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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Hoje convido eu! #4

A desafiarem-me!

A troca de mensagens por correio electrónico com a Maria do Cantinho da casa originou na frase "Pai, isso pode ser demais..." e para a qual escrevi o texto seguinte.

Orlando era um homem bom! Amigo do seu amigo dedicava à palavra acordada um sentido muito especial: jamais voltava atrás!

Naquela noite após o jantar chamou o genro para o lado e disse quase em surdina:

- Preciso de si amanhã de manhã. Pode ser?

O genro adorava o sogro e logo respondeu afirmativamente. Como o velho Orlando não dera mais nenhuma resposta, Júlio avançou:

- Que se passa amanhã?

- Apareceu hoje aí um homem que me quer comprar o pinhal....

- O da quinta do Espinheiro?

- Esse mesmo! Mas eu só quero vender uma parte. Os de cima da encosta estão ainda muito delgados.

- A que horas vamos?

- Logo pela fresquinha.

- Conte comigo.

Na alvorada seguinte caía uma chuva fina de vez em quando sacudida por um vento feroz. Encontraram-se ambos na cozinha onde tomaram o pequeno almoço, calçaram depois os botins de borracha e partiram a pé.

No caminho foram falando de fazendas, de pedaços bons e outros nem por isso, de heranças.

- Herdei a pior parte de todas da enorme quinta... Mas hoje é a que vale mais.

Júlio fugiu de uma poça de água com um salto para logo regressar ao lado do sogro. Este manteve a conversa da fazenda.

- Quanto acha que vale a Quinta?

- Ui... não me faça essa pergunta...

- Porquê?

- Porque posso dar uma resposta que não gosta...

- Caneco, só por perguntar quanto vale uma fazenda? Mas diga lá a sua ideia...

- Para mim a quinta... bom como hei-de dizer...

- Eh pá desembuche...

- Bom, já que tanto insiste... a quinta... não vale nada!

Orlando parou subitamente no meio do caminho, fechou o chapéu de chuva e deu meia volta ficando virado para a aldeia. Depois rodou nos calcanhares olhou o jovem genro e enfiando o dedo na têmpora quase gritou:

- Você é maluco? Sabe o que está a dizer? - abriu o guarda-chuva e continuou o caminho sem dizer mais nada nem aguardar resposta.

Júlio aproximou-se do sogro e com a maior calma que conseguia demonstrar disse:

- Você não percebeu a minha resposta...

- Não percebi?

- Não! Eu não disse que a quinta não tinha valor, apenas assumi que agora e neste instante não vale nada... O que não quer dizer o mesmo.

- Ai não?

- Não. Mas vou explicar como deve ser e depois me dirá.

O outro continuava a andar agora num passo quase apressado tal era a raiva que sentia à resposta obtida.

- Todavia primeiro deixe-me fazer só mais uma pergunta... - e não esperando pela resposta continuou - você quer vender a Quinta neste momento?

- Você está parvo... Claro que não... 

- Ora muito bem. Assim as coisas só valem alguma coisa quando as queremos vender ou então comprar. Fora disso não valem nada! Pense nisso!

- Você não percebe nada disto! - devolveu o sogro.

Não voltaram a falar até à chegada ao portão da quinta. Já lá estava o prometente comprador que viera acompanhado pelo filho. O primeiro era um homem de muita idade, mas ainda assim dono de um passo ligeiro e de olhar vivo. Cumprimentaram-se os quatro homens e foram visitar o pinhal.

De volta ao portão começaram os mais velhos a discutir o preço enquanto os mais jovens se entretinham em conversas diferentes.

A negociação não parecia estar a correr pelo melhor já que se percebiam algumas negações, quando de súbito Orlando chama o genro e pergunta:

- Aqui o senhor Horácio oferece cinco mil contos pelo pinhal! Que me diz?

Júlio pouco entendido neste género de negócio respondeu:

- Parece um bom valor!

Já o filho do madeireiro ao ouvir o valor oferecido aproximou-se do pai e de olhos bem abertos, avisou:

Pai, isso pode ser demais...

Confissão

Ela olhava-o com aquela ternura que o meio século de casamento obrigava. Os olhos dele mantinham-se fixos em lugar nenhum. Sem expressão, frios, longínquos.

Sentado num velho sofá tinha uma manta a aconchegar-lhe as pernas inertes. Os sucessivos AVC's haviam-no atirado para aquele marasmo e imobilidade.

Sentada à sua frente, a mulher passava a colher numa espécie de papa que lhe punha na boca e que ele engolia, provavelmente sem saber.

- O que eu não dava, homem, para ouvir de ti uma palavra. Uma só que fosse.

Continuava a passar a colher na papa e a depositá-la na boca.

- Tu que eras tão tagarela, tão falador... que me disseste tantas vezes que me amavas...

Mais uma colher.

- Não sei se me ouves ou não. Os médicos dizem que não. Estou a falar para ti como se estivesse a falar para mim, mas não sei se me escutas... Gostavam tanto de saber!

