Hoje convido eu! #9
A desafiarem-me!
Bom a coisa está a compor-se já que estamos no exercício nove deste desafio. Para hoje pedi à ROMI do Desabafos que lançasse uma pista. E que pista ela me entregou: palavras que magoam!
Só agora consegui desembaraçar-me deste complicado desafio. Espero que gostem.
Deu conta da entrada do filho em casa. Este descalçou-se e subiu a correr as escadas para o andar de cima onde ficava o seu quarto.
A mãe conhecendo o rapaz disse para si:
- Humm! Este traz alguma escondida… Aguardemos.
A tarde declinava para a noite. Na rua soprava uma brisa morna, apetecível enquanto na cozinha escutava-se o barulho de tachos, panelas, pratos e copos. Para finalmente:
- Artuuuuur! O jantar está pronto!
O jovem desceu devagar, foi ao lava-loiças lavar as mãos e logo originou uma reprimenda da mãe:
- Não tens uma casa de banho?
O jovem limpou as mãos a um pedaço de rolo de papel e sentou-se no seu lugar, sempre em silêncio. Serviu-se e comeu! Nem uma palavra. Por seu lado a mãe manteve a mesma postura e deixou que fosse o jovem a desmanchar aquele nó.
- Queres sobremesa?
- Sim, pode ser!
Comeu o pudim para depois perguntar:
- Mãe, será que me podes ajudar?
- Claro… se souber!
O rapaz enrolava o guardanapo de papel para depois desabafar:
- Tenho ali um trabalho de português, mas não sei o que escrever…
- Bom, será que posso vê-lo?
- Não é preciso veres! A professora mandou-nos escrever sobre “palavras que magoam”!
Após um ligeiro silêncio, voltou:
- Sabes o que é?
Alice soprou longamente! Se sabia… O problema residia na forma como explicar a um miúdo de 11 anos como é que as palavras podiam magoar. Ainda se houvesse um pai presente… talvez fosse mais fácil. Tentou ganhar tempo para pensar:
- Deixa-me arrumar a cozinha que já vou ter contigo para falarmos sobre isso… pode ser?
- Sim mãe. Como já fiz os outros trabalhos vou para a sala ver televisão.
- De acordo, já lá vou ter contigo.
Enquanto enxaguava alguma loiça e colocava outra na máquina de lavar a sua cabeça fervilhava de excitação de forma a arranjar uma maneira de explicar ao filho de como as palavras poderiam magoar. Mas era nesta dicotomia morava o seu maior problema: como explicá-lo sem magoar e de forma que ele entendesse.
Muniu-se de coragem e apareceu na sala.
- Bom, diz lá qual o teu problema?
- Mãe… como pode uma palavra magoar? Não é um objecto?
A mãe sorriu.
- Se fosse uma pedra… - continuou.
Estava dada a deixa…
- Teoricamente tens razão. Uma palavra não deveria magoar como, por exemplo, magoa uma pedra se a atirares a alguém.
- Teoricamente? Isso é o quê?
- Dou-te um exemplo: quando te vou levar à escola de manhã há estradas onde, teoricamente, deveria ir a 50, mas na prática vou a 70.
O jovem não pareceu convencido, mas manteve o silêncio.
- Ora quanto às palavras… estas em teoria não deveriam magoar, mas… na prática magoam. Em demasia por vezes!
- Como assim?
De súbito uma lembrança:
- Recordas-te do teu colega de carteira na primária.
- Sim!
- Como se chamava?
- Luís!
- Mas como era conhecido na escola?
Artur calou-se:
- Então?
- Chamavam-lhe “Gordo”!
- Achas que ele gostava de ser assim chamado?
O rapaz abanou a cabeça numa negativa. A mãe insistiu:
- Essa palavra magoava o Luís sempre que lhe chamavam Gordo!
- Mãe. Mas ele era!
- Não importa… não deveriam chamar isso. Por isso temos nomes.
- Mas magoa como? Faz ferida onde?
- Na alma!
- O que é isso de… alma?
A pergunta fazia sentido. Era necessário explicar outras coisas…
- Alma é aquele sítio onde cabe tudo que nenhum órgão consegue arrumar. É como o ar de um balão. Tu enches de ar. Mas não vês nada lá dentro. A alma é igual… Está cheia e coisas, mas não se vêem…
A mãe suspirou com a forma como havia desembaraçado daquela questão do filho. Só que este não desarmou:
- Mãe, mas que palavras magoam? São sempre as mesmas ou há diferentes?
Não podia fugir às questões. Agora seria sempre em frente…
- As palavras por si só não magoam nem ferem a alma. Mas ditas em determinadas alturas ferem mais que facas. Dilaceram uma pessoa de alto a baixo…
Divagava agora…
- E deixam marca. Pior que uma pedrada na cabeça e que sangrou. As palavras podem ser meigas, doces, quentes, saborosas como podem ser violentas, duras, secas, ásperas.
Os olhos de Artur abriram-se num pasmo. A mãe continuava a falar, agora abstraída do local e do cliente:
- As palavras que magoam são aquelas que proferimos da boca para fora, mas vêm envoltas em raiva e maldade.
- Como aquelas que o pai te disse antes de ir embora?
Virou-se para o filho e percebendo que ele sempre soubera, abraçou-o, beijou-lhe os cabelos e respondeu:
- Iguais a essas, sim!