Hoje convido eu! #4
A desafiarem-me!
A troca de mensagens por correio electrónico com a Maria do Cantinho da casa originou na frase "Pai, isso pode ser demais..." e para a qual escrevi o texto seguinte.
Orlando era um homem bom! Amigo do seu amigo dedicava à palavra acordada um sentido muito especial: jamais voltava atrás!
Naquela noite após o jantar chamou o genro para o lado e disse quase em surdina:
- Preciso de si amanhã de manhã. Pode ser?
O genro adorava o sogro e logo respondeu afirmativamente. Como o velho Orlando não dera mais nenhuma resposta, Júlio avançou:
- Que se passa amanhã?
- Apareceu hoje aí um homem que me quer comprar o pinhal....
- O da quinta do Espinheiro?
- Esse mesmo! Mas eu só quero vender uma parte. Os de cima da encosta estão ainda muito delgados.
- A que horas vamos?
- Logo pela fresquinha.
- Conte comigo.
Na alvorada seguinte caía uma chuva fina de vez em quando sacudida por um vento feroz. Encontraram-se ambos na cozinha onde tomaram o pequeno almoço, calçaram depois os botins de borracha e partiram a pé.
No caminho foram falando de fazendas, de pedaços bons e outros nem por isso, de heranças.
- Herdei a pior parte de todas da enorme quinta... Mas hoje é a que vale mais.
Júlio fugiu de uma poça de água com um salto para logo regressar ao lado do sogro. Este manteve a conversa da fazenda.
- Quanto acha que vale a Quinta?
- Ui... não me faça essa pergunta...
- Porquê?
- Porque posso dar uma resposta que não gosta...
- Caneco, só por perguntar quanto vale uma fazenda? Mas diga lá a sua ideia...
- Para mim a quinta... bom como hei-de dizer...
- Eh pá desembuche...
- Bom, já que tanto insiste... a quinta... não vale nada!
Orlando parou subitamente no meio do caminho, fechou o chapéu de chuva e deu meia volta ficando virado para a aldeia. Depois rodou nos calcanhares olhou o jovem genro e enfiando o dedo na têmpora quase gritou:
- Você é maluco? Sabe o que está a dizer? - abriu o guarda-chuva e continuou o caminho sem dizer mais nada nem aguardar resposta.
Júlio aproximou-se do sogro e com a maior calma que conseguia demonstrar disse:
- Você não percebeu a minha resposta...
- Não percebi?
- Não! Eu não disse que a quinta não tinha valor, apenas assumi que agora e neste instante não vale nada... O que não quer dizer o mesmo.
- Ai não?
- Não. Mas vou explicar como deve ser e depois me dirá.
O outro continuava a andar agora num passo quase apressado tal era a raiva que sentia à resposta obtida.
- Todavia primeiro deixe-me fazer só mais uma pergunta... - e não esperando pela resposta continuou - você quer vender a Quinta neste momento?
- Você está parvo... Claro que não...
- Ora muito bem. Assim as coisas só valem alguma coisa quando as queremos vender ou então comprar. Fora disso não valem nada! Pense nisso!
- Você não percebe nada disto! - devolveu o sogro.
Não voltaram a falar até à chegada ao portão da quinta. Já lá estava o prometente comprador que viera acompanhado pelo filho. O primeiro era um homem de muita idade, mas ainda assim dono de um passo ligeiro e de olhar vivo. Cumprimentaram-se os quatro homens e foram visitar o pinhal.
De volta ao portão começaram os mais velhos a discutir o preço enquanto os mais jovens se entretinham em conversas diferentes.
A negociação não parecia estar a correr pelo melhor já que se percebiam algumas negações, quando de súbito Orlando chama o genro e pergunta:
- Aqui o senhor Horácio oferece cinco mil contos pelo pinhal! Que me diz?
Júlio pouco entendido neste género de negócio respondeu:
- Parece um bom valor!
Já o filho do madeireiro ao ouvir o valor oferecido aproximou-se do pai e de olhos bem abertos, avisou:
- Pai, isso pode ser demais...