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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Hoje convido eu! #33

A desafiarem-me!

A Olga Cardoso Pinto do blogue A cor da escrita é uma escritora, pintora, ilustradora de mão cheia! Tudo o que sai daquelas mãos sai... perfeito. Nem imagino onde um dia irá parar esta minha amiga que em boa-hora conheci neste universo.

Até o desafio que me propôs parece talhado por ela: começar de novo!

Reconheço que não foi fácil esgalhar este texto. Mas imagino que muita gente se reveja neste naco de pobre prosa!

 

Sentado num enorme e confortável cadeirão Constantino aguardava pacientemente que o recebessem. No enorme corredor via pessoas de papéis na mão a deambular como se estivessem perdidos. Alguns entravam em gabinetes para logo os abandonarem. Muita gente, muitas velocidades, pouca eficácia.

Entretanto a porta à sua frente abriu-se e Constantino percebeu que havia um acordo tal era o forte aperto de mão entre dois homens. De aparente bons fatos, camisas brancas e gravatas discretas iam agitando as mãos, sorrindo e dizendo:

- Aguardo ansiosamente a sua resposta, Dr. Seixas!

- Com certeza Doutor Gomes. Amanhã terá o dinheiro na sua conta.

- Obrigado Doutor, muito obrigado.

Quando o cliente se virou, Constantino percebeu o Vitor um antigo colega de escola, mas nada disse e fez de conta que o não conhecia, deixando-o ir embora como se fosse um estranho. Entretanto a porta do gabinete do tal doutor Seixas voltou a fechar-se reabrindo passados longos cinco minutos. Por fim:

- Senhor Constantino Leote!

- Sou eu!

. Olá muito bom dia - e estendendo a mão - faça o obséquio de entrar.

A sala era ampla, arejada, com uma enorme secretária atapetada de papéis e pastas. Da janela surgia a bela luz da manhã.

- Sente-se!

- Obrigado.

- Então diga-me o que o trouxe cá!

- Bom – tossiu um pouco de forma a aclarar a voz – fui informado pelo Ministério da Agricultura que deveria vir aqui apresentar a minha candidatura…

- A quê? A funcionário do Banco?

- Não senhor, nem pensar. Quero apresentar a minha candidatura ao subsídio de incêndio...

O outro fez-se de novas e respondeu:

- Mas isto é um Banco não é o IFAP…

- Também sei disso, mas necessito de dinheiro para a minha vida! E segundo ouvi, bastará ir ao Banco.

O outro parecia pouco interessado na conversa pois vasculhava uns dossiers. Constantino continuou como se não tivesse percebido:

- Há dois meses perdi tudo num incêndio. Casa, carro, os meus pais que morreram queimados quando tentavam defender os seus bens, muitas cabeças de gado, todas as alfaias, culturas já feitas…

A voz embargou-se, porém concluiu:

- Uma mancha enorme de pinhal…

- Lamento sabê-lo… mas não sei se o poderei ajudar senhor… - procurou o nome no monte de papéis…

- Leote, Constantino Leote!

- Senhor Leote!

- Não pode ou não quer?

- Creia-me que se eu pudesse de bom grado a ajudaria!

- Sabe mentir muito mal…

- Como diz?

- Foi o que escutou…

O jovem levantou-se da cadeira e iniciou a passear pela enorme sala, em passos lentos, mas decididos. Depois:

- Tenho consciência que neste mundo cão onde vivemos os meios justificam os fins… Ou melhor, no meio da miséria em que fiquei alguém há-de ganhar… O Banco por exemplo poderá a ser um deles!

Seixas levantou-se da cadeira pouco satisfeito com o rumo da conversa e colocou-se ao lado de Constantino que parara defronte da larga janela. O cliente continuou:

- Agora reparo que daqui vê-se a serra cinzenta… e no meio dela estava o meu Mundo, a minha vida!

- Mas que quer que eu faça?

Constantino deu um profundo suspiro e desabafou:

- Saí de casa naquela quarta-feira para ir com a minha mulher Mariana a uma consulta de rotina devido à gravidez. Pedi um táxi pois o meu carro avariara e como não tinha dinheiro para o arranjar ficou em casa.

Virou as costas à janela.

- Sou o mais novo de seis irmãos. Todos eles estudaram, formaram-se e trabalham cada um para seu lado. Nem imagino onde porque a maioria nunca mais deu sinal de vida… Provavelmente têm vergonha do seu passado. É normal… Mas eu fiquei, sem medo nem vergonha. Desde sempre acordei de madrugada com o meu pai para o seguir e ajudar na ordenha das ovelhas, no corte do feno, na lavra da terra, enfim no que fosse preciso!

O doutor Seixas voltou a sentar-se agora vivamente interessado na estória.

- Tenho quase 40 anos e nunca soube o que foi férias, fins-de-semana. Porque o gado tem de comer todos os dias. Todos! Mas naquele dia perdi muito mais que família e bens. Perdi muito mais que gado e culturas, floresta ou casa. Perdi essencialmente o direito… ao meu longo passado! Que jamais recuperarei!

- Desculpe interrompe-lo, mas deixe-me perguntar: o que este Banco poderia modificar isso? Não temos esse poder… Nem Deus! De reverter os acontecimentos!

Constantino esboçou um sorriso:

- Eu sei caro Doutor, eu sei. O que realmente necessito é de dinheiro para que possa erguer a minha casa destruída, comprar novas alfaias, mais sementes, gado. Porque nesta altura vivo… da caridade de alguns bons amigos. Mas como diz o povo “a visita ao terceiro dia, enfada!”

De súbito virou-se para o doutor Seixas e continuou:

- Sabe o que me faz lembrar esta minha situação?

- O quê?

- Aqueles que após a descolonização regressaram à Metrópole. Não é do meu tempo nem do seu, mas recordo a minha falecida mãe falar dessa valorosa gente e perguntar como seria começar de novo!

- Mas repito… não depende tudo de mim… Há acima quem decida!

- Eu sei e compreendo! Mas se eu viesse aqui de fato e gravata provavelmente teria mais sorte.

- Nem pensar…

- Então diga-me: foi isso que acordou com o vigarista do Vitor Gomes que saiu daqui antes de mim?

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