Contos tontos - 38
Sentado num cadeirão fundo Domingos olhava, com profunda tristeza, para a esposa deitada na cama repleta de tubos, máscaras, monitores e boiões que penetravam no corpo da doente.
A espaços curtos vinha um enfermeiro ver como estavam todas as funções, acertava algo e despedia-se da visita:
- Verá que vai recuperar depressa…
- Obrigado…
Parecia ter sido há breves minutos aquele episódio da entrada no seu gabinete como candidata à Direcção dos Recursos Humanos.
A porta abriu-se e deixou passar uma jovem alta, loira, muito bem vestida e extremamente bonita. Domingos fixou os olhos naquela figura e o coração pareceu rebentar.
- Não pode ser… ela! Mas… mas… é tão parecida… - pensou.
Estendeu a mão num cumprimento.
- Domingos Jerónimo, muito prazer. Faça o favor de se sentar.
- Diana Tremês, muito gosto!
A mão dela, delgada e fria, mostrava ainda assim uma firmeza incomum nas mulheres que ele conhecera. A entrevista correu bem e Domingos logo considerou que a pessoa tinha o perfil ideal para chefiar os seus projectos.
Na despedida foi a vez da candidata assumir:
- Desculpe dizê-lo mas a sua cara não me é totalmente estranha.
- Oh… talvez nos tenhamos encontrado por aí… numa qualquer conferência…
- Não... a minha ideia é muito mais antiga… Mas peço desculpa…
Quando a jovem abriu a porta Domingos chamou:
- Oiça Diana…
Ela estancou e fechou a porta.
- Faça favor…
- Eu sei quem é… - e olhando para a paisagem que se espraiava à sua frente da enorme janela, continuou – És a Diana, “A blondie”, como te chamávamos na escola.
Diana abriu a boca num espanto e acrescentou:
- E tu eras o Domingos mais conhecido pelo “gargalhadas”.
- Sim… – devolveu corando.
- Como o mundo se torna pequeno. E és tu o dono desta empresa?
- Sou… criei-a há uns anos.
- Fico feliz por ti… Mas não quero influenciar a tua escolha por causa do nosso passado escolar.
O jovem riu-se… Mal sabia ela a paixão que ele tivera por ela. Ele e muitos outros. Por fim puxou do seu tom mais sério e disse:
- Certamente. O nosso passado não terá influencia… Até porque tenho outros candidatos a concurso.
Ela aproximou-se da porta, abriu-a e declarou:
- Lembro-me que os miúdos gozavam muito contigo por causa dos teus risos e gargalhadas… Mas sabes… nunca mais ouvi ninguém a rir com tanta satisfação como tu.
A porta fechou-se atrás dela.
Não retirou a marca donde iniciara a leitura pois sabia que teria de reler aquelas páginas, mas fechou o livro. Ergueu-se da cadeira, aproximou-se da cama e espanto… a mulher estava acordada.
Pegou na mão devagar onde estava um cateter apertou-a devagar e sorriu. Ela tentou sorrir por debaixo da máscara de oxigénio. Depois com a mão livre retirou o acessório médico e declarou em tom rouca, mas serena:
- Vou ter tantas saudades desse teu riso e das tuas gargalhadas…
Recolocou a máscara e fechou os olhos.
Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii…