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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

A última cor! #2

A secretária muito bonita, mas pouco vestida e profundamente maquilhada atendeu o telefone e após ter respondido quase em surdina levantou-se do lugar e aproximou-se do jovem:

- Quer fazer a fineza de me acompanhar.

- Ah sim, com todo o gosto!

A jovem assistente seguiu na frente e abriu a porta do gabinete deixando que o outro entrasse.

- Faça favor.

O jovem agradeceu e passando pela frente da esbelta secretária, penetrou no gabinete que já conhecia. Ao fundo o editor de pé olhava pela janela. Dando conta da visita virou-se repentinamente estendendo a mão para um cumprimento:

- Ora viva caríssimo, o que o trás por cá?

- Não sei se se recorda do que me pediu para fazer antes de publicar o dito livro das cores…

- Muito bem…

Sem mais diálogo o jovem escritor entregou ao editor um envelope fechado. Acrescentou:

- Aqui está… Espero que seja a cor que calculava… e que esteja do seu agrado!

- O quê? Você já escreveu o conto sobre uma tal cor que faltava?

- Correcto.

- Então deixe-me ler… - e foi abrindo o envelope donde retirou as folhas impressas.

Depois sentou-se no enorme cadeirão de pau-santo e ficou a ler o texto. Entretanto vendo o jovem de pé, convidou:

- Sente-se.

O escritor agradeceu sentando-se e ao invés da primeira vez, embrenhou-se na leitura de um livro que trouxera enquanto aguardava a resposta do editor. Tinha consciência que o texto era muito diferente de todos os outros, todavia interiormente temia que as coisas não corressem como calculara.

Passados alguns minutos percebeu alguma agitação no seu oponente. Ergueu o olhar no mesmo instante que o editor se levantou do robusto cadeirão e dando uma palmada forte na secretária deixou que uma gargalhada inundasse o amplo gabinete.

- Ahahahahahahahahah! Era isto, era isto que eu esperava de si!

- Ai sim – respondeu com um pouco de ironia, o jovem.

O editor voltou a rir com gosto. Contudo havia algo que lhe mordia a curiosidade.

- Explique-me lá como soube que era esta a cor que eu queria.

- Simplesmente porque o senhor não queria cor nenhuma, mas unicamente saber como sairia eu deste desafio.

- Você para além de ser bom escritor é espeeeeeeerto. Parabéns pelo texto e vamos seguir para a publicação do livro.

- Fico deveras contente por ter gostado.

- Mas posso fazer uma derradeira questão? – insistiu o editor.

- Faça favor…

- Como é que raio se lembrou da “cordeburroquandofoge”?

Foi a vez do jovem rir com gosto!

Triste evidência!

Entrou em casa em silêncio. Descarregou a mala pesada no corredor, descalçou os sapatos substiutuindo-os por uns chanatos puídos e rotos, despiu o casado pendurando-o no bengaleiro e finalmente entrou na cozinha. A mulher cercada de tachos e panelas a fumegar sorriu quando o viu chegar:

- Olá amor... - e mirando-o, continuou - que tens? Vens com cara de caso...

O marido aproximou-se dela osculou-a na cabeça enquanto respondia:

- Boa noite querida. Não tenho nada... é só cansaço.

Dirigiu-se à mesa onde já residiam apenas dois pratos e perguntou:

- Os miúdos?

- Estão na faculdade até tarde. Têm frequências amanhã, creio.

- Precisamos falar.

- Ai home? O que se passa? Eu bem vi que não estavas bem - e puxando de uma cadeira sentou-se em frente do marido.

Este enfiou a cabeça entre as mãos e mantinha-se em silêncio.

- Ai marido, diz-me tudo. Seja bom ou mau... Estamos cá para resolver as coisas. Como sempre fizemos.

- Desta vez não sei... 

- Ai... não me digas que foste despedido?

- Não... mulher. Nisso está óptimo... É outra coisa.

- Tu não me deixes neste estado que ainda me dá um fanico.

- Sabes como engordei nesta pandemia.

- Pois sei... não tens roupa nenhuma que te sirva...

- Ora já viste a minha vida?

- Ai home' que não percebo o teu problema... Não me digas que apanhaste o bicho? - e sem deixar cair a fala - eu bem que te avisei, mas tu nunca acreditas em mim.

- Não mulher pára! Não é nada disso.

