Desafio de escrita dos pássaros # 2.14
Mote: Cantas bem, mas não m’encantas!
- Elizário, Elizário...
A jovem tentava correr no meio da terra, umas vezes enlameada outra atapetada de erva verde e escorregadia. O açoriano andava de enxada em punho a desviar regos de água que um motor barulhento despejava.
Só reparou na Luízinha quando se virou.
- Que se passa menina?
A voz ofegante impedia-a de falar. Respirou fundo e por fim meio a chorar:
- Elizário, venha depressa, venha...
E pegou na mão e puxou-o.
- O meu pai...
O empregado largou a alfaia, desligou o motor e correu com a jovem a seu lado até a casa. De vez em quando parava para que a jovem o acompanhasse. Aproveitou para perguntar:
- Mas o que se passa?
- O meu pai desmaiou…
- Desmaiou? Assim sem mais nem menos?
- S… sim…
- E já chamaram uma ambulância para o levar para o hospital?
- Ainda não…
Quando arribaram Joaquim encontrava-se sentado numa cadeira, mas o tom pálido da face mostrava que estava deveras doente.
- Menina, chame os bombeiros… Depressa!
Um quarto de hora mais tarde já Joaquim partia para o hospital da capital. Atrás no carro, seguia Luízinha e a mãe, enquanto Elizário ficara em casa a tomar conta da vida campestre…
- Que a vida não pára e os animais têm todos de comer…
Um enfarte colocara Belmoço entre a vida e a morte. Durante três longos dias tanto mulher e filha revezavam-se ao lado do patrão.
Todavia ao quarto dia quando Elizário mondava as batatas, ouviu um grito lancinante vindo de casa. Nesse instante no seu coração instalou-se uma mágoa que o acompanhou durante muito tempo.
Joaquim falecera, mas o trabalho não. Nem a venda nos Mercados de Lisboa. Instigado por Joaquim, o florentino tirara a carta e era ele agora que levava a carrinha carregada de legumes.
Com a morte do bom patrão Elizário temeu o pior. Com razão!
Uma noite as patroas aproximaram-se do empregado e confessaram:
- Elizário, temos muita pena, mas vendemos o negócio e os terrenos ao nosso vizinho.
O veterano nada disse, mas logo na manhã seguinte surgiu Nicolau:
- Bom dia… precisamos falar.
- Bom dia, diga.
- Queres trabalhar para mim. Pago-te melhor que o “Jaquim” pagava.
Elizário conhecia-lhe a fama que Nicolau tinha de mau patrão. Por isso sem levantar os olhos respondeu:
- Não senhor!
- Então porquê?
- Porque cantas bem, mas não m’encantas!