Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Contos tontos - 38

Sentado num cadeirão fundo Domingos olhava, com profunda tristeza, para a esposa deitada na cama repleta de tubos, máscaras, monitores e boiões que penetravam no corpo da doente.

A espaços curtos vinha um enfermeiro ver como estavam todas as funções, acertava algo e despedia-se da visita:

- Verá que vai recuperar depressa…

- Obrigado…

Parecia ter sido há breves minutos aquele episódio da entrada no seu gabinete como candidata à Direcção dos Recursos Humanos.

A porta abriu-se e deixou passar uma jovem alta, loira, muito bem vestida e extremamente bonita. Domingos fixou os olhos naquela figura e o coração pareceu rebentar.

- Não pode ser… ela! Mas… mas… é tão parecida… - pensou.

Estendeu a mão num cumprimento.

- Domingos Jerónimo, muito prazer. Faça o favor de se sentar.

- Diana Tremês, muito gosto!

A mão dela, delgada e fria, mostrava ainda assim uma firmeza incomum nas mulheres que ele conhecera. A entrevista correu bem e Domingos logo considerou que a pessoa tinha o perfil ideal para chefiar os seus projectos.

Na despedida foi a vez da candidata assumir:

- Desculpe dizê-lo mas a sua cara não me é totalmente estranha.

- Oh… talvez nos tenhamos encontrado por aí… numa qualquer conferência…

- Não... a minha ideia é muito mais antiga… Mas peço desculpa…

Quando a jovem abriu a porta Domingos chamou:

- Oiça Diana…

Ela estancou e fechou a porta.

- Faça favor…

- Eu sei quem é… - e olhando para a paisagem que se espraiava à sua frente da enorme janela, continuou – És a Diana, “A blondie”, como te chamávamos na escola.

Diana abriu a boca num espanto e acrescentou:

- E tu eras o Domingos mais conhecido pelo “gargalhadas”.

- Sim… – devolveu corando.

- Como o mundo se torna pequeno. E és tu o dono desta empresa?

- Sou… criei-a há uns anos.

- Fico feliz por ti… Mas não quero influenciar a tua escolha por causa do nosso passado escolar.

O jovem riu-se… Mal sabia ela a paixão que ele tivera por ela. Ele e muitos outros. Por fim puxou do seu tom mais sério e disse:

- Certamente. O nosso passado não terá influencia… Até porque tenho outros candidatos a concurso.

Ela aproximou-se da porta, abriu-a e declarou:

- Lembro-me que os miúdos gozavam muito contigo por causa dos teus risos e gargalhadas… Mas sabes… nunca mais ouvi ninguém a rir com tanta satisfação como tu.

A porta fechou-se atrás dela.

Não retirou a marca donde iniciara a leitura pois sabia que teria de reler aquelas páginas, mas fechou o livro. Ergueu-se da cadeira, aproximou-se da cama e espanto… a mulher estava acordada.

Pegou na mão devagar onde estava um cateter apertou-a devagar e sorriu. Ela tentou sorrir por debaixo da máscara de oxigénio. Depois com a mão livre retirou o acessório médico e declarou em tom rouca, mas serena:

- Vou ter tantas saudades desse teu riso e das tuas gargalhadas…

Recolocou a máscara e fechou os olhos.

Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii…

4 comentários

Comentar post