Hoje convido eu! #24
A desafiarem-me!
Convidei desta vez o meu amigo padre JM, companheiro dos caminhos de Fátima a desafiar-me com uma palavra, tema ou frase. Não se fez rogado e apresentou-me o seguinte mote: passagem.
Demorou muito tempo a escrever para sair assim!
Naquela manhã José Vermelhinho passou defronte da velha igreja e reparou que porta estava aberta. Ficou indeciso entre entrar ou deixar para outro dia o que há muito pensara fazer. Só que o coração mandou mais que a razão e decidiu entrar no monumento religioso.
No interior reinava um profundo silêncio enquanto no ar pairava um odor a círio queimado. Olhou em redor como se procurasse alguém para depois se sentar num dos enormes bancos corridos. Ali ficou longos minutos até que percebeu uns passos vindos de trás. Imaginou que fossem do pácoro, para no segundo seguinte perceber uma senhora de negro vestida que passou devagar pelo banco onde se sentara.
Em voz sumida foi desabafando:
- Mais uma beata que vem aqui todos os dias... provavelmente expiar o mal que faz aos outros...
- Não se devem levantar falsos testemunhos... diz o evangelho!
José assustou-se com a voz que nascera no banco antes do seu. Virou-se e deu de caras com o padre. Este era jovem e caíra na aldeia por um acidente na vida do pároco anterior, que falecera durante o sono. Assim quase sem experiência de pastor, o Bispo confiou-lhe aquela paróquia.
- Ó senhor prior... desculpe-me. Não foi por mal. - E após um breve silêncio, continuou. - A minha mãe também vinha todos os dias à missa para depois me desancar com pancada.
- Bom dia antes de mais senhor Zé!
- Bom dia senhor prior... Desculpe a minha má educação.
- Deixe lá, não se apoquente! Mas diga-me a que se deve esta visita? Que eu me recorde é a primeira vez que o vejo aqui. Nem nas missas... o apanho!
O leigo concordou e corou!
- Senhor padre há uma razão para aqui estar. Mas demorei tempo a decidir a entrar!
- É normal... Muitos não gostam dos desafios que Deus propõe e vai daí é sempre mais fácil não O escutar.
O outro parecia não ter ouvido nada que o pároco dissera e continuou:
- Nasci muito pobre no meio de muitos irmãos, pai, mãe e mais uns primos. Mas logo que pude saí de casa em busca de trabalho onde pudesse ganhar algum. Com o tempo tornei-me pastor. Comprei e vendi ovelhas até que um dia decidi mudar de posição e passei a ter pastores a guardarem o rebanho por mim.
Levou a mão ao ventre, fez uma careta denunciando algum mal estar para continuou:
- Trabalhei muito e tornei-me abastado. Mas permaneci solteiro e pouco dado aos outros.
- A vida nem sempre é como gostaríamos que ela fosse...
- Bom agora vem o que aqui me trouxe...
- Estou curioso!
- Há semanas comecei a sentir-me indisposto. sempre pior acabei por ir ao médico a Lisboa. Mandaram-me fazer uma série de exames para finalmente descobrirem que tenho um tumor já em avançado estado...
- Oh senhor Zé... lamento imenso.
O antigo pastor voltou-se para o altar e perguntou:
- O que devo fazer para entrar no Céu?
A questão colocada assim de sopetão levou o jovem padre a encostar-se ao banco corrido, sem reacção. Naquele preciso instante só soube dizer:
- A entrada nas Portas do Céu tem imensas variáveis!
- Como assim?
- O Céu não é um centro de espectáculos onde só entram os que têm bilhetes. O Céu não se compra nem se vende.
- Então?
- Conquista-se!
- Como faço isso de conquistar?
- Não é o Zé Vermelhinho que o faz consciente, mas o seu coração... se for puro!
Estava renitente em aceitar.
- Padre... neste mundo tudo se vende e compra, tudo tem um preço. O Céu também deve ter...
- Não pense nisso... irmão. O Céu Divino é algo deveras importante e o seu acesso é ganho através dos actos que fez nesta sua vida terrena, jamais através de dinheiro.
- Mas se desse o dinheiro que tenho aos pobres?
- Poderia ser desde que o Zé o fizesse com a consciência de que estaria a praticar um acto de genuína bondade e não unicamente para poder chegar ao Céu?
O doente levantou-se do seu lugar e metendo a mão ao bolso retirou um envelope com dinheiro. Como se não tivesse escutado as explicações do padre entregou-lhe o subscrito, dizendo:
- Vá lá senhor prior... compre-me lá uma passagem para o Céu! Tem aqui o dinheiro!
E saiu sem ao menos se persignar!