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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Contos Tontos - 36

Sentada na varanda num velhíssimo cadeirão e rodeada de uma profusão de vasos com flores de todas as cores e espécies, Guiomar olhava a rua de quase nenhum movimento. Era geralmente assim. Talvez ao fim de semana houvesse mais gente na rua, mas com pouca diferença. Ao longe o som estridente de um comboio que saía da estação ou de uma ambulância.

Vivia só, desde a morte do marido Gervásio, haveria dez anos. Os filhos haviam partido em busca de vidas próprias. Raramente falavam à mãe. Todavia diziam sempre:

“Se necessitar de alguma coisa ligue para este número de telefone…”

Guardava-os à vista mesmo ao lado do aparelho telefónico.

Entretanto todos os dias recebia a visita rápida das meninas da Misericórdia, que ali vinham entregar o que seria o seu almoço e jantar. E a elas devolvia invariavelmente uma flor que retirava de um dos seus vasos.

A roçar os 90 anos Guiomar olhava o mundo com serenidade. As pernas eram o seu pior problema e daí jamais sair de casa. Muito devagar saía do quarto para a sala e desta para a varanda. Ou o seu inverso. Tirando as meninas do meio-dia não falava com ninguém.

Assim quando se sentia mais só ligava para o filho, pois sabia que alguém lhe falaria. Pegava no papel com os números carregava nas teclas e aguardava. Do outro lado uma voz respondia-lhe:

- O número que pretende contactar não se encontra disponível. Por favor ligue mais tarde ou envie um SMS.

Um sorriso surgia então na face lavrada pelos anos.

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