O fumador #2
Municiado com diversas máscaras no bolso e tendo colocado duas na face, entrou decidido no vetusto prédio. De início não sentiu o cheiro, mas depressa as máscaras foram impotentes para tamanho pivete. Todavia era o seu trabalho. Nos diversos patamares foi encontrando agentes da polícia que o cumprimentaram quase enojados com o cheiro. Quando chegou ao segundo andar ficou à porta e recebeu o primeiro choque não evitando uma expressão mais forte:
- Porra! O que é isto?
O maior realce estava no chão completamente atapetado de beatas de cigarro há muito fumadas. Não se conseguia ver o soalho verdadeiro. Como o pé foi raspando até encontrar o fundo que exposto estava obviamente negro e queimado.
Entrou devagar e o odor que mesmo com máscaras lhe chegava às narinas era quase insuportável. Uma passagem para uma sala sem porta, todavia reparou nas dobradiças ferrugentas e partidas. A sala parecia grande especialmente pelo aspecto minimalista. Encostado à parede do fundo uma velha televisão estava ligada, mas sem som. Do lado oposto um sofá em muito mau estado, um corpo morto e um especialista de volta deste. Vendo Valdemar acenou com as mãos evitando respirar aquele ambiente.
No entanto o inspector necessitava de respostas às questões que a sua mente sempre tão activa discorria. Assim aproximou-se do cadáver e mirou-o atento. Aquilo não era bonito de se ver, nada mesmo, mas não podia retirar dali o corpo sem uma inspecção atenta. Finalmente perguntou:
- Há quantos dias terá morrido?
O outro ergueu três dedos.
- Três dias?
A mão enluvada fez sinal negativo.
- Três semanas?
Finalmente tremeu numa dúvida e Valdemar percebeu que se aproximava mais da data da morte. Insistiu:
- Alguma causa evidente de morte?
Nova negação com a mão.
Valdemar olhou para algo e virando para o médico legista perguntou:
- O que é isso nessa mão? Parece um anel..
Um polegar para cima confirmou a ideia do inspector.
- Consegues tirar?
Nova negação!
- Ok! Depois envia-me essa aliança para mim. Pode ser importante. Vou ver o resto do apartamento.
O médico ergueu-se e fez um sinal para que não fosse. Só que o inspector não gostava de deixar as coisas para trás e seguiu por um corredor. O chão continuava macio de pontas de cigarros e ao fundo à esquerda entrou no que parecia ser a cozinha. Quase deu um salto.
- Safa... parece uma estrumeira! Como pode alguém viver num sítio destes.
Continuou a inspecção e quando saiu encontrou o médico legista que também abandonava o local. Chegados ao patamar das escadas encontrarem uma jovem que carregava uma mala às costas. O inspector estranhou aquela personagem, mas lembrou-se da vizinha acamada. Por isso apenas perguntou:
- Vem para a D. Efigénia?
- Venho sim… Lá na Associação estamos sempre a vê-la de forma remota, mas hoje parece mais agitada que o costume. Daí estar aqui… Já agora que se passou e que cheiro pestilento é este?
- O vizinho… da frente…
- Morreu?
- Sim, parece que há umas semanas e ninguém deu por nada! Alguma vez se cruzou com ele?
- Raramente e cruzei-me sempre que ia a descer e ele vinha a subir.
- Ele algumas vez disse alguma coisa?
- Sinceramente?
Valdemar estranhou a última questão e só soube dizer:
- Claro!
- Grunhiu!