Limpou-lhe a boca suja com doçura e carinho..

- Ao fim de todos estes anos só agora sou capaz de te dizer que te amo. E também sei que gostarias de me ouvir dizer isto.

Baixou lentamente a cabeça para o prato de papa, que continuava a mexer.

Por isso não viu uma simples lágrima cair no regaço do marido.

Hoje convido eu! #3

A desafiarem-me!

Num comentário o meu amigo Manuel dono deste recente blogue lançou a ideia "A vida é uma doença incurável" para mais um escrito. Desde aquele dia a cabeça anda num turbilhão para dar a volta ao desafio.

Que ficou como segue:

 

Assim que introduziu a chave na porta nem necessitou rodar pois aquela abriu-se de repente, surgindo a D. Hortense naquele seu vozeirão de pregão de rua e braços no ar para o abraçar e pespegar-lhe diversos beijos repenicados enquanto dizia:

- Parabéns doutor Olímpio, muitos parabéns! Já soube da novidade! 

- Ei… ei… ei… D. Hortense, calma aí… como me chamou esta manhã?

A antagonista parou, franziu o sobrolho como lhe surgisse uma dúvida e respondeu:

- O… Olímpio!

- Muito bem… e porque me chama outra coisa?

Fez-se luz na senhoria gorda e simpática…

- Já percebi… Mas o que quer que jhe diga? Fez-se Doutor… tenho de o tratar assim.

Olímpio fez um gesto quase de enfado para ela regressar:

- Foi assim com os outros… há-de ser consigo também…

- D. Hortense… oiça… eu agradeço, mas não sou diferente da pessoa de hoje de manhã… Compreende?

- Compreendo… - baixou então os olhos, pegou no sujo avental e levou-o à cara.

O estudante fechou a porta atrás de si e seguiu-a até à cozinha onde numa velha cafeteira fervia café. Olímpio abraçou a dona do quarto onde nos últimos cinco anos passara os dias e as noites e confessou:

- Fui rude consigo, mas eu só quero que entenda que sou a mesma pessoa. Com ou sem curso. Vá não se zangue comigo. Até porque amanhã parto para a aldeia.

- Já amanhã?

- Sim, claro! Acabou-se a faculdade… agora tenho de ir em busca de sustento e não posso gastar mais dinheiro aos meus pais.

- Ó Do… Olímpio… pode ficar mais uns dias… Eu não vou alugar o quarto tão depressa.

- Agradeço, mas preciso de descansar e de estar com a minha família. Tenho saudades, sabe?

Hortense retirou a cafeteira velha e negra do fogão sujo, colocou-a em cima de um descanso para depois confessar:

- Nunca cá tive um estudante como o Do… menino!

- Oh simpatia sua D. Hortense. Há aí pessoal bom para além de mim… - defendeu o licenciado.

- Está a brincar, não menino?

- Nem por isso… É o que eu sinto…

- Pois sente mal. Estudava tanto que não via mais nada.

- Tinha de ser…

- Por isso não viu as vezes que muitos dos seus colegas chegavam tarde e a más horas completamente embriagados…

- Soube de alguns… Gostavam mais de gozar a vida que estudar!

- Diz muito bem… gozar a vida! Mas os outros é que cá ficam para limpar essa vida… de boémia.

O tom de voz da arrendatária subiu de tom para uma contida revolta. Entretanto o jovem tentava apaziguar o espírito da senhora.

- Pois… é verdade o que diz D. Hortense.  Mas sabe… tive um professor que disse a determinada altura que a vida é uma doença incurável.

A senhora voltou-se para o jovem e de dedo em riste atirou:

- Incurável disse o professor?

- Sim!

De súbito a dona Hortense, dona de uma casa onde alugava quartos a estudantes sacou do peito de um enorme e grosso fio de ouro que terminava numa caixa que abriu e apresentou a Olímpio. Este olhou para dentro da caixa e viu a fotografia a preto e branco de um jovem.

- Também este meu filho gozou a vida quanto quis! A tal que lhe disseram que é incurável… Mas um dia a Morte veio e curou-o.

Fechou a caixa de ouro e concluiu:

- E para sempre!

 

Reencontro com o Natal

Resposta a este desafio

Os dias que antecederam aquele Natal foram de enorme azáfama para que à hora tudo estivesse impecável e não houvesse falhas. Havia casado ainda naquele ano e aquele seria o primeiro Natal das duas famílias.

No dia da consoada, pela manhã, Lurdes recebeu um inesperado telegrama dando conta da ausência do seu irmão, no jantar. Invocou uma desculpa qualquer que não satisfez a anfitriã. Mais tarde recebeu uma chamada da mãe a desculpar-se com uma dor (que provavelmente não teria) para faltar também ao jantar.

Lurdes percebeu a ideia e a artimanha, mas nada disse ao marido. Já muito perto da hora da consoada comunicou a ausência da sua família. Todos os presentes lamentaram, mas Lurdes preferiu assim! Sabia das razões das faltas. Mas esse seria um assunto só dela.

No ano seguinte voltou a convidar os sogros, mas não a sua família. Na noite de consoada tocou o telefone. Era a mãe:

- Boa noite, ainda estás viva?

- Boa noite mãe. Sim estou… porque quer saber?

- Há um ano que não falas nem apareces…

Lurdes manteve-se em silêncio aguardando que a mãe continuasse:

- A que horas é hoje o jantar?

- Mas quem a convidou?

A mãe parecia não esperar a questão. Voltou à conversa:

- Estás a dizer que não posso ir jantar a tua casa?

- Claro que não… Deve ter aí uma dor qualquer para ser tratada… Portanto trate-se… As melhoras!

Colocou o auscultador no descanso para logo a seguir o levantar, poisando-o ao lado evitando receber mais chamadas.

Certo é que a partir dessa noite nunca mais soube nada dos pais nem do irmão, nem nunca mais decorou a casa com enfeites natalícios, mesmo com a presença das três filhas.

O Natal tornou-se assim numa época em que Lurdes aproveitava para ir passear com as filhas para longe da cidade. Adquirira uma casa numa aldeia perdida entre serras e vales e por ali ficava até que as crianças iniciassem na escola.

Tempos que Lurdes nunca explicou às descendentes as verdadeiras razões, mas sempre que o assunto era aflorado ela tentava desviar-se do tema. Tinha consciência que para as crianças viver a época de Natal seria uma alegria e as suas estavam impedidas disso.

II

- Mãe, temos de conversar.

- Ui pelo teu tom de voz a coisa parece grave.

. Não sei se é grave, mas tenho um problema que tenho de resolver e necessito de si.

Lurdes virou-se para a filha segurando-se à bengala que assumira após o acidente de carro e perguntou com ar de preocupada:

- O que se passa Isabel?

A filha mais velha olhou a mãe nos olhos, agarrou-a pelos ombros e perguntou:

- Explique-me esse seu ódio ao Natal… O que lhe fizeram para sentir esse rancor?

Lurdes baixou o olhar para o chão para esconder uma lágrima. Depois respirou fundo e reencontrando o olhar da filha:

- Tudo começou há muitos anos… tinha eu acabado de casar com o teu pai!

Foram longos minutos onde Lurdes desfiou um imenso rosário de tristezas, lágrimas, dúvidas e algum arrependimento. Isabel tapava a boca de espanto sem pronunciar uma só palavra. Apenas escutava.

- Agora diz-me Isabel como te sentirias se eu tivesse feito a ti o que fizeram a mim?

- Mãe… sinceramente… não sei! Logo no Natal…

- Quando toda as pessoas falam em paz a tua avó criou a guerra, quando se diz que é o tempo de dar aos outros a tua avó retirou-me o mais importante… Portanto… ficou este tempo sozinha e com os amigos dela.

- Não sejas injusta…

- Injusta eu?

A filha embrulhou os ombros nada dizendo, para a mãe continuar:

- Tinha 22 anos, estava a estudar e obrigou-me a casar com o teu pai e ainda bem acrescento, só porque me apanhou com ele na cama. Casei rapidamente para calar as bocas das coscuvilheiras amigas da minha mãe… Ainda por cima não gostava do teu pai... Provavelmente desejaria para genro algum dos filhos parvos das amigas...

- Mas isso não é razão para nunca mais se comemorar o Natal. Imagina o que eu tive de inventar quando me faziam perguntas na escola?

- Acredito filha, mas o Natal deixou de fazer sentido para mim! Lamento imenso Isabel o que passaste…
- O problema é como vou explicar ao Rui esta ausência… ele não irá perceber!

- Acredito que não…

Depois um silêncio para a seguir:

- Mas podes ir ao sótão, ao fundo debaixo de uma velhas mantas está uma caixa grande com muitos enfeites. Trás para baixo e pede-lhe que te ajude a montar a decoração na casa.

- Ó mãe… isso seria… simplesmente maravilhoso! Posso ir?

- Podes filha… podes!

III

Num ápice uma alegria desmesurada entrou em casa. O avô Artur não entendia o que se estava a passar quando viu o seu neto Rui com um conjunto de fitas de Natal a correr pelas divisões. Parou de conversar com o genro para tomar consciência do que via.

Regressou ao diálogo quando a esposa apareceu e lhe disse:

- Artur é tempo de ires buscar uma árvore de Natal…

O marido olhou o relógio e perguntou:

- Estás a ver que horas são? Está tudo fechado a esta hora!

Lurdes ergueu a bengala e apontou para lá da janela.

- Na tua oficina está uma árvore de Natal que eu vi trazeres. Como sabes que não vou lá…

O marido passou a mão pela calva e devolveu:

- Tu és terrível… sabes tudo!