- Então é o quê!

- Já viste se o Sporting ganhar o campeonato não tenho roupa que me sirva para ir para a rua comemorar?

Serafim!

Nasceu numa noite de tempestade. No quarto para além da parturiente, a parteira que mais não era que a própria avó.

Serafim cresceu ao Deus dará! Nunca foi registado, nem baptizado. Quando chegou à idade escolar não apareceu pois nem sequer existia não obstante todos o conhecerem na aldeia.

Cedo procurou trabalho para ganhar uns cobres. Guardar umas ovelhas aqui, limpar as camas das vacas ali, descamisar milho acolá.

Quando morreu o pai e logo a seguir a mãe ficou sozinho na velha e pobre casa, já que os irmáos haviam partido para outros destinos.

Um dia Serafim viu-a ao longe. Parecia um anjo, igual aos que surgiam na procissáo das Festas em Honra de Nossa Senhora das Dores que nunca ia mas via passar. Seguiu-a e percebeu onde morava. Teria mais ou menos a sua idade e era linda, linda, linda!

À noite na sua enxerga sonhara com ela. E viajara!

Não lhe conhecia nome e cedo percebeu que ela vivia fora da aldeia, talvez na cidade. Mas ainda assim sentia-a como dele.

Certa tarde quando regressava a casa após ter sachado um chão de batatas, percebeu que ela caminhava no sentido contrário ao seu e que se cruzariam. Baixou então os olhos na sua humildade e sujidade e apressou o passo. Ao passar por ela cumprimentou numa interjeição incompreensível. Ela devolveu para logo vir atrás dele.

- Boa tarde, sou a Juliana - estendendo-lhe a máo.

A sua voz era ainda mais bonita do que imaginara. A mão branca, límpida assim esticada parecia quase um crime sujá-la. Mas ela manteve-a diretita. Ele então bateu com a sua mão nas calças de forma a afugentar a sujidade e tocou apenas no ponta dos dedos:

- Serafim, o meu nome é Serafim!

Ela olhou aquele monte de terra ambulante e descaradamente convidou:

- Hoje na festa irei dançar consigo já que náo o conheço.

Atrapalhado o jovem nem soube o que dizer, apenas:

- Eu não posso ir!

- Não pode porquê?

Teria de dizer a verdade, mas não sabia como.

- Porque não posso.

Virou as costas à menina repentinamente e seguiu de passo ainda mais apressado até casa.

Após ter comido umas batatas frias quase negras com uns tomates demasiado maduros estendeu-se e quase chorou. Nem sabia se era de vergonha...

Adormeceu para acordar com alguém a chamá-lo:

- Serafim, ó Serafim, estás em casa, home'?

- Já vou, já vou.

Junto à cancela de madeira meia partida o Asdrúbal, o seu único amigo, aguardava. A noite caíra e ouvia-se ao longe os sons da música.

- Que me queres?

- Mandaram-me vir buscar-te para ires à festa.

- Já disse esta tarde que não vou... nunca fui a nenhuma festa.

- Pois esta terás de ir.

- Não vou, já disse - e virando as costas ao amigo entrou em casa.

Depois pegou num velho balde e foi até à fonte buscar água. Colocou esta em cima de uma velha bacia e iniciou uma espécie de lavagem das mãos e da cara. Estava neste preparo quando bem perto de si escutou atrás de si aquela maviosa voz.

- Serafim, pedi-lhe para vir á festa. Porque não vem?

O jovem virou-se devagar, olhou-a bem no fundo e por fim assumiu:

- Menina... não vou porque sou um pobre diabo de quem todos fogem.

Não convencida Juliana rematou:

- Serafim vai agora comigo a minha casa que há lá quem trate de si.

Todavia o jovem não foi, recusou-se peremptoriamente.

Entretanto no dia seguinte o jovem foi visto a tomar banho no rio quase gelado.

Entre o ar e o mar

Calculas quanto há de amor 

numa mão estendida à dor?

 

Imaginas quão brando é o coração

que ama sem sofrer de paixão?

 

Sabes como dorme o pensamento

de quem vive sempre o momento?

 

Que caminhos percorrem os sonhos

quando não há outros testemunhos?

 

As respostas pairam talvez no ar

ou quem sabe nas ondas do mar!

Uma longa noite!

