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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Conversa pela noite dentro!

Resposta a este desafio

 

Horácio deu conta da porta da rua abrir-se ao mesmo tempo que o velho relógio de pé da entrada batia três badaladas. Admirou-se da hora tardia e confirmou com o velhíssimo relógio de pulso.

- Ena tão tarde e eu ainda sem nada esgalhado… Que chatice!

Passaram uns breves minutos quando escutou:

- Boa noite pai, ainda a pé?

- Boa noite filho… é tarde é… mas ando às voltas para escrever um conto de Natal e ainda não saiu uma palavra sequer!

- Isso acontece não te maces. Deitas-te e amanhã escreves uma estória num ápice, logo pela fresquinha!

Sorriu à confiança do filho no seu desembaraço, mas ousou contradizê-lo:

- Isto do Natal já foi mais fácil escrever!

- Então porquê?

- Porque já se escreveu sobre tudo e mais alguma coisa nesta época. Desde o Dickens…

O filho rodeou a secretária do pai, sentou-se do outro lado do móvel naquela velha e pesada cadeira de pau-santo e dispôs-se a ter aquela conversa.

- Achas mesmo?

- Ai rapaz detesto esses achismos que usas, mas pronto hoje alinho: acho!

- Pai, o Natal é muito mais que comércio selvagem! E também sei que não concordas nas crenças religiosas!

- Tenho consciência disso tido, mas responde-me lá: a quem interessa verdadeiramente o Natal?

O jovem pegou nuns papéis depositados no tampo da secretária, juntou-os e finalmente entregou-os ao pai quase como fosse uma oferta. Por fim acrescentou:

- Há dois tipos de Natal… Provavelmente haverá mais, mas dois existem de certeza.

- O Natal dos Hospitais e o Natal dos Hotéis…

- A sério pai… a brincar com isso? – O tom de voz parecia ter mudado.

- Desculpa tens razão! Nunca fui adepto destes dias recheados, dizem, de tanta coisa e depois vai ver-se e não é nada! E também esse tal de espírito de Natal!

O jovem ergueu-se da pesada cadeira e foi dar uns passos pela enorme sala que servia também de escritório, parou defronte da enorme pintura que diziam ser do seu bisavô que ninguém conheceu e voltando-se para o pai:

- Sabe quem foi este atrás de mim?

- O teu bisavô Segisnando!

- Tem a certeza?

Um silêncio escondeu a dúvida. Horácio acabou por responder:

- Como posso ter a certeza se não o conheci? Quem o conheceu, e por pouco tempo, foi o teu avô já que ele morreu ainda relativamente novo. Creio com a pneumónica!

- No fundo o Natal é assim como este teu antepassado… Sabes que existiu, mas nunca o viste…

O pai ergueu a cabeça para finalmente pedir um ponto de situação:

- O que é que esse avô tem a ver com o Natal… Não entendo… Provavelmente deve ser da hora tardia.

O filho esboçou um sorriso para devolver:

- Tu necessitas escrever sobre o Natal e eu estou a mostrar pistas para o fazeres.

- Ai… Cada vez percebo menos…!

- Pai… imagina como seria o Natal deste teu avô? Mais imagina como seria o Natal dos pobres dessa altura?

O antecessor levou a mão à cabeça e por via das dúvidas tentou esclarecer:

- Estou tão baralhado que não percebo como começámos para acabar neste ponto…

- Mas eu sei pai!

- Estou a ver que sabes mais que eu!

- Sabes onde estive até agora?

O pai ergueu o olhar pesado para o filho. Depois respondeu:

- Não sei, nem tenho nada que saber! És maior e vacinado…

- Pronto ficas agora saber: faço parte de uma comunidade de voluntários e andamos a distribuir comida e agasalhos aos sem-abrigo, durante toda a noite.

- ‘Tás a gozar…

- Eu não brinco com isto, pai. Faço-o há muito tempo e não só na época do Natal. Ou melhor… diria que faço com que o Natal aconteça durante todo o ano.

O velho não respondeu. Continuou:

- Creio que gostarias de um dia ir comigo... Talvez olhasses para esta festa de forma bem diferente...

Num momento seguinte o jovem visou atentamente o pai, mas Horácio estava ora longe pois esgalhava freneticamente esta estória!

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