Hoje convido eu! #15
A desafiarem-me!
Quem é que neste sapal não conhece a Mula do blogue Desabafos da Mula? Creio que ninguém. Esta menina foi das primeiras com quem tive interacção e por isso também era minha obrigação convidá-la para este desafio. Respondeu com uma pequena palavra: luz.
Mais um tema mui complicado que deu no texto infra.
Saiu do hospital tão desesperado como entrara. No coração a chaga que já existia sangrava agora profundamente.
Meteu-se no carro e conduziu-se para casa, alheado a quase tudo. Morava numa aldeia pequena na zona saloia e foi para lá que se dirigiu. Passou por diversas povoações até que estranhamente lhe deu a fome. Assim que pode parou o carrou e procurou um sítio para comer. A tarde aproximava-se do fim, mas o calor do dia ainda se fazia sentir.
Encontrou um café e ali enganou o estômago. Pagou e ao atravessar a rua para ir para o carro deu com uma pequena igreja branca. Sem saber como desviou-se para lá e encontrando a porta escancarada, entrou.
Era uma daquelas oradas de vilarejos, pouco decoradas, simples, mas acolhedoras. O altar ao fundo apresentava quatro imagens. Conheceu Santo António e Nossa Senhora, mas as outras imagens desconhecia.
Sentou-se no banco corrido mais próximo da saída e ali ficou sem saber bem o que estava a fazer. Baixou a cabeça e tapou-a com ambas as mãos. Para no instante seguinte escutar:
- Boa tarde posso ajudá-lo nesse desespero?
Paulo ergueu-se e deu de caras com um padre que teria aproximadamente a sua idade. Não vestia batina, mas usava o conhecido cabeção alvo. Fez menção de sair.
- Desculpe… não deveria estar aqui…
- Não lhe pedi para sair… Apenas se poderia ajudá-lo… - e colocando uma mão sobre o ombro do outro, acrescentou – Sente-se e desabafe.
A visita acabou por voltar ao lugar, mas continuou em silêncio. O padre sentou-se a seu lado, pegou num rosário e principiou a rezar em surdina. Depois:
- Peço desculpa senhor padre, mas este não é o meu lugar… - teimou.
- Posso saber porquê?
- Porque há muito que me separei da fé, de Deus, da igreja…
- Isso pensa o meu amigo… E de tal forma está enganado que entrou assim… sem ninguém o chamar… Creio eu!
- Pois é verdade… mas continuo longe de crendices.
- Também eu… Mas crendices não é fé!
Voltou a baixar a cabeça e de repente romperam os olhos num mar pessoano. O padre aguardou que as lágrimas saíssem para voltar ao diálogo:
- Conte-me o que tanto o amargura?
- V… venho do hospital onde o meu filho de cinco anos acaba de falecer. Há seis meses foi diagnosticado com uma doença raríssima. Muitos tratamentos, mas nenhum deles mostrou ser eficaz. E hoje partiu…
- Lamento saber isso…
- A minha mãe era uma fervorosa católica. De tal forma que desde muito cedo fiz tudo o que poderia fazer: catequese, primeira comunhão, comunhão solene e só não fiz a crisma por já andar longe da fé! Será que agora estou a ser punido por isso?
- Nem por sombras. Não pense nisso! Deus é magnânimo…
- Então se o é, como diz, magnânimo, Ele que traga o meu filho!
O padre ergueu-se do banco e deu uns passos até à entrada. Depois olhou o Sol que se punha no horizonte e declarou com solenidade:
- A vida terrena é repleta de mistérios e incertezas. E nem tudo está nas mãos de Deus!
- Então está na mão de quem? Diga-me senhor padre.
- O que lhe irei dizer pode não ser o que gostaria de ouvir, mas o seu filho pode ser um instrumento de Deus.
- Como assim?
- O seu filho pode ser a estrela da sua vida.
- Que vida será a minha sem o meu rapaz?
Desta vez o padre aproximou-se do altar para dizer em tom de catequista:
- Quem nasce tem de partir um dia. Porém só Deus sabe quando será esse dia para cada um de nós. Hoje foi o seu filho, amanhã será o filho de outro desconhecido. Depois de amanhã o filho de outro qualquer. A sua dor é compreensível, mas mesmo não acreditando, como diz, num Deus acolhedor a partir de agora terá alguém a velar por si.
- A velar por mim? Coitadinho… nem por si soube velar!
- Engana-se, pois foi a luz divina do seu menino que o trouxe aqui a esta capela e ao pé de mim. Seria bom que nunca se esquecesse disso!