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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Alice

I

A chuva caía densa, pesada qual véu líquido, sacudida por um vento forte. A espaços Constança sentia a força do temporal e embrulhava-se mais na sua manta quente. Defronte na mesa de madeira uma chávena fumegava e um perfume a erva princípe pairava no ar.

Após mais de 30 horas seguidas sem ver a cama nada melhor que uma chuva a retê-la em casa. O banco de Urgências do hospital onde prestava serviço fora simplesmente… diabólico. E o pior é que durante anos estudara tanta coisa em quilos de compêndios de Medicina, mas nenhum deles tivera a oportunidade de lhe ensinar como deveria ver a vida… dos outros.

Não eram os acidentes de mota e as pernas estropiadas, de carro e os corpos desfeitos ou as quedas aparatosas dos andaimes que a afligiam, mas aquele idoso pai recentemente viúvo com um filho deficiente profundo e que não sabia como lidar, ou aquele casal de irmãos que com o maior desplante haviam deixado um casal de velhotes à porta com a desculpa que tinham COVID ou ainda aquela mãe que às três da manha surge com a filha de três anos completamente desidratada e desnutrida e muito febril e desaparece sem deixar rastro. Para lidar com tudo isto não recebera formação em nenhum tomo volumoso.

Respirou fundo e adormeceu devagar.

Acordou com o telemóvel a tocar. Estremunhada pegou no aparelho e leu a origem:

- Dr. Aleixo?

Pensou desligar. Depois desistiu da ideia prevendo:

- Vem aí chatice, pela certa!

- Doutor diga! Passa-se alguma coisa?

- Ó doutora desculpe, mas necessito de si.

- A sério que me está a pedir isso?

- Não, doutora, não é para vir trabalhar…

- Ah então pode ficar para amanhã…

- Não sei se o Inspector da Judiciária que aqui está vai concordar consigo, Doutora!

- Judiciária? Ui… O que é que aconteceu?

O chefe não alongou a conversa telefónica.

- Oiça, assim que puder venha cá ter connosco. É imperioso!

Constança soprou e respondeu:

- Vou vestir qualquer coisa e já vou aí ter!

- Obrigado ficamos à sua espera.

Deveras contrariada pegou no telemóvel e chamou um Uber para meia hora mais tarde estar a entrar nas suas já conhecidas portas automáticas do banco de urgência, enquanto cumprimentava o segurança conhecido. Atravessou mais portas e dirigiu-se ao gabinete do chefe. Pelo caminho estendiam-se como sempre inúmeras macas, cada uma com o seu doente e ao qual se associava um acompanhante. O suficiente para encherem todos os corredores.

De vez em quando uma mão surgia do nada apenas associada a um grito:

- Ai doutora tire-me daqui! Ai que morro com tanta dor!

A tudo isto Constança não ligava… já sabia como era.

Os corredores estreitaram, agora já sem doentes, mas com muito pessoal atarefado. A porta do chefe estava fechada, algo que não era usual e daí bateu com o nós dos dedos.

- Entre!

Baixou a maçaneta e penetrou no gabinete branco que ela bem conhecia. Sentado na sua cadeira o Doutor Aleixo parecia estar a escrever qualquer coisa, quem sabe uma receita para o inspector que estava sentado defronte do médico.

- Boa noite Doutor. Diga lá o que se passa… Espero que valha a pena!

- Ó Doutora puxe aí dessa cadeira e entretanto apresento-lhe o inspector Constantino Brás que necessita falar consigo.

- Comigo Doutor?

Constantino levantou-se da cadeira e cumprimentou a jovem médica:

- Boa noite doutora, desculpe maçá-la a esta hora, mas necessito falar consigo por causa daquela menina que entrou a noite passada.

- Quem? A Alice?

- Essa mesmo!

- Que lhe aconteceu?

- Que eu saiba nada, até parece que está melhor segundo me comunicou aqui o seu chefe, mas o que realmente desejo é que diga como tudo aconteceu esta madrugada com o internamento da Alice.

 

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