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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Desafio de escrita dos pássaros #2.7

Mote: Escreve o teu elogio fúnebre

Enquanto a viatura negociava as curvas lentamente, Elizário mirava os campos verdes salpicados por inúmeras cabeças de gado.

A ladear tufos de hortências, ainda por desabrochar. Enquanto subiam a serra, o céu toldava-se numa chuva miúda ou num nevoeiro denso.

- Olha o nevoeiro…

- Junho é o mês deles.. – acrescentou a conterrânea.

Quilómetros passados a estrada principiou a descer.

- Sabe onde vamos, Elizário?

- Oh, oh, nem imagino.

- Lembra-se da Fajãzinha?

- Se me lembro… - o olhar do florentino acabou por adquirir uma enorme tristeza.

- Hum! Cheira-me que houve para aí uma história de saias… – calculou o condutor com um sorriso.

Silêncio. Na estrada uma tabuleta indicava o caminho.

- Vamos revisitar este lugar… Pode ser senhor Elizário?

- Vamos onde mesmo?

- Já vai ver.

A estrada descia e tornava-se agora mais íngreme e as curvas mais perigosas. Finalmente o alcatrão desembocou numa espécie de largo. Pararam o carro e saíram todos. Ao fundo, não muito longe… o mar de um azul forte. A perder-se no horizonte…

Perguntou ela:

- Onde é a sua Fajá?

- Para aquele lado… encostadinha ao mar – apontou Elizário.

De súbito tocaram três badaladas. Subiram então uma pequena encosta e perceberam que bem perto da igreja estava o cemitério.

- E aqui haverá alguém da sua família?

- Isto lembro-me… por causa daquelas imagens – e apontou para uns anjos encrustados no velho e pesado portão de ferro.

O portão rangeu sob o peso e a ferrugem, encostaram-no e em silêncio, procuraram alguma indicação. Voltou a ranger. Uma idosa, quase tão velha como o tempo, penetrou no cemitério e encarou com aqueles estranhos:

- Bom dia!

- Bom dia – responderam para logo a seguir - a senhora é de cá?

- Sou sim…

- Haverá aqui alguém da fajã de Santo Elói?

- Oh se há… veja aqui… - e apontou para uma campa que já tivera melhores cores.

Leram numa lápide desenhada na pedra negra:

- “Aqui jaz Fulgêncio Mota”.

- Era o meu avô… - confessou em surdina.

A viúva partira, deixando-os sós.

- Quando morrer adoraria ser aqui enterrado…

- O que é que gostaria que dissessem de si?

- Oh sei lá… Pergunta cada coisa, a menina!

- Vá pense…

Por fim.

- Aqui dorme para sempre Elizário Mota. Nasceu pobre e morreu rico, mas sem sequer ter um tostão.

Olhou o casal e genuinamente sorriu.

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