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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

O fumador #2

Episódio 1

Municiado com diversas máscaras no bolso e tendo colocado duas na face, entrou decidido no vetusto prédio. De início não sentiu o cheiro, mas depressa as máscaras foram impotentes para tamanho pivete. Todavia era o seu trabalho. Nos diversos patamares foi encontrando agentes da polícia que o cumprimentaram quase enojados com o cheiro. Quando chegou ao segundo andar ficou à porta e recebeu o primeiro choque não evitando uma expressão mais forte:

- Porra! O que é isto?

O maior realce estava no chão completamente atapetado de beatas de cigarro há muito fumadas. Não se conseguia ver o soalho verdadeiro. Como o pé foi raspando até encontrar o fundo que exposto estava obviamente negro e queimado.

Entrou devagar e o odor que mesmo com máscaras lhe chegava às narinas era quase insuportável. Uma passagem para uma sala sem porta, todavia reparou nas dobradiças ferrugentas e partidas. A sala parecia grande especialmente pelo aspecto minimalista. Encostado à parede do fundo uma velha televisão estava ligada, mas sem som. Do lado oposto um sofá em muito mau estado, um corpo morto e um especialista de volta deste. Vendo Valdemar acenou com as mãos evitando respirar aquele ambiente.

No entanto o inspector necessitava de respostas às questões que a sua mente sempre tão activa discorria. Assim aproximou-se do cadáver e mirou-o atento. Aquilo não era bonito de se ver, nada mesmo, mas não podia retirar dali o corpo sem uma inspecção atenta. Finalmente perguntou:

- Há quantos dias terá morrido?

O outro ergueu três dedos.

- Três dias?

A mão enluvada fez sinal negativo.

- Três semanas?

Finalmente tremeu numa dúvida e Valdemar percebeu que se aproximava mais da data da morte. Insistiu:

- Alguma causa evidente de morte?

Nova negação com a mão.

Valdemar olhou para algo e virando para o médico legista perguntou:

- O que é isso nessa mão? Parece um anel..

Um polegar para cima confirmou a ideia do inspector.

- Consegues tirar?

Nova negação!

- Ok! Depois envia-me essa aliança para mim. Pode ser importante. Vou ver o resto do apartamento.

O médico ergueu-se e fez um sinal para que não fosse. Só que o inspector não gostava de deixar as coisas para trás e seguiu por um corredor. O chão continuava macio de pontas de cigarros e ao fundo à esquerda entrou no que parecia ser a cozinha. Quase deu um salto.

- Safa... parece uma estrumeira! Como pode alguém viver num sítio destes.

Continuou a inspecção e quando saiu encontrou o médico legista que também abandonava o local. Chegados ao patamar das escadas encontrarem uma jovem que carregava uma mala às costas. O inspector estranhou aquela personagem, mas lembrou-se da vizinha acamada. Por isso apenas perguntou:

- Vem para a D. Efigénia?

- Venho sim… Lá na Associação estamos sempre a vê-la de forma remota, mas hoje parece mais agitada que o costume. Daí estar aqui… Já agora que se passou e que cheiro pestilento é este?

- O vizinho… da frente…

- Morreu?

- Sim, parece que há umas semanas e ninguém deu por nada! Alguma vez se cruzou com ele?

- Raramente e cruzei-me sempre que ia a descer e ele vinha a subir.

- Ele algumas vez disse alguma coisa?

- Sinceramente?

Valdemar estranhou a última questão e só soube dizer:

- Claro!

- Grunhiu!

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