A primeira vez que o viu foi da janela do quarto de dormir. Ele passava do outro lado do passeio carregando uma mochila.
Ela percebeu que ele tinha cabelos longos, doirados, que quase tocavam os ombros. De passo sempre rápido como se estivesse atrasado só olhava em frente.
Um dia à tarde reparou nele, desta vez do jardim. Caminhava no passeio mais perto, mas mantinha o olhar em frente sem notar nela.
Durante meses ela vi-o passar de manhã e à tarde! Jamais lhe dirigiu uma palavra nem sequer um mero sorriso. No entanto apaixonara-se por aquele jovem de cabelos longos que olhava sempre em frente no seu caminho.
Um dia à tarde o jovem reparou na casa e no jardim... Muita gente de negro vestido passeava com solenidade por entre árvores e arbustos. Travou o passo e ficou a olhar aquele lugar onde, sem ele simplesmente imaginar, alguem vivera uma bonita e derradeira paixão! Por ele!
Em pé, à beira-mar perscrutava o horizonte onde dois azuis distintos se uniam. A maré apresentava-se baixa, muito baixa. As pequenas ondas lambiam-me os pés. Uma gaivota voou como que fiscalizando os banhistas!
De vez em quando avançava um passo no sentido do mar. Sentia o frio da água e por ali ficava largos minutos. Assim que o corpo se habituava à temperatura evoluía mais uns metros.
Com os braços cruzados sobre o peito despido… meditava!
Finalmente decidiu-se por penetrar totalmente no mar frio. As ondas chocaram contra si, mas ele continuou. Mergulhou no mar anil. Sentiu o frio obrigando a erguer-se. Respirou fundo.
Saiu do mar. O Sol batia-lhe nas costas com força e aquecia-o. No entanto nem o calor do astro-rei nem o frio do indomável mar lhe retiraram a dúvida que ali o trouxera. Dava voltas à cabeça, revolvia o espírito. Mas nada surgia que o ajudasse.
Virou-se para o manto azul, passou a mão pelo cabelo molhado para dizer para si próprio:
Olhou o relógio da enorme sala e notou aquela verticalidade dos ponteiros. Principiou a arrumar os poucos objectos da secretária, desligou o computador e apagou o candeeiro que iluminava o tampo.
Atrás de si num bengaleiro esticava-se um casaco, essencialmente devido ao peso das moedas que costumava trazer nos bolsos. Pegou neste e vestiu-o devagar como sempre o fazia.
No momento seguinte notou uma série de olhares que seguiam atentos os seus gestos. Fez de conta que não percebeu.
Por fim pegou na velha mala e sem emoção disse para quem o quis escutar:
- Bom fim de semana!
Dirigiu-se ao elevador e chamou-o para descer! Este chegou deu um toque e finalmente entrou. Porém alguém meteu a mão na porta e disse:
- Boa reforma! - e deu um beijo na face.
Na entrada principal os seguranças preparavam para lhe dar um abraço, mas ele apressou o passo repetindo o desejo:
- Bom fim de semana!
E desapareceu na rua.
Mais tarde alguém afiançou que algumas dezenas de metros à frente havia um homem sentado num banco a chorar!
Abraçados à beira-mar poisavam o olhar no horizonte onde o Sol após a luz branca, transformara-se em amarela e iniciando ora a sua passagem para laranja, para mais tarde desaparecer e dar lugar à Lua.
Eram jovens apaixonados e falavam baixinho para que o Mundo os não escutassem. Riam e conversavam coisas quase sem nexo. Ela, de vez em quando, passava as mãos pelo cabelo dele. O namorado acariciava os doirados da companheira e sorria.
Um momento idílico, perfeito daqueles para recordar para sempre.
Só que ela, como que picada por algum insecto, endireitou-se, pegou na face do jovem e olhando-o profundamente declarou com solenidade:
- Tenho algo importante para te dizer...
- Sim e...
- É uma coisa que deves guardar contigo para sempre!
- Um segredo?
- Sim e daqueles enormes - e fez um gesto com as mãos a exemplificar o tamanho.
- Então não o digas pois se me disseres deixa de o ser...
A jovem arregalou muito os olhos e deitou a cabeça devagar no ombro dele.
O Sol entretanto já desaparecera na linha do horizonte!