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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Giz-barbeiro! #2

Resposta a este desafio

Parte 1

Naquela véspera de Natal levantei-me de madrugada, por volta das cinco e meia! No fundo fiz o que faço há diversos anos, já que o gado não dá férias nem um mero fim de semana ao seu tratador!

Vesti a roupa perfumada de bedum e que sempre deixo em lugar fora de casa, peguei nas chaves dos cadeados do curral e entrei na madrugada ainda escura como bréu! Corria uma brisa gelada que me obrigou a aconchegar a roupa ao corpo ainda quente da cama.

Desta vez não iria com as ovelhas em busca de erva gelada, mas encheria as manjedouras com muito feno seco e algumas malgas de favas! E ficariam o dia todo no curral. Aproveitei para ordenhar algumas mães para mais tarde entregar o tarro repleto na tia Celsa que me faria como ninguém uma série de maravilhosos queijos!

O relógio da Matriz tocava oito badaladas no preciso momento que notei um anormal movimento de gente à frente do portão da minha austera casa. Não apressei o passo, mas naquela aparente família alguém me pareceu familiar. Os gestos das mãos, aquele jeito da cabeça... Aproximei-me lentamente.

- Joca?

O outro rodou meio círculo e vendo-me estendeu os braços num amplexo que juntaria muitos anos de afastamento físico.

- Eu mesmo. Dá cá um abraço... valente!

Abraçamo-nos durante muitos segundos até que nos separamos e olhamo-nos em silêncio. Fui eu que desboqueei:

- Estás na mesma João Carlos!

- Estás devidamente autorizado a tratar-me por Joca, como sempre o fizeste! - deu uma gargalhada daquelas que eu já tinha saudades!

- Que fizeste aos anos? Olha para mim e estas cãs...

- Isso é sinal de charme... Quanto aos meus anos... olha vivi-os.

Nova risota franca para finalmente rematar:

- Antes que eles me vivam a mim!

A assistir àquele espectáculo três caras femininas. Joca chegou-se a elas e juntou-as num abraço e comunicou-me:

- Estas meninas e tu são a minha única família.

Temendo dizer algo que não devia, acabei por as cumprimentar, iniciando pela mais velha:

- Viva como está, muito gosto em conhecê-la - e estendi a mão

Mas a senhora, como fosse minha irmã, chegou-se a mim e pespegou-me dois beijos na face, enquanto denunciava:

- Sou a Isabel e conheço-te sem nunca de ter visto. Tu tens sido um exemplo para o Jo... João que fala de ti como um irmão!

- Amabilidade sua...

Sem levar em conta a minha resposta apresentou-me as outras meninas, claramente filhas.

- Esta é Filipa de treze anos e aquela mais novita é a Sara de seis.

Baixei-me e cumprimentei:

- Olá meninas bem vindas à minha humilde casa.

Depois abri os braços e convidei:

- Vamos para dentro que aqui está muito frio!

Desbravei caminhos, portas e deixei que todos entrassem na casa.

- Desculpem esta minha postura minimalista, mas como estou sozinho...

Convidei então:

- Quem me quer ajudar a acender a lareira?

- Eu, eu, eu - responderam as meninas em uníssono!

- Então vamos buscar lenha...

E virando-me para Joca quase ordenei:

- E tu meu mariola, trás para aqui o teu carro. Abres os portões, enfia-lo aqui dentro e carregas as coisas para dentro de casa.

Joca:

- Ok chefe... quem sou eu...

Já não tinha recordação da casa com tanta gente. Num instante a minha lareira, daquelas enormes, foi acesa para logo se sentir o calor crepitante e desigual do fogo.

Mais uma vez desculpei-me:

- Como disse sou demasiado minimalista e como qualquer coisa. Daí parte das coisas se encontrarem fechadas naquele louceiro, mas podem usá-las à vontade. Provavelmente necessitam ser lavadas.

Isabel interveio:

- Não te preocupes... tudo se resolverá!

De súbito:

- Ai o que iremos comer hoje ao almoço? Almoçam e jantam cá certo?

- Claro companheiro. Para a consoada estamos preparados...

Ocorreu-me:

- Vocês gostam de feijão frade?

Sara perguntou:

- O que é?

Ups e agora? Que deveria responder? Passei a mão pela cabelo a ver se encontrava uma resposta. Depois devolvi:

- É um feijão muito pequeno, mas muito saboroso. Tenho a certeza que irás gostar... Anda comigo!

Todos me seguiram até à loja por detrás da casa. Aqui encontra-se uma velha arca de madeira meio repleta de feijão frade apanhado no Verão anterior. Peguei na malga e enchi um saco.

- Creio que chega! Vamos lá pô-lo em água. Depois vamos cozê-lo.

Entusiasmadas as crianças seguiram-me por todo o lado. Até à capoeira onde retirei alguns ovos que as miúdas adoraram pegar!

- Mãe, mãe ainda estão quentes!

Era uma da tarde quando o almoço foi servido: feijão frade, ovos cozidos e pimentos fritos em azeite e alho. Uma conversa alegre alastrou-se na enorme mesa de castanho. Até que questionei Joca:

- Mas tu nunca me disseste que eras casado e tinhas duas filhas?

- Porque não era e nem as tinha... - e riu-se com gosto.

Depois segurando a mão da mulher confessou:

- As meninas são filhas do primeiro casamento da Isabel!

Esta interveio:

- O meu primeiro marido faleceu de um acidente de viação há quatro anos.

- Lamento!

- Não lamentes nada, pá! - disse Joca a rir.

Para rematar:

- De outra forma como teria eu estas flores?

 

Parte 3

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