O Pastor #10
(... Continuação daqui)
Sentadas na enorme sala, ricamente decorada, mãe e filha olhavam em redor como se ambas quisessem fugir a uma conversa, que nenhuma delas ousava ter. Uma porque sabia que perdera a razão. A outra porque percebia que a filha não era já uma criança. E provavelmente o coração prendera-se algures…
Coube à progenitora abrir então a demanda:
- Não tens nada para me dizer?
- O quê, mamã?
A filha respondeu num tom seco como estivesse muito segura de si. Todavia a mãe percebia o nervosismo da jovem através de umas mãos inquietas, tique que conhecia desde criança. Portanto o ataque teria de ser agora:
- A menina acha que tem procedido bem nos últimos meses, não acha?
- Eu não fiz nada de mal…
- Ai não… Sai de casa a desoras, entra quando quer, faz negócios nas minhas costas, maltrata as pessoas, usa de um poder que não lhe foi conferido e ainda tem a ousadia de me dizer que não fez nada de mal…
A rapariga encolheu-se qual cachorro atemorizado com um trovão forte. Por fim ganhou coragem e contra-atacou:
- O que a mamã queria é eu fosse aprender a bordar ou a fazer outras coisas como no seu tempo. Eu não quero isso… gosto da terra, dos cavalos, do gado…
A viúva olhou o quadro do marido pendurado na parede, como a rogar bom-senso e rigor para uma menina que parecia ter perdido a verdadeira noção do correcto. Respirou fundo e regressou ao questionário:
- Explique-me então essa história de ter estado na aldeia a ouvir relatos fantásticos do pastor… Não negue que não esteve lá…
Um tom rubro subiu à face da jovem, enquanto se desculpava:
- É verdade mamã que estive lá, sim, mas nessa noite o capataz levou-me na charrete, aquela antiga, mas rápida…
A resposta veio seca, rápida e ríspida:
- Velozes foram os cavalos… - e levantando-se aproximou-se da janela donde via o seu belo e bem tratado jardim.
Aquela casa fora herdada pelo marido, mas ela é que reformulara todo o edifício. Desde cima a baixo, tudo passara por si. Por isso olhando o horizonte, disse:
- Nada do que daqui se vê, nada é meu. É tudo seu… ou será quando eu, um dia, partir. Mas até lá…
A filha mantinha-se sentada desfiando nada com os dedos inquietos. Por fim ergueu-se do canapé e aproximando-se da mãe assumiu:
- Tenho tantas saudades dele… - e principiou a chorar.
- Também eu tenho saudades do seu pai. Faz-me tanta falta!
A jovem ergueu os olhos lavados em lágrimas para a mãe e assumiu:
- É dele que tenho saudades…
- Dele quem? – desentendeu.
- Do pastor…