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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

O Pastor #14

Regressado à charneca mais as suas companheiras e o fiel Sapatos, o pastor procurava por entre muros e paredes de pedra mal seguras o livro perdido. Mas fora há tanto tempo que provavelmente o vento e a chuva dos últimos dias haviam estragado o livro. Ainda assim os olhos atentos do jovem não deixavam uma pedra ou um buraco sem fiscalização.

Andou por lá como de costume dias e dias até que decidiu regressar a casa. Devagar, não fosse escapar algum buraco. Para evitar fugas espontâneas peou as cabritas irrequietas e caminhou descansado. Perto de onde estivera sentado a ler as primeiras páginas o pastor reparou ao longe num saco de serapilheira, algo que não estava quando passou vindo da aldeia. Achou estranho o saco e calculou que fosse algum farnel ali esquecido por um outro viajante.

Aproximou-se e deixando que a curiosidade o comandasse abriu o saco e espreitou. Espantado meteu a mão e retirou de lá o livro que perdera. Espantado olhou em seu redor à espera de encontrar alguém. Depois tentado a recomeçar a leitura sentou-se na beira da estrada autorizando que o gado entrasse numa fazenda abandonada para comer.

Lembrava-se bem do local onde ficara e rapidamente recomeçou a ler. A história agora parecia ainda mais empolgante que da primeira vez. E ali ficou longo tempo até que Sapatos o acordou do seu marasmo.

Recomeçou então a caminhada e não parou até chegar à aldeia já noite metida. Guardou as ovelhas, retirou as guitas com que peara as cabras, estendeu alguma comida pelas manjedouras baixas e foi para casa. Recomeçara a chover uma água branda o que o obrigou a correr para não se molhar e acima de tudo o livro.

Assim que chegou procurou um velho candeeiro a petróleo, acendeu-o e levou-o consigo para um local onde ninguém o visse e o aborrecesse.

Pegou novamente no livro e agora com calma folheou-o como se agora ambos estivessem a conhecer. De súbito no fim do livro pareceu sair uma folha. Com cuidado puxou-a para fora e percebeu que não era uma página do livro, mas somente uma folha simples, porém dobrada.

Pegou na folha e recolocou-a mais ou menos no sítio de onde saíra sem sequer ver se tinha alguma coisa escrita.

Durante dias aproveitava todos os bocados para ler mais um pouco. A sua mente viajava entre Marselha, a prisão, o Abade Faria e a ilha do Tesouro. Compreendia a revolta de quem havia sido atraiçoado e concordava com a vingança.

Uma história daquelas nunca seria capaz de inventar, pensava para si mesmo.

Até que naquela noite reencontrou a folha solta. A curiosidade foi uma vez mais ganhadora e com calma desdobrou a folha. Nesta encontrou uma frase escrita numa caligrafia muito rebuscada, mas que o jovem conseguiu ler:

“Para um pastor contador de histórias”.