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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Hoje convido eu! #3

A desafiarem-me!

Num comentário o meu amigo Manuel dono deste recente blogue lançou a ideia "A vida é uma doença incurável" para mais um escrito. Desde aquele dia a cabeça anda num turbilhão para dar a volta ao desafio.

Que ficou como segue:

 

Assim que introduziu a chave na porta nem necessitou rodar pois aquela abriu-se de repente, surgindo a D. Hortense naquele seu vozeirão de pregão de rua e braços no ar para o abraçar e pespegar-lhe diversos beijos repenicados enquanto dizia:

- Parabéns doutor Olímpio, muitos parabéns! Já soube da novidade! 

- Ei… ei… ei… D. Hortense, calma aí… como me chamou esta manhã?

A antagonista parou, franziu o sobrolho como lhe surgisse uma dúvida e respondeu:

- O… Olímpio!

- Muito bem… e porque me chama outra coisa?

Fez-se luz na senhoria gorda e simpática…

- Já percebi… Mas o que quer que jhe diga? Fez-se Doutor… tenho de o tratar assim.

Olímpio fez um gesto quase de enfado para ela regressar:

- Foi assim com os outros… há-de ser consigo também…

- D. Hortense… oiça… eu agradeço, mas não sou diferente da pessoa de hoje de manhã… Compreende?

- Compreendo… - baixou então os olhos, pegou no sujo avental e levou-o à cara.

O estudante fechou a porta atrás de si e seguiu-a até à cozinha onde numa velha cafeteira fervia café. Olímpio abraçou a dona do quarto onde nos últimos cinco anos passara os dias e as noites e confessou:

- Fui rude consigo, mas eu só quero que entenda que sou a mesma pessoa. Com ou sem curso. Vá não se zangue comigo. Até porque amanhã parto para a aldeia.

- Já amanhã?

- Sim, claro! Acabou-se a faculdade… agora tenho de ir em busca de sustento e não posso gastar mais dinheiro aos meus pais.

- Ó Do… Olímpio… pode ficar mais uns dias… Eu não vou alugar o quarto tão depressa.

- Agradeço, mas preciso de descansar e de estar com a minha família. Tenho saudades, sabe?

Hortense retirou a cafeteira velha e negra do fogão sujo, colocou-a em cima de um descanso para depois confessar:

- Nunca cá tive um estudante como o Do… menino!

- Oh simpatia sua D. Hortense. Há aí pessoal bom para além de mim… - defendeu o licenciado.

- Está a brincar, não menino?

- Nem por isso… É o que eu sinto…

- Pois sente mal. Estudava tanto que não via mais nada.

- Tinha de ser…

- Por isso não viu as vezes que muitos dos seus colegas chegavam tarde e a más horas completamente embriagados…

- Soube de alguns… Gostavam mais de gozar a vida que estudar!

- Diz muito bem… gozar a vida! Mas os outros é que cá ficam para limpar essa vida… de boémia.

O tom de voz da arrendatária subiu de tom para uma contida revolta. Entretanto o jovem tentava apaziguar o espírito da senhora.

- Pois… é verdade o que diz D. Hortense.  Mas sabe… tive um professor que disse a determinada altura que a vida é uma doença incurável.

A senhora voltou-se para o jovem e de dedo em riste atirou:

- Incurável disse o professor?

- Sim!

De súbito a dona Hortense, dona de uma casa onde alugava quartos a estudantes sacou do peito de um enorme e grosso fio de ouro que terminava numa caixa que abriu e apresentou a Olímpio. Este olhou para dentro da caixa e viu a fotografia a preto e branco de um jovem.

- Também este meu filho gozou a vida quanto quis! A tal que lhe disseram que é incurável… Mas um dia a Morte veio e curou-o.

Fechou a caixa de ouro e concluiu:

- E para sempre!

 

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