O fumador!
O monte de processos e demais papelada teimava em não desaparecer. Anos e casos a mais sem relatórios e, pior que tudo, sem arquivo. Agora Aquiles dera-lhe apenas uma semana para limpar a secretária… Com a condição de não ser chamado para nenhum caso. Apenas um trabalho das nove ás cinco da tarde que Valdemar olimpicamente detestava.
Tocou o velho telefone algures na mesa, escondido sob arráteis de papéis. O aparelho calou-se. O inspector suspirou para logo a seguir:
- Valdemar! – soou em toda a sala.
O inspector ergueu-se por detrás de um monitor do tempo jurássico e respondeu:
- Diga chefe!
- Porque não atendes a porra do telefone?
- Já lá ía…
- Vem ao meu gabinete, rápido!
O jovem inspector detestava aquele tom de voz e preparou-se para algo que certamente não iria gostar. Entrou no aquário de vidro e alumínio, fechou a porta devagar e aguardou:
- Preciso de ti para um caso…
- Mas o chef…
- Eu sei, eu sei… mas este caso precisa de ti! - interrompeu.
- Fónix Aquiles assim nunca mais despacho aquela papelada.
- Pega nas perninhas e vais a esta morada… Esperam-te lá. Se quiseres um carro leva-te, sempre chegas mais depressa.
Valdemar olhou a morada, arregalou os olhos e exclamou:
- Olha esta rua é duas acima da minha. Vou na minha bicicleta.
- Vai, desanda daqui.
No fundo o inspector estava feliz. Odiava papéis e sair daquela sala era uma alegria. Todavia não o poderia confessar ao chefe. Desceu as escadas e saiu até à rua. Tirou a chave do cadeado do bolso, destrancou-o e saltou para o selim da sua bicicleta. Num ápice chegou ao destino.
Como previa uma multidão rodeava o círculo que a polícia fizera com fitas azuis e brancas. Do outro lado da rua carros de Bombeiros, uma ambulância do INEM e diversas viaturas da Polícia. Foi passando devagar por entre os mirones puxando a sua duas rodas até que se aproximou do limite. Como de costume perguntou:
- O que se passou?
O olheiro do lado colocou a mão na garganta e num tom de voz esquisito respondeu:
- Apanharam um tipo a fumar dentro do prédio…
Valdemar ergueu o sobrolho e quase riu. Depois levantou a cinta e passou. Atrás de si escutou:
- Olhe que não pode passar…
Valdemar cumprimentou o primeiro polícia com um aperto de mão:
- Estás bom Gomes?
- Inspector… bom dia! Voltaste à Terra? Ainda por cima de bicicleta…
- Não gozes, pá, não gozes! Estava fartinho dos papéis. Ainda vou ter de agradecer ao criminoso. Sabes do que se trata?
- Um tipo que está morto há semanas e ninguém deu por falta…
- Obrigado!
Em passo decidido Valdemar aproximou-se do prédio onde à porta diversas pessoas trocavam impressões.
- Bom dia – de cartão identificou-se, para completar – sou o inspector Valdemar e algum dos senhores mora neste prédio.
Um homem alto, de cabelos alvos e voz firme avançou, respondendo:
- Moramos todos. Fui eu que chamei os Bombeiros devido ao mau cheiro…
- Muito bem. Em que andar está o corpo?
- No segundo esquerdo.
- Obrigado! E enquanto o corpo não for levado não devem entrar. Desculpem o incómodo, mas tem de ser assim.
O idoso morador ainda acrescentou:
- Diga isso à D. Efigénia que está acamada há três anos!
Valdemar percebeu que gozava dele e voltando para trás encostou o dedo no peito do idoso e perguntou:
- Como é que sei que não foi o senhor que o matou?
O velho engoliu em seco, arrepiou caminho e num ápice percebeu que falara demais e devolveu:
- Desculpe senhor inspector!
- Assim que me despachar eu aviso.
Um bombeiro vinha a sair de máscara na cara. Valdemar interpelou-o:
- Tem alguma máscara para mim?
- Não, acabaram-se… Mas olhe que vai precisar… aquilo não está fácil!
Valdemar abanou a cabeça contrariado e aproximou-me de uma patrulha.
- Tem uma máscara que me dê?
O agente olhou-o, mas não o conhecendo, perguntou:
- Para que quer a máscara?
Valdemar quase que espumava de raiva e mostrou o cartão de inspector:
- Chega?