Desafio de escrita dos pássaros # 2.15
Mote: Mais oito!
- Mais oito, avô, mais oito!
- Mais oito quê, Maria da Luz?
Elizário era o único que chamava a menina pelo nome completo. A mãe tratava-a por Bia, enquanto o pai usava carinhosamente… Luzinha.
- Mais oito dias para irmos até à tua ilha…
- Minha não… nossa! Não se esqueça, a menina, que a mamã também é das Flores. E portanto… tu também és.
Um enorme sorriso desceu sobre a face rasgada e cansada do ilhéu, enquanto acariciava os caracóis doirados que nem seara, da neta. Num fogacho recuou mais de meio século para parar naquela noite em que o mar enraivecido com alguma coisa, tentava desesperadamente alcançar terra. Não lhe permitiam as rochas negras que surgiam como uma parede natural contra as investidas violentas de Neptuno. Nessa invulgar noite tiveram todos de fugir da casa pequena para se recolheram na velha orada que ficava um pouco acima do nível do mar.
Não percebeu porque naquele momento em que sossegadamente olhava a menina, adpotiva sim, mas neta se lembrara daquele acontecimento. Talvez por ser a única altura em que tivera realmente medo. Ou o momento ímpar em que a mãe o abraçara com verdadeiro carinho…
Do resto só se recordava de gritos e ralhos da progenitora, que o obrigava amiúde a fugir de casa e procurar nas grutas de basalto, refúgio. Mas nunca partia sozinho… Com ele levava sempre um ou dois canitos com quem partilhava a pobre merenda que roubava do fundo da arca quase vazia.
Quando o sol se enterrava lentamente naquele horizonte laranja Elizário ficava a matutar no que haveria para lá da linha onde o astro se escondia. Imaginava lugares e mundos estranhos onde havia muita comida, alegria e muitos animais para ele tomar conta.
De regresso à pequenina, Elizário continuava a afagar Maria da Luz para voltar a sentir na pele o frio de muitas noites ao relento, a ânsia de muitos dias sem comer até descobrir os hospitais, a busca de muitos buracos mal-cheirosos e infestados de ratos onde se resguardava das intempéries.
Depois num ápice tudo se tornara um mar calmo e sereno. O coração quisera-lhe pregar a partida, mas um ilhéu nunca desiste. Vai à luta.
De forma miraculosa escapara com vida. Uma vida nova, diferente que lhe mostrara o melhor do ser humano.
- Avô?
- Sim Maria da Luz…
- Só mais oito…
E mostrou oito pequeninos dedos!