- Não sei não! Só que estou atenta. E uma mulher atenta é uma mulher vencedora!

Artur virou-lhe as costas e saiu em busca da árvore de Natal que escondera na sua velha oficina. Quando regressou deu conta da chegada das suas duas filhas mais novas.

- Viva meninas!

- Olá pai… - sem mais nada para além do costumado beijo ambas perguntaram – o que é isto? – apontando para os enfeites natalícios.

Artur sorriu e devolveu:

- Um milagre chamado Rui!

- E a mãe sabe?

- Foi superiormente autorizado por ela!

As filhas riram dos termos do pai e correram em busca do sobrinho, da mãe e da irmã enquanto Artur com a ajuda do genro montavam o pinheiro verde repleto de luzes e bolas. Finalmente o genro perguntou em surdina:

- O que se passou aqui?

O sogro explicou-lhe rapidamente e o genro devolveu:

- O que foi feito dos seus sogros… Já devem ter morrido. Certo?

Nesse instante a campainha da porta soou pela casa. Artur respondeu então ao genro:

- Com muita idade ambos, mas estão a chegar!

- Ui não quero perder esse reencontro!

- Nem eu!

E riram ambos!

Hoje convido eu! #2

A desafiarem-me!

Desta vez calhou em sorte à Maria que logo no dia seguinte ao ter publicado o meu primeiro texto deste desafio, apresentou esta bela frase: Não sou daqui. Sou de todo o lado!

Logo ali fiquei com mais um desafio para escrever! Que segue abaixo...

 

Era uma daquelas noites de forte invernia. Justino caminhava devagar pois a chuva mal deixava ver o trilho à sua frente. Um pé escorregava de vez em quando na lama quase fazendo perder o equilíbrio, outras era aquela pedra que fugia sob os pés cansados

Partira da sua aldeia havia muitas semanas. Perdera-lhe o conto do tempo e dos quilómetros caminhados.

Assim que entrava num povoado procurava trabalho por troca de cama e comida. Não queria dinheiro. Só viveres. Dois, três dias e logo partia para mais uma jornada. Tanto poderia ser de muitos ou poucos quilómetros.

Mas aquela noite estava terrível. Ao longe pareceu ver finalmente uma ténue luz. Foi-se aproximando tanto quanto a chuva e o vento deixavam para aquela tornar-se mais visível para seu contentamento.

Era um velha e isolada casa de pedra granítica. Lá dentro pareceu escutar vozes de adultos e também de crianças. Desde que partira não voltara a rapar a barba e por vezes tinha um ar assustador. Já para não falar do próprio fedor que tresandava e ao qual o seu nariz já se habituara

Sem fazer barulho ao aproximar, bateu à porta de forma suave.

- Quem é?

- Um pobre viajante!

Escutou um ferrolho correr, abriu-se a porta para dar de caras com um homem que teria quase o dobro do seu tamanho. Mas não teve medo e estendendo a mão ao chapéu encharcado cumprimentou:

- Boa noite senhor, desculpe incomodá-lo a esta hora, mas não terá um estábulo onde possa ficar por uma noite?

O anfitrião desviou-se e sem dizer uma palavra apontou a lareira onde ardia um lume forte e acolhedor.

- Agradeço, mas estou imundo e não pretendo sujar a casa.

Foi a vez do dono falar:

- Faça o favor de entrar. Somos pobres, mas nunca se recusa a guarida a um viajante. Ainda por cima numa noite destas.

Justino olhou para o ambiente e pareceu-lhe um lar feliz. A senhora saiu do lume e aproximou-se da visita.

- Quer tomar um banho? Fazia-lhe bem… Vou por uma panela com água a aquecer…

- Não minha senhora, obrigado. Não pretendo dar trabalho e muito menos estragar a paz desta casa.

- Por aqui são raras as pessoas… - acrescentou a esposa – Portanto há que tratar as visitas com alguma cerimónia.

Sem esperar uma resposta chamou por uma menina que parecia ler um livro e pediu-lhe ajuda.

Justino entrou na casa e o seu olhar fotografava tudo. Poucos móveis, mas o que existia estava quase imaculado. A lareira enorme debitava um calor forte e acolhedor tendo de lado uma enorme panela de ferro já com água. Ao redor daquela quatro, bancos de madeira onde agora apenas se sentava um rapaz de uns 10 anos.

- Sente-se meu caro. Paga o mesmo!

- Obrigado meu amigo, mas esta tempestade apanhou-me desprevenido.

- Isso acontece-me muita vez… - desabafou dando uma sonora gargalhada.

O menino olhava o estranho, mas ainda não dissera uma palavra. Aguardava a melhor altura para o questionar.

O silêncio imperou na sala acolhedora até que a dona retirou a água quente para um jarro de loiça, convidando:

- Pode vir comigo se fizer favor.