Acordou repentinamente. Olhou o despertador que iluminava 2 e 13. Ergueu-se e recostou-se na cama. Estendeu a mão, acendeu a luz da mesa de cabeceira e pegou no cachimbo. De seguida a bolsa de plástico com as farripas castanhas do tabaco e por fim o calcador e restantes utensílios.

Com as pontas dos dedos indicador e polegar foi retirando farripas castanhas e foi carregando o fornilho negro. De seguido calcou o conteúdo. Voltou a encher até ficar repleto e bem calcado. Por fim pegou no picão e espetou-o até sentir o fim do fornilho.

Foi o momento de o acender. Pegou num fósforo e ateou-o. Com a chama viva aproximou-a da boca do fornilho, levou a boquilha aos lábios e aspirou. A chama entrou então por entre as farripas secas acendendo-as.

O fumo começou a subir e finalmente recostou-se ainda mais à cabeceira da cama. Ao seu lado na cama residiam um monte de folhas brancas de tamanho A4, uns blocos quadriculados, uma velha máquina de escrever e uma série de lápis e canetas. Na outra mesa de cabeceira dormiam alguns copos sujos e no chão algumas garrafas vazias de vinho.

Mirou aquela feira e enterrou-se no meio dos lençóis que havia muito não conheciam lavagem. Continuou a fumar. Assim que esvaziou o cachimbo levantou-se da cama e acendeu a luz do quarto. Pairava no ar um cheiro nauseabundo e pestilento onde o aroma adocicado do fumo do cachimbo se misturava com o cheiro de vinho azedo.

Tinha pouco mais de seis horas para acabar o seu livro. Assim fora o último acordo após demasiados adiamentos. Mas a preguiça…

De súbito escutou o telefone a tocar. Ouvia-o, mas desconhecia onde estava. Quando o encontrou olhou o aparelho e viu escrito o nome do seu editor.

Para logo a seguir soar uma sinatética de uma mensagem. Leu:

Estou à tua porta. Já percebi que estás acordado porque vi luz no quarto. Deixa-me entrar”. Aproximou-se da janela e deparou com uma figura magra que encostado a um poste de electricidade, lhe acenou.

Decorreram mais de dez minutos até que franqueou a porta.

- Desculpa a hora, mas não posso deixar que um talento como o teu seja desperdiçado. Achas que falta muito para acabar o livro?

O escritor de cachimbo vazio na mão, sentou-se na beira da cama e devolveu:

- Falta-me o fim… Serão no máximo três folhas, mas são mais importantes que o resto do livro.

- Porra homem acaba isso caneco. Mesmo que não fique bem agora ainda podes corrigir antes da publicação…

De súbito ocorreu uma ideia ao editor. Agora passá-la ao escritor é que seria mais difícil. A cabeça fervilhava e poderia ser uma ideia brilhante, mas o autor teria de concordar.

- Escuta… tive uma ideia.

- Sobre?

- O final do teu livro…

- Como assim?

- Entrega-o sem fim…

- Tu estás louco! – ergueu-se da cama e aproximou-se uma vez mais da janela.

- Posso estar, mas pode ser uma ideia genial… Pensa nisso agora.

- Não posso porque o título do livro está neste final apoteótico.

- Mas isso é fácil… Basta mudares o nome do livro…

O escritor aproximou-se do editor e ameaçou-o de forma ríspida:

- Nem penses, nunca na vida! Isto não é “A história interminável”…

- Eu sei companheiro, eu sei! Então termina a porcaria do livro – respondeu o editor já visivelmente irritado.

Saiu batendo com a porta.

Eram 3 horas de uma madrugada!

Quatro horas mais tarde a máquina de escrever, finalmente, calou-se!

Nostalgia

Fosse eu poeta e trovador

De canções de belo cantar

Trovaria sobre paixão e amor

Liberdade, odes de encantar.

 

Lancei à terra dos sonhos

Esperanças de novos dias.

Colhi frutos tão tristonhos

Incertezas e noites frias.

 

O mundo não me chorará

Na noite em que eu partir

Pois a vida não se ensaiará

Do meu passado também rir.

 

Não importa as lágrimas

que choro sempre sozinho.

São de uma vida pérolas,

Que ensinaram o caminho.

A última cor!

