Alice #IV
IV
- Bom dia Dra. Constança! Desculpe a hora tão madrugadora!
Visivelmente contrariada a médica mostrou-se afável e educada.
- Faça o favor de entrar. Provavelmente não quererá falar comigo no átrio de uma escada, pois não?
O inspector limpou os sapatos velhos e mal engraxados no tapete e entrou no apartamento. Um olhar rápido e deu para perceber como a médica era minimalista. Uma televisão de pé alto e dois sofás. Alguns quadros repousavam no chão mas para Constantino nada lhe surgia como estranho.
- Sente-se, se fizer favor!
- Obrigado – e aceitou o convite.
- Diga-me o que se passa agora?
O inspector sacou do bolso um pequeno bloco de notas e foi dizendo:
- Necessito de mais dados da mulher que foi entregar a criança. E antes que se esqueça o melhor mesmo é falar quanto antes. Nestas coisas da investigação tudo se torna importante e quanto mais depressa falarmos mais rapidamente poderemos ter respostas!
- Com certeza! Coloque as questões que eu irei respondendo!
- Ainda se recorda da dita mulher, certo?
- Claro!
- Consegue descrevê-la com pormenor?
- Vou tentar…
- Eu vou tomando notas do que for dizendo.
Constança olhou o tecto branco, respirou fundo e principiou:
- Mulher de mais ou menos 30 anos, magra, cabelo sujo e sem incisivos no arco inferior. Tinha um nevus na têmpora esquerda e no pescoço uma tatuagem.
- Uma tatuagem? Que desenho era? Consegue descrevê-lo?
- Era uma estrela… Também vestia um anoraque vermelho com capuz que deixou cair quando entrou com a criança.
- Ora muito bem… já temos dados que não tínhamos antes. Está a ver? Valeu a pena aqui vir! E recorda-se do que trazia calçado?
- Isso é que não sei dizer… Talvez a enfermeira ou o segurança tenha reparado.
- Mas não repararam que eu já perguntei…
O silêncio impôs-se para passados uns segundos Constantino se levantar do sofá e avançar:
- Posso colocar outras questões que me parecem pertinentes?
Era óbvio que o Inspector ferrara o dente na testemunha médica e não estava disposto a larga-la.
- Pergunte – o enfado parecia evidente por parte de Constança.
- Confessou que não via o seu irmão há uns anos, mais precisamente tem ideia?
- Tenho! Ele saiu de casa numa noite de Consoada.
- E sabe porquê?
- Uma normal discussão com o meu pai que sempre pretendeu mandar na vida dos outros… Minha incluída!
- Portanto desde essa noite nunca mais soube nada de Adriano Belchior?
- Não… nada! Isto é até ontem à noite quando ele me apanhou no parque de estacionamento. Mas deixei-o a falar sozinho…
- Quer dizer que não sabe o que ele faz na vida?
- Não! Tanto pode ser um varredor de rua, como um taxista ou um cientista… Seja o que for não sei rigorosamente nada sobre ele.
O Inspector andava pela sala quase vazia para depois acabar por confessar:
- O seu irmão é responsável por uma das maiores empresas de tecnonogia do Mundo…
- Está a brincar…
- Não estou… E o que temo é que ele esteja a ser chantageado para fazer espionagem industrial.
- Ai… que coisa horrível…
- E a minha derradeira pergunta é esta: crê que o seu irmão aceda a esta chantagem?
- Não creio… até porque a Alice já está com ele.
- Tem a certeza?
- Como assim a certeza?
O inspector despejou o ar e continuou:
- O seu irmão não tem filhos dele. A Alice foi adoptada. Mas ao que soube já hoje a menina tinha uma irmã gêmea.
- Ai inspector... Então a Alice que eu tratei pode não ser a filha dele?
- Exactamente.
- Mas e a roupa boa que a criança trazia?
- É o mistério que temos entre mãos!