O viajante Justino ergueu-se e seguiu a anfitriã. Passaram uma porta e entraram num corredor onde percebeu outras portas. Logo na primeira da esquerda a senhora parou e indicou-lhe o local onde deveria tomar banho.

Baixou do tecto um velho chuveiro onde deitou a água quente, para no fim avisar:

- A água está muito quente, pode com aquele jarro que tem fria atenuar…

- Oh… obrigado… eu conheço o sistema!

Antes de fechar a porta a mulher disse:

- Em cima daquela mesa há roupas lavadas que foram do meu irmão. Devem-lhe servir! E naquela bacia há uma navalha, pincel e sabão se pretender rapar a barba.

Depois sem esperar qualquer agradecimento fechou a porta atrás de si.

Decorreu muito tempo até que Justino reaparecesse na sala quente. Do homem que viera da chuva apenas restava o olhar atento e a voz serena.

- Ena temos um homem novo – clamou o dono da casa ao vê-lo surgir.

- Nem parece o mesmo… senhor… - acrescentou a esposa.

- Justino… Justino da Conceição…

- Senhor Justino… Vá sente-se aqui perto de nós.

- Não quero incomodar…

- Não incomoda… E agora coma… tem aí pão, chouriço e uma taça de vinho…

- Ena tanta comida.

O viajante perante o repasto não se fez rogado e foi comendo com calma. No fim agradeceu:

- Foram muito amáveis…

Foi a vez do patrão falar:

- Diga-me o que faz por estes lados, onde Deus perdeu as botas?

- Viajo! - e após uma breve pausa acrescentou - Sem destino.

- Sem destino? – a pergunta veio finalmente do rapaz.

- É verdade! Sem destino…

- O que o leva a caminhar assim? – insistiu o jovem agora deveras interessado.

- Boa questão menino…

- Gualter…

- Mas não sei explicar… Um dia cansei-me da vida do campo e parti de casa, vai para muito tempo.

Finalmente a pergunta sacramental:

- É daqui destas zonas? – questionou o pai.

- Não sou daqui, mas sou de todo o lado!

- Como assim… de todo o lado?

- Porque todos os lados são bons sítios para se… ser! Basta que queiramos… ser dali!

- Não percebi – avançou o rapaz.

- Pois não, é natural… Tu és daqui! – e pela primeira vez em muitos meses Justino sorriu com vontade.

Ernesto!

Resposta a este desafio

Naquela manhã fria de fim de Outono, a professora Sofia entrou na escola primária com uma ideia. À hora costumada penetrou na sala, trazendo atrás de si os pequenos alunos. Estes foram-se distribuindo pelas costumadas carteiras e aguardaram que a professora iniciasse as lições.

- Bom dia crianças!

- Bom dia professora Sofia - respondeu a turma em uníssono.

- Ora bem... aproxima-se o Natal, não é? Portanto vou pedir que escrevem sozinhos ou com a ajuda de familiares ou amigos o que é para vocês esta quadra, o que é para vocês o Natal. Para a semana começam as férias e eu gostaria de saber as vossas ideias.

Um breve reboliço correu a sala. Todos as crianças agitaram-se com a palavra Natal, exceptuando Ernesto que ficou tal como estava sem qualquer reacção. A professora notou a indiferença, mas aguardou pelo texto do aluno.

- Não é preciso escrever muito... mas acima de tudo sejam sinceros! E agora vamos à aula!

Três dias mais tarde Sofia aproximou-se da Henriqueta, directora da escola, e levando um papel na mão solicitou:

- Podes ler esta redacção, se fizeres favor?

- Agora?

- Sim agora... Não demorará mais que um minuto.

A professora veterana pegou e foi lendo em voz alta:

"Não sei o que é o Natal! Nem sei para que serve. No ano passado foi um dia igual aos outros. O meu pai embebedou-se, a minha mãe embebedou-se. Ralharam muito um com o outro. Depois ralharam comigo. O meu pai deu-me um estalo. A minha mãe deu-me outro. Eu fugi a seguir para casa da minha tia. Até acabar o Natal.

Eu não gosto do Natal."

De voz embargada pelo emoção do que acabara de ler, Henriqueta estendeu o papel a Sofia e foi dizendo:

- Isto denuncia maus tratos! É necessário fazer queixa às autoridades...

Sofia pegou na redacção, dobrou-a e declarou:

- Posso tomar este assunto nas minhas mãos?

- Para mim tudo bem... Tu é que sabes o que tens em mente...

No dia seguinte quando a escola terminou, Sofia apressou-se para seguir o seu aluno. Manteve uma distância, o suficiente para não o perder de vista e percebeu como aquela criança lidava com o que o rodeava. Caminhava devagar como se não pretendesse ir para casa e metia-se com qualquer canito através de uma festa ou um assobio que alegrava os animais. Saiu do povo e optou por uma vereda estreita rodeada de folhagem verde e quase luxuriante.

