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Escrever mesmo que a mão me doa.
Sentiu que alguém lhe tocava no ombro ao de leve. Adormecera havia muito tempo. Abriu os olhos e reparou na hospedeira oriental que lhe sorria. Era um sorriso bonito mas fabricado. A assistente de bordo disse em inglês:
- Excuse me Mr Yong, we'll be landing shortly in Lisbon.
- Already? Thanks.
O asiático recostou-se na cadeira e apertou o cinto. Depois olhou pela janela a paisagem que consistia em mar e mais mar. Por fim começou a perceber a costa do Sol desde o Bugio até Belém. Um rápido pensamento:
- Como é bonita esta cidade!
Havia dez anos que partira da capital de Portugal. Por cá vivera e estudara. Licenciara-se em Economia e Finanças e percorrera diversos empregos, sempre de forma competente. A morte de um tio na China fizera-o regressar ao país do Rio Amarelo. Acabou por ficar numa altura que o país começava a abrir-se ao mundo. Regressava ao fim de dez anos, para abraçar um projecto de investimentos chineses em Portugal. E o seu conhecimento perfeito da língua era uma óptima mais-valia. Viajava em executiva com mais dois compatriotas que também falavam português. Haviam sido criados em Macau. Dez minutos mais tarde Heng Yong atravessava a 2ª circular em velocidade moderada devido à intensidade do tráfego, com destino ao hotel. Olhava à sua volta e percebeu que a cidade pouco mudara desde a sua partida. Havia o novo estádio do Sporting e mais à frente o novo do rival… de resto, tudo na mesma. Independentemente de tudo Heng adora Lisboa. Aqui crescera e se fizera homem. Era uma cidade com luz. E riu-se! Ainda falavam de Paris… Lisboa sim, era a cidade da luz! Já instalado no hotel Heng ligou o telemóvel e esperou que o aparelho carregasse os números. Por fim ligou:
- Boa tarde, é o senhor Gouveia?
- Sou, quem fala?
- Chamo-me Heng Yong. Acabei de chegar da China. Parece que é especialista em arranjar companhia… feminina.
- Bom dia, já sabia que chegava hoje, informaram-me. Sim, tenho algumas raparigas que podem ser do seu agrado. Para quando precisa?
Um silêncio. Respondeu o chinês:
- Para hoje à noite… Eu estou no Hotel Estoril Palácio. Pode vir cá trazer alguma?
- Claro. E mais…Tenho aí uma que é uma categoria… Mas é cara, muito cara…
- O seu preço é o meu preço. Diga-lhe para estar no Hotel às 8 e vestida a preceito para jantar. Como lhe pago?
- Quando for para pagar o jantar, estará na conta uma verba referente à companhia. Pagará à parte, se fizer favor.
- Claro. Como queira.
Desligou o telefone e ligou outro número. Desta vez falou em Mandarim e foi uma conversa rápida mas decidida. Depois chamou os amigos e saiu do hotel a pé. Encaminhou-se até ao Casino Estoril e esperou alguns minutos que aproveitou para rever aquele lugar que tanto gostava. Estoril era o Mónaco de Portugal. Ali se poderia ver uma sociedade próspera, se bem que não fosse só à conta de trabalho. Olhou para o Casino na sua imponência e beleza e perguntou a si próprio quantas fortunas ali se haviam desbaratado. Ele não era um chinês típico porque não gostava de jogar enquanto os seus compatriotas gastavam o que tinham e não tinham em jogo. Um Bentley preto quase novo parou a seu lado. Os vidros das janelas abriram e ele reconheceu o seu contacto. Estendeu a mão para dentro do vidro dizendo:
- Estás na mesma Nunes, estás na mesma.
O Nunes saíu do carro e ambos se abraçaram em público. Havia dez anos que não se viam. Disse Yong:
- Quando me disseram que era o Augusto Nunes que estava metido neste negócio, nunca pensei que fosses tu. Mas ainda bem que me enganei.
O outro ria também. Porém era um riso quase cínico. O Augusto da faculdade não era o mesmo de agora. Mudara muito. Mas Heng não sabia, nem tinha que saber…
- E como estás tu? Casaste, tens filhos…?
- Casei-me mas ao fim de um mês apanhei-a com outro na cama…
- Um mês? Mas que coisa…
- Ela pensava que me deitava a unha e me sacava o dinheiro… Vive agora longe.
Esta última frase fora dita como de uma sentença se tratasse. O amigo não fez mais perguntas mas Nunes acrescentou:
- Vive na ilha açoriana do Corvo… Para sempre. Depois dela não voltei a casar. Tenho uma namorada que dorme comigo, leva uns tabefes quando se porta mal ou não faz o que mando, enfim … estamos bem.
Heng não gostou do que ouviu. Não obstante ser oriental, respeitava as mulheres como poucos ocidentais e mesmo as que lhe faziam companhia esporadicamente eram tratadas principescamente. E nunca obrigadas a fazer o que não queriam. Finalmente avançou:
- Temos negócios a tratar.
- Pois temos entra, falamos melhor lá dentro.
José da Xã
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