que posso fazer por ti?

O rapaz rodou a cabeça olhou a mãe nos olhos e aceitando a ajuda devolveu:

- Sabes quem poderá ter um livro?

- Um livro? Para quê?

- Para ler…

A mãe desconhecia o gosto do pastor pela leitura. Todavia lembrou-se:

- O senhor engenheiro do solar deve ter livros. Eu dou-me bem com a governanta e posso saber se ainda os tem.

- Fale com ela e pergunte se ele tem um certo livro…

- Ai isso não… se ele tiver vais lá tu falar com o senhor engenheiro.

- Mas mãe… eu não o conheço…

- Passas a conhecer!

Arrependido de ter falado o guardador levantou-se da cadeira e foi deitar-se.

- Até amanhã minha mãe.

- Até amanhã filho.

No dia seguinte à hora do almoço a mãe disse ao pastor:

- O senhor engenheiro quer que passes pela casa dele para veres lá um gado que ele lá tem. Creio que será alguma doença e tu poderás ajudá-lo.

O rapaz olhou-a com azedume. Para logo se tornar em doçura. Finalmente respondeu:

- Daqui a pouco passo por lá… 

Todavia a antecessora sentenciou:

- Antes de ires lavas-te bem lavado e mudas de roupa… não te quero a cheirar a bedum…

- Mas mãe…

- É o que te digo…

Não valia a pena teimar com a mãe. Num alpendre interior o pastor encheu o velho chuveiro com água meio quente e colocou um alguidar por baixo. Depois despiu-se e lavou-se tão bem quanto pode.

Quando saiu já vestido e arranjado parecia outro. De tal forma que a mãe lhe disse:

- Ai que bonito que estás… Se as raparigas da aldeia te veem assim…

Sem dar continuidade à conversa o jovem comunicou:

- Vou a casa do engenheiro!

- Não fiques por lá muito tempo que o senhor tem mais que fazer…

A casa ficava numa encosta meio íngreme, mas o rapaz subiu com facilidade. Encontrou em enorme portão verde, muito mal estimado e meio escangalhado. Empurrou-o, aquele rangeu e entrou. De súbito escutou dois cães a ladrar e viu-os ao longe. Vinham em grande correria e vendo-os pensou em fugir. Um assobio travou-os.

- És tu o jovem pastor? - escutou.

- Sou sim, senhor engenheiro…

- Sobe a rampa e vem cá acima.

Obedeceu com desenvoltura e deu de caras com um enorme casarão que dificilmente se via da estrada. Uma escadaria principal dividia-se em duas quase perto do chão. Subiu-as e vendo a porta aberta entrou.

Pairava um cheiro a mofo. Continuou a entrar até que voltou a voz:

- Aqui à tua esquerda. Entra se fizeres favor.

Aproximou-se da porta que estava aberta e penetrou na divisão. Deu de caras um homem forte e de cabelo branco, que agarrava uma bengala entre as mãos.

- Ora então tu é que és o pastor contador de estórias…

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