Ao fim de um bom bocado Sofia percebeu uma velha casa de pedra com um telhado em mau estado e demasiado lixo em redor. Ernesto não entrou por o que parecia ser a porta principal e contornou a casa. Sofia decidida aproximou-se da frente e enchendo-se de coragem, sem saber bem o que veria, bateu à porta com força. De dentro escutou um berro masculino:

- Quem é?

- Sofia... a professora de Ernesto.

Um silêncio e um estranho alvoroço dentro da casa. Finalmente uma voz feminina respondeu:

- Entre... que a porta está sempre aberta!

Sofia entrou para dar de caras com uma mulher gorda e desleixada e um homem de camisa de flanela meio rasgada. Mas nada de Ernesto. Pairava no ar um cheiro pestilento onde se misturava  vinho, gordura, sujidade. No centro da mesa uma garrafa meio cheia de vinho. Pensou em tapar o nariz, mas a raiva ao casal fez ganhar ainda mais coragem.

- O vosso filho mostrou-me este papel que ele escreveu a meu pedido...

- E depois? Escreveu mal... ensine-lhe! - berrou o pai visivelmente embriagado.

- Não escreveu mal... Pelo contrário até escreveu bem. Bem demais!

A mãe dirigiu-se para o que parecia ser uma cozinha e pôs-se a lavar a loiça, sempre olhando a professora por cima do ombro. Sofia continuou:

- O que está aqui escrito pela mão de Ernesto é o suficiente por vos colocar a ambos na cadeia...

O homem deu um salto da mesa e dirigiu-se à jovem professora em tom ameaçador:

- O que é que aquele inútil escreveu... deixe ver! - e tentou retirar o papel.

A professora escondeu a ameaça e respirando fundo perante a gritaria devolveu:

- A directora da escola já tem conhecimento de tudo. E das duas uma: ou vocês começam a tratar como deve ser do vosso filho ou irão passar o Natal na prisão.

Foi a vez da mãe vir em socorro do marido:

- Nós não fizemos nada... Ele está a mentir com todos os dentes que tem na boca.

A jovem recuou até à porta e voltou a ameaçar:

- Se eu souber que um de vocês toca no Ernesto, juro que não irão gostar do vosso Natal!

Saiu fechando a porta. Afastou-se para mais à frente perceber que não estava sozinha. Imaginou que seria o aluno, mas fez de conta que não dera por nada. Quando a vereda estava próxima da estrada principal saiu-lhe ao caminho... a mãe!

- Senhora... d... d... desculpe!

- Que quer? - perguntou com azedume.

- O mê home está desempregado... e não temos nada... somos pobres.

- A sério? Mas para o vinho há dinheiro...

A mulher suja e desgrenhada ajoelhou-se aos pés da professora, mãos em prece, lágrimas em torrentes pela face.

- Leve o meu menino consigo. Dê-lhe um Natal que jamais se esqueça, mas não faça queixa da gente... Eu vou falar com o mê home! Prometo.

A professora sentiu naquelas palavras de mãe um arrependimento, mas faltava muito ainda para que o menino tivesse uma vida decente. Pegou no braço da mulher e disse:

- Diga ao Ernesto que estou aqui à espera dele. Até recomeçar a escola ficará comigo. Mas depois virei aqui... e se vir aquela estrumeira e a garrafa de vinho no centro da mesa, entrego o papel na polícia. Agora parta e mande-me o rapaz. Depressa.

Trinta anos mais tarde Ernesto aproximou-se de mansinho de Sofia colocou os braços ao redor do seu pescoço e beijando o cocuruto cinza, perguntou-lhe:

- Mãe o que é para ti o Natal?

O Avô Natal

Resposta a este desafio

Olhou o vetusto relógio que nunca dormia nem necessitava de corda, estrategicamente colocado num corredor de pedra, do velho castelo e percebeu que o patrão ainda não aparecera nessa manhã. Era a primeira vez que o São Nicolau não acordava primeiro que toda a gente.

Era véspera de Natal e o velhote atrasara-se.

O secretário do Pai Natal era um homem assaz baixo, muito gordo, caminhando com passos rápidos e curtos. Talvez por isso parecia que corria ou rebolava e daí ser conhecido entre todos pelo Rebola. De farta barba cinza, havia no Castelo quem jurasse a pés juntos que o secretário era mais velho que o próprio Pai Natal, contudo ninguém tinha coragem de lhe perguntar a idade. Sempre pronto para uma boa briga com o pessoal, só o São Nicolau conseguia dizer-lhe ou pedir coisas sem escutar dele uma só palavra de azedume.

Naquela manhã Rebola aproximou-se preocupado do quarto do Pai Natal e encostou as suas enormes orelhas à porta. Não ouvindo qualquer barulho começou a clamar pelo patrão de uma forma muito peculiar. Iniciou a arranhar com as sujas unhas a porta do quarto enquanto chamava:

- São Nicolau… São Nicolau…

O silêncio manteve-se. Então o idoso secretário encostou as suas mãos sujas ao puxador e rodou devagar. O trinco mexeu-se até que fez aquele costumado som da lingueta a correr deixando finalmente a porta aberta.