Fixava atentamente o seu antagonista. Do outro lado da secretária ele conseguia ver a velocidade com que os olhos cruzavam as páginas.
As folhas deslizavam na mão de forma célere para no momento seguinte pararem. Ergueu o olhar para perceber a avidez de uma resposta no outro olhar.
- Então o que me diz?
Tentou perceber antecipadamente através da troca de olhares alguma ideia, mas não conseguiu. Por fim o outro largou os papéis em cima da secretária poisou as enormes mãos por cima, dobrou-se sobre o móvel aproximando-se e finalmente:
- Eh pá que coisa gira que você aqui me trouxe...
- A sério?
O outro levantou os polegares e continuou:
- A ideia é fantástica, tem aqui textos fabulosos e eu estou pronto a apostar na edição deste livro.
Nem queria acreditar.
- Está mesmo a falar a sério?
- Oiça... o meu tempo é escasso. Preferia estar agora num campo de golfe a dar uma tacadas que estar aqui. Portanto eu não perco tempo. Gostei desta sua ideia...
- Minha e não só minha - interrompeu.
- Seja de quem for... Quero publicar isto, mas necessito de mais um texto.
- Mais um?
- Sim, mais um!
- Sobre o quê se posso saber...
- Falta aqui uma cor...
- Acredito que faltará mais que uma... - disse a sorrir convicto que era uma brincadeira.
- Pois também sei que há muitas, mas há uma específica que gostaria de ver aqui retratada.
Por aquela não esperava. Coçou a cabeça e avançou de forma trémula com medo da resposta.
- E de que cor está a falar?
- Pois esse será o seu próximo desafio... tentar adivinhar qual a cor que aqui falta!
- Ena c'um caneco... por esta não esperava eu!
- Puxe pela imaginação. Quando o tiver escrito ligue-me que eu o receberei com todo o gosto. Gostei de o conhecer. Até um destes dias.
Estendeu a mão como despedida. O escritor aceitou, rodou nos sapatos e saiu mais triste que se tivessem recusado a publicação do livro.
- Que cor será que falta? – desceu então as escadas em passo lento enquanto a cabeça fervilhava!

 

Texto escrito fora do âmbito do desafio da "caixa de lápis de cor" . Neste exercício não entramFátima, a Concha, a A 3ª Face, a Maria Araújo, a Peixe Frito, a Isabel, a Luísa De Sousa, a Maria, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor, a Miss Lollipop, a Ana Mestre, a Ana de Deus, a Cristina Aveiro, a bii yue, o João-Afonso Machado, a Marquesa de Marvila e a Olga Cardoso Pinto.

Desafio da abelha... (versão de Abril!!)

Mote: conta a história que esta foto te inspira.

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- Boa tarde, faça favor de dizer.

- Boa tarde... tenho consulta com o Dr. Ataíde.

- Sim senhora. E qual o seu nome?

- Almerinda Peres.

- Ah aqui está... é só aguardar aí na sala se fizer favor. O senhor doutor já a chama.

- Obrigado.

Na sala vazia havia uma pequena mesa onde se espalhavam revistas cor-de-rosa antigas com outras recentes, um jornal diário e um desportivo. Todavia não lhe apeteceu ler. Ficou a mirar o consultório e a sua decoração.

- Dona Almerinda Peres – chamaram.

Acordada da sua letargia, ergueu-se e deu de caras com um jovem médico de máscara azul-bebé a tapar-lhe a face.

- Boa tarde, faça favor de entrar - e apontou a porta do gabinete.

A doente passou na frente do médico, aspirou o aroma agradável do perfume e pensou:

Tenho de lhe perguntar o nome da colónia.

A consulta correu bem até que a determinada altura a cliente perguntou:

- Então diga-me tudo doutor…

- Bem para já só tenho uma coisa para lhe dizer…

- É grave?

- A Dona Almerinda é que avaliará…

- Não tenha rodeios, diga de uma vez.

- Falta-lhe a máscara na cara!

Vagueando!

Vai, voa,

Alcança o anil acolchoado.

Brancas almofadas

onde te escondes.

 

Vai, voa,

Abraça vento e o Sol.

Trilhos simples,

Sem dor nem cor.

 

Vai, voa,

Não olhes para trás.

Não busques,

Apenas aceita.

 

Vai, voa,

E traz-me notícias.

De mim,

do mundo.

 

Vai, voa.

Diz ao futuro incerto.

Que estou prestes

A chegar!

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