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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Salvador!

O silvo agudo ecoou na charneca. Os corpos endireitaram-se gemendo. Aquela dor sempre ali ferrada... nas cruzes!

Salvador no alto dos seus nove anos ainda não sofria das maleitas dos mais velhos, mas imaginava o que seria andar a vida toda a trabalhar de cabeça virada para a terra, enquanto o capataz burro e bruto andava de costas direitas e ganhava quiçá o dobro.

O sinal avisara o pessoal da hora de comer. O miúdo largou a enxada e correu lesto para a frente da fila onde a cozinheira Arminda distribuia a sardinha da barrica, uma a cada homem e mulher.

O miúdo tinha por hábito receber um pedaço de broa que a mãe lhe costuma entregar àquela hora da bucha. Porém naquele dia no horizonte não viu ninguém. O tempo de comer escasseava e Salvador vendo-se sem outro conduto acabou por comer a sardinha seca sem mais nada.

Vingou-se na água-pé que a patroa fazia questão de fornecer aos trabalhadores e num caldo desenxabido onde umas reles meias folhas de couve boiavam. Mesmo assim o jovem comia tudo... e o mais que houvesse que era... nada!

Quando ao pôr do sol o silvo soava Salvador partia novamente a correr, não para sua casa, mas para as traseiras do solar do patrão onde se situava a cozinha. Aqui chegado aguardava escondido atrás de uma enorme vasilha de barro transformada em canteiro, que a cozinheira viesse à rua despejar as sobras.

Assim que a cozinheira assomava à porta Salvador saía do seu esconderijo com uma suja gamela na mão que ali ficara de propósito escondida logo pela madrugada.

- Ponha aqui, ponha aqui D. Arminda.

- Isto não presta Salvador... nem para os porcos é bom quanto mais para ti.

- Não faz mal. Enquanto comer isso não passo fome. Nem os lá de casa...

Depois espreitou para dentro da panela negra e acabou por acrescentar:

- Só o fio de azeite que tem!