Pé ante pé, Rebola aproximou-se da cama do Pai Natal! Para finalmente o encontrar de bruços na esteira.

- Pai Natal, Pai Natal – chamou em voz alta rebolando-o. Parecia inanimado… Ou seria que estava… a dormir!

xxx

Na neve alva e funda percebia-se um rasto de pegadas que se dirigia para o Bosque Encantado. Rebola corria o mais que as pequenas pernas deixavam. De vez em quando parava para retomar fôlego. Até que chegou ao seu destino.

Era uma velha barraca naquela altura quase toda rodeada de neve. Todavia da chaminé saía um fumo espesso e cinzento. Com alguma dificuldade aproximou-se da porta de madeira à qual bateu com força. Ao fim de um bom bocado a porta finalmente abriu-se e surgiu um homem enorme, muito mais alto que o Pai Natal, de uma barba tão comprida que ultrapassava a própria cintura.

- Bom dia São Lau…

O anfitrião tossiu um pouco e depois perguntou:

- Quem és tu?

- Já não me conhece? Sou o secretário do pai Natal. Sou eu que faço as encomendas das crianças para depois o São Nicolau ir distribuir..

- Tu és o Rebola?

O outro fico furibundo com a pergunta, mas foi respondendo:

- Sim…

- Entra então… que aí está frio.

O pequeno homem entrou e correu para a lareira para se aquecer. Depois disse:

- Preciso da sua ajuda!

- Da minha ajuda? Para quê?

- O São Nicolau… o seu filho adoeceu hoje de manhã e até à hora que sai do Castelo ainda não se tinha levantado da cama. E preciso que ele se despache pois as crianças estão à espera dele… 

- Mas onde andou esse mariola para ficar assim?

- Isso eu não sei São Lau, mas que preciso de si para o substituir, é verdade…

- Olha’meste agora! Então não querem lá ver que tenho a consoada estragada?

A coisa parecia estar complicada e o secretário Rebola já estava a imaginar as noticias no dia seguinte:

Pai Natal falha entregas

Onde andará o Pai Natal?

Para os mais sensacionalistas afirmarem sem certezas:

Pai Natal apanhado pelo covid

Pai Natal preso por aliciar crianças

Rebola estremeceu só de pensar. Não lhe apetecia ir novamente para a neve, mas teria de arranjar maneira de levar o avô Natal com ele. Puxou da sua postura que sempre mostrava aos seus súbditos no castelo para ordenar:

- São Lau pegue nas suas coisas e siga-me faxavor! Não tenho tempo para birras de menino. Vá, vamos lá.

Colocou-se a trás do velho e empurrou-o com força. Só que este devido ao peso e ao tamanho não se moveu um milímetro, para finalmente dizer:

- Tu és aborrecido… sabias?

- E você um parvo…

O outro enfureceu-se e quis correr atrás de Rebola que mesmo com passos pequeninos conseguiu fugir para a rua onde o seguiu.

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A perseguição durou até ao castelo onde finalmente o velho Lau entrou e procurou o filho. Chegado ao quarto encontrou o seu infante deitado na cama, mas acordado. Aproximou-se e naquele tom rude perguntou:

- Então isto são horas de estar na cama na véspera de Natal?

O outro gemeu e admirado e ver o pai, respondeu:

- Estou doente… que faz aqui meu pai?

- Vou fazer o trabalho que te competia.

Entretanto Rebola aproximou-se do Pai Natal e disse baixinho:

- Desculpe ter ido buscar o seu pai, mas o problema não é as crianças ficarem sem prendas…

- Ai não? – intrometeu-se o mais velho.

- Não…

- Então qual o problema?

- São as crianças deixarem de acreditar em vocês.  Já imaginou uma criança sem qualquer crença no Pai Natal? Era uma tristeza.

O velho Lau respirou fundo, percebeu a dica e finalmente ditou a sentença:

- Uma coisa é certa… posso ir… mas vou vestido de azul! Nada dessas cores encarnadas...

Rebola sorriu sozinho, esfregou as mãos, virou as costas a ambos e foi carregar os trenós de prendas!

Hoje convido eu! #1

A desafiarem-me!

Introdução

Os diversos exercícios de escrita em que participei obrigaram-me a puxar da imaginação para responder aos ditos. Acabados aqueles tenho tido alguma dificuldade em imaginar novas estórias. Foi num breve rasgo de alguma lucidez que me veio à ideia convidar outros bloguers a desafiarem-me apresentado uma simples frase, uma palavra ou até um tema e sobre o qual irei escrever.

Tentarei que este exercício dure pelo menos um ano, sendo que será publicado a cada dia um de cada mês um texto novo!

Começo com a Ana D. que me apresentou a seguinte frase: Como são grandes as coisas pequenas!

Eis o que saiu.

