Eu sou a O. e pedi que me ajudassem a escrever, pela primeira vez, esta carta. Dizem que tentas satisfazer os desejos daqueles que acreditam em ti… Mas sabes eu não sei quem tu és… nunca te vi já que só tenho dois anos. Será que também tenho direito a prendas?
Pai-Natal dizem que és velhote, que tens barba branca comprida tal e qual o meu avô e que andas de trenó puxado por duas renas. Mas ainda não sei o que é tudo isso… Talvez para o ano.
Mas pronto vou dizer o que não quero para este Natal:
- não quero brinquedos, tenho muitos;
- não quero livros pois ainda não sei ler.
Só quero:
- que me deixes viver para sempre com a minha cadela;
- que me deixes brincar com o pateta do meu avô;
- que me deixes sempre rir;
- que me tornes numa menina feliz.
Não sei se é pedir muito ou pouco, mas é só isto que gostaria de ter neste Natal. Pode ser?
Um dia quando for grande quero conhecer-te e falar contigo! Combinado?
O outro ficou com um ar pensativo para depois responder:
- Há uns dez anos também nevou… lembro-me bem.
- Oh pá… mas nevar há cinco dias seguidos? Nunca vi tal… Ainda por cima nesta época…
Ambos eram seguranças num supermercado que em véspera de Natal encerrava mais cedo ao público, mas para eles que se encontravam na central de segurança era mais uma noite normal, apenas sem qualquer movimento.
Aguardavam serem substituídos antes da meia-noite, ainda a tempo de poderem regressar a casa de verem os petizes abrirem as prendas.
- Osvaldo onde deixaste o carro?
O outro retirou os olhos do livro que estava a ler e fixou-se nos múltiplos écrans à sua frente. Depois disse:
- Mesmo ao pé do teu… - e tentando achar o lugar num dos visores apontou finalmente - Aqu… O que é aquilo?
O colega estava tão absorto num concurso na televisão que nem ligou à questão de Osvaldo. Este insistiu:
- Jorge olha para aqui – e apontou para um visor onde se podiam ver duas viaturas devidamente estacionadas, mas com a particularidade de entre ambos os veículos se encontrar um trenó conduzido por aquilo que parecia ser uma rena.
- O que é aquilo?
- Já te tinha chamado à atenção… tu é que não ligaste nenhuma…
- Aquilo é o que eu penso?
- É!
- Mas… como apareceu ali… e quem terá conduzido?
O outro riu-se e acabou dizendo:
- Foi o Pai Natal!
- Deixa-te de coisas – e levantando-se num ápice avançou – temos de pesquisar nas outras câmaras…
- Ui que medo… do Pai Natal.
- Se ele aparecer com uma G3 para assaltar a loja diz-lhe que a arma é a brincar
- Não digas isso que eu também estou preocupado, mas não exageres.
- Vou ligar para a polícia… Não estou a gostar disto… Estás a ver as marcas dos pés na neve? Veio para aqui…
- Andas a levar a “A Casa de Papel” muito a sério…
- Não brinques com isto… Não sabes quem anda por aí… E se for um bombista?
- Tens um espirito de Natal muito parvo, mas pronto vou olhar a ver se o encontro.
De repente:
- Olha está aqui…
- Onde?
- No Multibanco…
- Mas o Pai Natal também usa dinheiro? – Soltou uma sonora gargalhada.
- Com esta crise deve usar tudo o que tiver à mão…
Voltaram para os visores em busca de tal personagem, mas sem o verem regressaram aos carros. O lugar estava novamente vazio.
- Vês foi-se embora zangado contigo…
- Porquê? Fiz algum mal?
- Não, mas como não acreditas no espírito de Natal, acabou por ir embora.
O outro voltou a conferir todas as câmaras e após se ter certificado que não havia ninguém aproximou-se da porta enquanto dizia:
- Só acredito nesse tal espírito de Natal quando tiver provas…
Abriu por fim a porta que dava para o corredor tendo encontrado então dois cestos de verga repletos de óptimas iguarias.
Porque achei o conto anterior pobre... escrevi este Isabel!
Naquela manhã de Natal os mais velhos foram acordar bem cedo as crianças. Era normalmente assim!
- Feliz Natal meninos! Vamos ver as prendas?
Alguém coloca água na fervura:
- Não sei se houve prendas…
As crianças nem ligaram e rapidamente um alvoroço chegou às escadas com todos os miúdos a correram em busca da Árvore de Natal onde previamente a família deixara os sapatos de cada miúdo e de cada adulto.
Quando os infantes entraram na sala, toda ela revestida de prateleiras com velhos livros, pararam estupefactos tal era a imensidade de embrulhos de todas as cores, tamanhos e feitios.
Até a Clarisse, uma cadela perdigueira teve direito à sua prenda… Não havia sapato, houve almofada.
Por fim o Filipe que era dos mais novos procurou o seu sapato e num ápice se sentou no chão para abrir as prendas que lhe estavam destinadas. Foi o suficiente para as outras crianças o seguirem.
A excitação era tão grande que não cabia naquela sala.
- Uns patins, uns patins – declarava Rosinha – que lindos!
- Um “tinónim” Gabriel… - dizia o pai para o filho, como se desconhecesse a prenda.
- Brrrrrr… tinónim, tinónim – e o menino nem se preocupou com os restantes embrulhos.
Depois de muitos papéis rasgados e laços desfeitos foi a vez dos mais crescidos. Os petizes haviam partido para parte incerta dentro de casa, sem pequeno-almoço, mas encantados.
Até que alguém encontrou Jaime. Este era a criança mais velha de todos que estavam naquela Natal. Escondido atrás da Árvore de Natal, que teimava em piscar, Jaime segurava algumas prendas, mas mantinha-se com um ar triste como se o Natal fosse assim uma espécie de frete.
De súbito pairou um silêncio tenebroso na sala. Foi o mais velho de todos que erguendo-se da sua cadeira e segurando-se à bengala aproximou-se do neto e apontando com a ponta do apoio, perguntou:
- Que estás aí a fazer?
Jaime nada disse. Gostava do avô, mas naquele instante sentia-se mais um estranho que alguém da família.
Perante o silêncio do menino o avô pegou noutra cadeira e sentou-se perto do neto. Depois segurou-lhe na mão que envolvia algumas prendas, puxou-o para si abraçando-o.
A restante família olhava aquele quadro com receio, mas outrossim com ternura. O velho Augusto nunca fora de carinhos e deste modo aquele momento parecia assaz invulgar .
- Jaime… já percebi que não recebeste algo que desejavas. Posso apenas saber o que falta nas tuas prendas?
O menino saltitou com o olhar entre pai e mãe que não passou despercebido ao avô.
- Jaime olha para mim. Os teus pais ainda não mandam aqui. Diz-me o que te faltou, se fizeres favor…