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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Hoje convido eu! #2

A desafiarem-me!

Desta vez calhou em sorte à Maria que logo no dia seguinte ao ter publicado o meu primeiro texto deste desafio, apresentou esta bela frase: Não sou daqui. Sou de todo o lado!

Logo ali fiquei com mais um desafio para escrever! Que segue abaixo...

 

Era uma daquelas noites de forte invernia. Justino caminhava devagar pois a chuva mal deixava ver o trilho à sua frente. Um pé escorregava de vez em quando na lama quase fazendo perder o equilíbrio, outras era aquela pedra que fugia sob os pés cansados

Partira da sua aldeia havia muitas semanas. Perdera-lhe o conto do tempo e dos quilómetros caminhados.

Assim que entrava num povoado procurava trabalho por troca de cama e comida. Não queria dinheiro. Só viveres. Dois, três dias e logo partia para mais uma jornada. Tanto poderia ser de muitos ou poucos quilómetros.

Mas aquela noite estava terrível. Ao longe pareceu ver finalmente uma ténue luz. Foi-se aproximando tanto quanto a chuva e o vento deixavam para aquela tornar-se mais visível para seu contentamento.

Era um velha e isolada casa de pedra granítica. Lá dentro pareceu escutar vozes de adultos e também de crianças. Desde que partira não voltara a rapar a barba e por vezes tinha um ar assustador. Já para não falar do próprio fedor que tresandava e ao qual o seu nariz já se habituara

Sem fazer barulho ao aproximar, bateu à porta de forma suave.

- Quem é?

- Um pobre viajante!

Escutou um ferrolho correr, abriu-se a porta para dar de caras com um homem que teria quase o dobro do seu tamanho. Mas não teve medo e estendendo a mão ao chapéu encharcado cumprimentou:

- Boa noite senhor, desculpe incomodá-lo a esta hora, mas não terá um estábulo onde possa ficar por uma noite?

O anfitrião desviou-se e sem dizer uma palavra apontou a lareira onde ardia um lume forte e acolhedor.

- Agradeço, mas estou imundo e não pretendo sujar a casa.

Foi a vez do dono falar:

- Faça o favor de entrar. Somos pobres, mas nunca se recusa a guarida a um viajante. Ainda por cima numa noite destas.

Justino olhou para o ambiente e pareceu-lhe um lar feliz. A senhora saiu do lume e aproximou-se da visita.

- Quer tomar um banho? Fazia-lhe bem… Vou por uma panela com água a aquecer…

- Não minha senhora, obrigado. Não pretendo dar trabalho e muito menos estragar a paz desta casa.

- Por aqui são raras as pessoas… - acrescentou a esposa – Portanto há que tratar as visitas com alguma cerimónia.

Sem esperar uma resposta chamou por uma menina que parecia ler um livro e pediu-lhe ajuda.

Justino entrou na casa e o seu olhar fotografava tudo. Poucos móveis, mas o que existia estava quase imaculado. A lareira enorme debitava um calor forte e acolhedor tendo de lado uma enorme panela de ferro já com água. Ao redor daquela quatro, bancos de madeira onde agora apenas se sentava um rapaz de uns 10 anos.

- Sente-se meu caro. Paga o mesmo!

- Obrigado meu amigo, mas esta tempestade apanhou-me desprevenido.

- Isso acontece-me muita vez… - desabafou dando uma sonora gargalhada.

O menino olhava o estranho, mas ainda não dissera uma palavra. Aguardava a melhor altura para o questionar.

O silêncio imperou na sala acolhedora até que a dona retirou a água quente para um jarro de loiça, convidando:

- Pode vir comigo se fizer favor.

O viajante Justino ergueu-se e seguiu a anfitriã. Passaram uma porta e entraram num corredor onde percebeu outras portas. Logo na primeira da esquerda a senhora parou e indicou-lhe o local onde deveria tomar banho.

Baixou do tecto um velho chuveiro onde deitou a água quente, para no fim avisar:

- A água está muito quente, pode com aquele jarro que tem fria atenuar…

- Oh… obrigado… eu conheço o sistema!

Antes de fechar a porta a mulher disse:

- Em cima daquela mesa há roupas lavadas que foram do meu irmão. Devem-lhe servir! E naquela bacia há uma navalha, pincel e sabão se pretender rapar a barba.

Depois sem esperar qualquer agradecimento fechou a porta atrás de si.

Decorreu muito tempo até que Justino reaparecesse na sala quente. Do homem que viera da chuva apenas restava o olhar atento e a voz serena.

- Ena temos um homem novo – clamou o dono da casa ao vê-lo surgir.

- Nem parece o mesmo… senhor… - acrescentou a esposa.

- Justino… Justino da Conceição…

- Senhor Justino… Vá sente-se aqui perto de nós.

- Não quero incomodar…

- Não incomoda… E agora coma… tem aí pão, chouriço e uma taça de vinho…

- Ena tanta comida.

O viajante perante o repasto não se fez rogado e foi comendo com calma. No fim agradeceu:

- Foram muito amáveis…

Foi a vez do patrão falar:

- Diga-me o que faz por estes lados, onde Deus perdeu as botas?

- Viajo! - e após uma breve pausa acrescentou - Sem destino.

- Sem destino? – a pergunta veio finalmente do rapaz.

- É verdade! Sem destino…

- O que o leva a caminhar assim? – insistiu o jovem agora deveras interessado.

- Boa questão menino…

- Gualter…

- Mas não sei explicar… Um dia cansei-me da vida do campo e parti de casa, vai para muito tempo.

Finalmente a pergunta sacramental:

- É daqui destas zonas? – questionou o pai.

- Não sou daqui, mas sou de todo o lado!

- Como assim… de todo o lado?

- Porque todos os lados são bons sítios para se… ser! Basta que queiramos… ser dali!

- Não percebi – avançou o rapaz.

- Pois não, é natural… Tu és daqui! – e pela primeira vez em muitos meses Justino sorriu com vontade.

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