 

Quando o pai o chamou há muito que estava acordado. Aquele dia seria certamente diferente, pois cumprir-se-ia a promessa que o avô lhe fizera no dia em que fizera 13 anos.

- Um destes sábados o teu pai que te leve à minha humilde oficina. Penso que gostarás de a visitar…

O velho Arthur, com agá como sempre o seu pai escrevera o seu nome, tornara-se um dos maiores mestres de relojoaria do país. Havia mesmo quem teimasse que seria um dos melhores do Mundo, ao que ele respondia sempre ao elogio com uma graçola tentando não dar valor.

- Serei um pouco mais empenhado que os outros… sei lá – desculpava-se sempre a sorrir.

Todavia o rapazito olhava para o avô com aquele olhar de admiração, como se o antecessor fosse uma daquelas estrelas de música que ele costumava ouvir repetidamente.

Agora a promessa iria ser cumprida e a excitação que sentia era tremenda. O pai estacionou o carro e após uns minutos a andar por ruelas apertadas pararam a uma porta pequena. Como por magia a porta abriu-se e o avô surgiu vestido de uma bata negra e um boné.

- Ora quem está cá – e estendendo os braços – dá cá um desses bem apertados.

O rapaz não se fez rogado e abraçou o avô dizendo:

- Obrigado por me deixares aqui vir…

O velho sorriu para o filho e devolveu:

- Tu és mais dono disto que eu… Vá entra… cuidado é com os degraus.

A loja descia um lance de escadas para dar num longo corredor parcamente iluminado. O som de alguns relógios a trabalhar dava ao local um toque de magia.

- Uau… que fixe! – os olhos do adolescente não paravam.

Foi a vez do pai falar:

- João toma cuidado… há aqui peças muito frágeis…

O velho Arthur virou-se para o filho e convidou:

- Que tal ires até casa enquanto o João fica comigo todo o dia.

- Pai isso talvez seja demais…

O mestre virou as costas ao filho e seguiu o neto que repetia enquanto olhava a quantidade de aparelhos espalhados pelas velhas paredes da loja:

- Que fixe avô! Que fixe…

- Isso quer dizer o quê? – pouco familiarizado com uma linguagem mais jovem.

- Quer dizer… quer dizer…

- Falta-te a palavra?

- Sim, falta.

- Deixa rapaz que eu já entendi.

E passou a mão pelo cabelo espesso do neto.

Por fim foi mostrando alguns aparelhos:

- Este é um velho relógio de ponto. Os trabalhadores sempre que entravam ou saíam tinham de passar um cartão por esta ranhura e carregar nesta patilha que marcava no papel a hora.

Mais à frente:

- Este é um relógio de Aniversário…

- De aniversário?

- Tem corda para mais ou menos 400 dias e diz-se de aniversário porque os donos só lhe davam corda no dia em que faziam anos…

- Assim nunca se esqueciam…

- Nem mais.

Depois:

- Este é um Hermle! Dizem alguns patetas que é o RollsRoyce dos relógios…

- A sério?

Arthur riu-se:

- Nem sabem o que é um Hermle, nem um RollsRoyce! Tem boas máquinas, mas avariam como os outros.

Por fim pararam numa bancada. Nesta encontravam-se o que seria alguns relógios de pulso, a maioria desmontados, outros mais completos, mas sem estarem totalmente prontos. Sentou-se num banco alto e apontou um outro assento para o rapaz.

- Deixa-me explicar algo que irás perceber. O relógio é o exemplo do que poderia ser uma sociedade perfeita.

O rapaz olhava o avô com uma avidez de saber e a medo perguntou:

- A sério?

- Sim João. Mas primeiro olha para aqui e diz-me o que vês.

O jovem aproximou-me do tabuleiro e foi dizendo:

- Parecem peças de relógios…

- Parecem não… São peças de uma máquina.

Sem esperar resposta continuou:

-  Está a trabalhar?

- Não… está todo desmontado.

- Ora nem mais. Agora repara neste.

- Este está a trabalhar, avô!

- Muito bem! Agora voltemos ao primeiro… que peças vês aqui?

- Rodas, parafusos… e isto é o quê?

- Uma mola de cabelo… Mas como vês estando separadas nada funciona… Mas ali todas juntas trabalham e fazem trabalhar…

- Fazem trabalhar?

- Sim João… Há umas rodas que impulsionadas pela corda fazem trabalhar umas maiores. Na maioria das vezes nem se vêem, mas estão lá!

- Complicado avô!

- Parece companheiro! Na vida também é assim… Ou melhor… deveria ser! Deveriam todos trabalhar para o bem comum.

- E não é assim?

- Infelizmente não... Os relógios são pequenas máquinas, mas ensinam o homem…

- Uma coisa tão pequenina…

De súbito o avô debitou:

- Como são grandes as coisas pequenas!

- Que disseste avô!

Arthur riu-se uma vez mais e acrescentou:

- Nada… não disse nada!