Giz-barbeiro! #2
Resposta a este desafio
Naquela véspera de Natal levantei-me de madrugada, por volta das cinco e meia! No fundo fiz o que faço há diversos anos, já que o gado não dá férias nem um mero fim de semana ao seu tratador!
Vesti a roupa perfumada de bedum e que sempre deixo em lugar fora de casa, peguei nas chaves dos cadeados do curral e entrei na madrugada ainda escura como bréu! Corria uma brisa gelada que me obrigou a aconchegar a roupa ao corpo ainda quente da cama.
Desta vez não iria com as ovelhas em busca de erva gelada, mas encheria as manjedouras com muito feno seco e algumas malgas de favas! E ficariam o dia todo no curral. Aproveitei para ordenhar algumas mães para mais tarde entregar o tarro repleto na tia Celsa que me faria como ninguém uma série de maravilhosos queijos!
O relógio da Matriz tocava oito badaladas no preciso momento que notei um anormal movimento de gente à frente do portão da minha austera casa. Não apressei o passo, mas naquela aparente família alguém me pareceu familiar. Os gestos das mãos, aquele jeito da cabeça... Aproximei-me lentamente.
- Joca?
O outro rodou meio círculo e vendo-me estendeu os braços num amplexo que juntaria muitos anos de afastamento físico.
- Eu mesmo. Dá cá um abraço... valente!
Abraçamo-nos durante muitos segundos até que nos separamos e olhamo-nos em silêncio. Fui eu que desboqueei:
- Estás na mesma João Carlos!
- Estás devidamente autorizado a tratar-me por Joca, como sempre o fizeste! - deu uma gargalhada daquelas que eu já tinha saudades!
- Que fizeste aos anos? Olha para mim e estas cãs...
- Isso é sinal de charme... Quanto aos meus anos... olha vivi-os.
Nova risota franca para finalmente rematar:
- Antes que eles me vivam a mim!
A assistir àquele espectáculo três caras femininas. Joca chegou-se a elas e juntou-as num abraço e comunicou-me:
- Estas meninas e tu são a minha única família.
Temendo dizer algo que não devia, acabei por as cumprimentar, iniciando pela mais velha:
- Viva como está, muito gosto em conhecê-la - e estendi a mão
Mas a senhora, como fosse minha irmã, chegou-se a mim e pespegou-me dois beijos na face, enquanto denunciava:
- Sou a Isabel e conheço-te sem nunca de ter visto. Tu tens sido um exemplo para o Jo... João que fala de ti como um irmão!
- Amabilidade sua...
Sem levar em conta a minha resposta apresentou-me as outras meninas, claramente filhas.
- Esta é Filipa de treze anos e aquela mais novita é a Sara de seis.
Baixei-me e cumprimentei:
- Olá meninas bem vindas à minha humilde casa.
Depois abri os braços e convidei:
- Vamos para dentro que aqui está muito frio!
Desbravei caminhos, portas e deixei que todos entrassem na casa.
- Desculpem esta minha postura minimalista, mas como estou sozinho...
Convidei então:
- Quem me quer ajudar a acender a lareira?
- Eu, eu, eu - responderam as meninas em uníssono!
- Então vamos buscar lenha...
E virando-me para Joca quase ordenei:
- E tu meu mariola, trás para aqui o teu carro. Abres os portões, enfia-lo aqui dentro e carregas as coisas para dentro de casa.
Joca:
- Ok chefe... quem sou eu...
Já não tinha recordação da casa com tanta gente. Num instante a minha lareira, daquelas enormes, foi acesa para logo se sentir o calor crepitante e desigual do fogo.
Mais uma vez desculpei-me:
- Como disse sou demasiado minimalista e como qualquer coisa. Daí parte das coisas se encontrarem fechadas naquele louceiro, mas podem usá-las à vontade. Provavelmente necessitam ser lavadas.
Isabel interveio:
- Não te preocupes... tudo se resolverá!
De súbito:
- Ai o que iremos comer hoje ao almoço? Almoçam e jantam cá certo?
- Claro companheiro. Para a consoada estamos preparados...
Ocorreu-me:
- Vocês gostam de feijão frade?
Sara perguntou:
- O que é?
Ups e agora? Que deveria responder? Passei a mão pela cabelo a ver se encontrava uma resposta. Depois devolvi:
- É um feijão muito pequeno, mas muito saboroso. Tenho a certeza que irás gostar... Anda comigo!
Todos me seguiram até à loja por detrás da casa. Aqui encontra-se uma velha arca de madeira meio repleta de feijão frade apanhado no Verão anterior. Peguei na malga e enchi um saco.
- Creio que chega! Vamos lá pô-lo em água. Depois vamos cozê-lo.
Entusiasmadas as crianças seguiram-me por todo o lado. Até à capoeira onde retirei alguns ovos que as miúdas adoraram pegar!
- Mãe, mãe ainda estão quentes!
Era uma da tarde quando o almoço foi servido: feijão frade, ovos cozidos e pimentos fritos em azeite e alho. Uma conversa alegre alastrou-se na enorme mesa de castanho. Até que questionei Joca:
- Mas tu nunca me disseste que eras casado e tinhas duas filhas?
- Porque não era e nem as tinha... - e riu-se com gosto.
Depois segurando a mão da mulher confessou:
- As meninas são filhas do primeiro casamento da Isabel!
Esta interveio:
- O meu primeiro marido faleceu de um acidente de viação há quatro anos.
- Lamento!
- Não lamentes nada, pá! - disse Joca a rir.
Para rematar:
- De outra forma como teria eu estas flores?