Desafio de escrita dos pássaros #2.7
Mote: Escreve o teu elogio fúnebre
Enquanto a viatura negociava as curvas lentamente, Elizário mirava os campos verdes salpicados por inúmeras cabeças de gado.
A ladear tufos de hortências, ainda por desabrochar. Enquanto subiam a serra, o céu toldava-se numa chuva miúda ou num nevoeiro denso.
- Olha o nevoeiro…
- Junho é o mês deles.. – acrescentou a conterrânea.
Quilómetros passados a estrada principiou a descer.
- Sabe onde vamos, Elizário?
- Oh, oh, nem imagino.
- Lembra-se da Fajãzinha?
- Se me lembro… - o olhar do florentino acabou por adquirir uma enorme tristeza.
- Hum! Cheira-me que houve para aí uma história de saias… – calculou o condutor com um sorriso.
Silêncio. Na estrada uma tabuleta indicava o caminho.
- Vamos revisitar este lugar… Pode ser senhor Elizário?
- Vamos onde mesmo?
- Já vai ver.
A estrada descia e tornava-se agora mais íngreme e as curvas mais perigosas. Finalmente o alcatrão desembocou numa espécie de largo. Pararam o carro e saíram todos. Ao fundo, não muito longe… o mar de um azul forte. A perder-se no horizonte…
Perguntou ela:
- Onde é a sua Fajá?
- Para aquele lado… encostadinha ao mar – apontou Elizário.
De súbito tocaram três badaladas. Subiram então uma pequena encosta e perceberam que bem perto da igreja estava o cemitério.
- E aqui haverá alguém da sua família?
- Isto lembro-me… por causa daquelas imagens – e apontou para uns anjos encrustados no velho e pesado portão de ferro.
O portão rangeu sob o peso e a ferrugem, encostaram-no e em silêncio, procuraram alguma indicação. Voltou a ranger. Uma idosa, quase tão velha como o tempo, penetrou no cemitério e encarou com aqueles estranhos:
- Bom dia!
- Bom dia – responderam para logo a seguir - a senhora é de cá?
- Sou sim…
- Haverá aqui alguém da fajã de Santo Elói?
- Oh se há… veja aqui… - e apontou para uma campa que já tivera melhores cores.
Leram numa lápide desenhada na pedra negra:
- “Aqui jaz Fulgêncio Mota”.
- Era o meu avô… - confessou em surdina.
A viúva partira, deixando-os sós.
- Quando morrer adoraria ser aqui enterrado…
- O que é que gostaria que dissessem de si?
- Oh sei lá… Pergunta cada coisa, a menina!
- Vá pense…
Por fim.
- Aqui dorme para sempre Elizário Mota. Nasceu pobre e morreu rico, mas sem sequer ter um tostão.
Olhou o casal e genuinamente sorriu.