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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Serafim!

Nasceu numa noite de tempestade. No quarto para além da parturiente, a parteira que mais não era que a própria avó.

Serafim cresceu ao Deus dará! Nunca foi registado, nem baptizado. Quando chegou à idade escolar não apareceu pois nem sequer existia não obstante todos o conhecerem na aldeia.

Cedo procurou trabalho para ganhar uns cobres. Guardar umas ovelhas aqui, limpar as camas das vacas ali, descamisar milho acolá.

Quando morreu o pai e logo a seguir a mãe ficou sozinho na velha e pobre casa, já que os irmáos haviam partido para outros destinos.

Um dia Serafim viu-a ao longe. Parecia um anjo, igual aos que surgiam na procissáo das Festas em Honra de Nossa Senhora das Dores que nunca ia mas via passar. Seguiu-a e percebeu onde morava. Teria mais ou menos a sua idade e era linda, linda, linda!

À noite na sua enxerga sonhara com ela. E viajara!

Não lhe conhecia nome e cedo percebeu que ela vivia fora da aldeia, talvez na cidade. Mas ainda assim sentia-a como dele.

Certa tarde quando regressava a casa após ter sachado um chão de batatas, percebeu que ela caminhava no sentido contrário ao seu e que se cruzariam. Baixou então os olhos na sua humildade e sujidade e apressou o passo. Ao passar por ela cumprimentou numa interjeição incompreensível. Ela devolveu para logo vir atrás dele.

- Boa tarde, sou a Juliana - estendendo-lhe a máo.

A sua voz era ainda mais bonita do que imaginara. A mão branca, límpida assim esticada parecia quase um crime sujá-la. Mas ela manteve-a diretita. Ele então bateu com a sua mão nas calças de forma a afugentar a sujidade e tocou apenas no ponta dos dedos:

- Serafim, o meu nome é Serafim!

Ela olhou aquele monte de terra ambulante e descaradamente convidou:

- Hoje na festa irei dançar consigo já que náo o conheço.

Atrapalhado o jovem nem soube o que dizer, apenas:

- Eu não posso ir!

- Não pode porquê?

Teria de dizer a verdade, mas não sabia como.

- Porque não posso.

Virou as costas à menina repentinamente e seguiu de passo ainda mais apressado até casa.

Após ter comido umas batatas frias quase negras com uns tomates demasiado maduros estendeu-se e quase chorou. Nem sabia se era de vergonha...

Adormeceu para acordar com alguém a chamá-lo:

- Serafim, ó Serafim, estás em casa, home'?

- Já vou, já vou.

Junto à cancela de madeira meia partida o Asdrúbal, o seu único amigo, aguardava. A noite caíra e ouvia-se ao longe os sons da música.

- Que me queres?

- Mandaram-me vir buscar-te para ires à festa.

- Já disse esta tarde que não vou... nunca fui a nenhuma festa.

- Pois esta terás de ir.

- Não vou, já disse - e virando as costas ao amigo entrou em casa.

Depois pegou num velho balde e foi até à fonte buscar água. Colocou esta em cima de uma velha bacia e iniciou uma espécie de lavagem das mãos e da cara. Estava neste preparo quando bem perto de si escutou atrás de si aquela maviosa voz.

- Serafim, pedi-lhe para vir á festa. Porque não vem?

O jovem virou-se devagar, olhou-a bem no fundo e por fim assumiu:

- Menina... não vou porque sou um pobre diabo de quem todos fogem.

Não convencida Juliana rematou:

- Serafim vai agora comigo a minha casa que há lá quem trate de si.

Todavia o jovem não foi, recusou-se peremptoriamente.

Entretanto no dia seguinte o jovem foi visto a tomar banho no rio quase gelado.