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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Uma longa noite!

Acordou repentinamente. Olhou o despertador que iluminava 2 e 13. Ergueu-se e recostou-se na cama. Estendeu a mão, acendeu a luz da mesa de cabeceira e pegou no cachimbo. De seguida a bolsa de plástico com as farripas castanhas do tabaco e por fim o calcador e restantes utensílios.

Com as pontas dos dedos indicador e polegar foi retirando farripas castanhas e foi carregando o fornilho negro. De seguido calcou o conteúdo. Voltou a encher até ficar repleto e bem calcado. Por fim pegou no picão e espetou-o até sentir o fim do fornilho.

Foi o momento de o acender. Pegou num fósforo e ateou-o. Com a chama viva aproximou-a da boca do fornilho, levou a boquilha aos lábios e aspirou. A chama entrou então por entre as farripas secas acendendo-as.

O fumo começou a subir e finalmente recostou-se ainda mais à cabeceira da cama. Ao seu lado na cama residiam um monte de folhas brancas de tamanho A4, uns blocos quadriculados, uma velha máquina de escrever e uma série de lápis e canetas. Na outra mesa de cabeceira dormiam alguns copos sujos e no chão algumas garrafas vazias de vinho.

Mirou aquela feira e enterrou-se no meio dos lençóis que havia muito não conheciam lavagem. Continuou a fumar. Assim que esvaziou o cachimbo levantou-se da cama e acendeu a luz do quarto. Pairava no ar um cheiro nauseabundo e pestilento onde o aroma adocicado do fumo do cachimbo se misturava com o cheiro de vinho azedo.

Tinha pouco mais de seis horas para acabar o seu livro. Assim fora o último acordo após demasiados adiamentos. Mas a preguiça…

De súbito escutou o telefone a tocar. Ouvia-o, mas desconhecia onde estava. Quando o encontrou olhou o aparelho e viu escrito o nome do seu editor.

Para logo a seguir soar uma sinatética de uma mensagem. Leu:

Estou à tua porta. Já percebi que estás acordado porque vi luz no quarto. Deixa-me entrar”. Aproximou-se da janela e deparou com uma figura magra que encostado a um poste de electricidade, lhe acenou.

Decorreram mais de dez minutos até que franqueou a porta.

- Desculpa a hora, mas não posso deixar que um talento como o teu seja desperdiçado. Achas que falta muito para acabar o livro?

O escritor de cachimbo vazio na mão, sentou-se na beira da cama e devolveu:

- Falta-me o fim… Serão no máximo três folhas, mas são mais importantes que o resto do livro.

- Porra homem acaba isso caneco. Mesmo que não fique bem agora ainda podes corrigir antes da publicação…

De súbito ocorreu uma ideia ao editor. Agora passá-la ao escritor é que seria mais difícil. A cabeça fervilhava e poderia ser uma ideia brilhante, mas o autor teria de concordar.

- Escuta… tive uma ideia.

- Sobre?

- O final do teu livro…

- Como assim?

- Entrega-o sem fim…

- Tu estás louco! – ergueu-se da cama e aproximou-se uma vez mais da janela.

- Posso estar, mas pode ser uma ideia genial… Pensa nisso agora.

- Não posso porque o título do livro está neste final apoteótico.

- Mas isso é fácil… Basta mudares o nome do livro…

O escritor aproximou-se do editor e ameaçou-o de forma ríspida:

- Nem penses, nunca na vida! Isto não é “A história interminável”…

- Eu sei companheiro, eu sei! Então termina a porcaria do livro – respondeu o editor já visivelmente irritado.

Saiu batendo com a porta.

Eram 3 horas de uma madrugada!

Quatro horas mais tarde a máquina de escrever, finalmente, calou-se!