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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

O Pastor #10

(... Continuação daqui)

Sentadas na enorme sala, ricamente decorada, mãe e filha olhavam em redor como se ambas quisessem fugir a uma conversa, que nenhuma delas ousava ter. Uma porque sabia que perdera a razão. A outra porque percebia que a filha não era já uma criança. E provavelmente o coração prendera-se algures…

Coube à progenitora abrir então a demanda:

- Não tens nada para me dizer?

- O quê, mamã?

A filha respondeu num tom seco como estivesse muito segura de si. Todavia a mãe percebia o nervosismo da jovem através de umas mãos inquietas, tique que conhecia desde criança. Portanto o ataque teria de ser agora:

- A menina acha que tem procedido bem nos últimos meses, não acha?

- Eu não fiz nada de mal…

- Ai não… Sai de casa a desoras, entra quando quer, faz negócios nas minhas costas, maltrata as pessoas, usa de um poder que não lhe foi conferido e ainda tem a ousadia de me dizer que não fez nada de mal…

A rapariga encolheu-se qual cachorro atemorizado com um trovão forte. Por fim ganhou coragem e contra-atacou:

- O que a mamã queria é eu fosse aprender a bordar ou a fazer outras coisas como no seu tempo. Eu não quero isso… gosto da terra, dos cavalos, do gado…

A viúva olhou o quadro do marido pendurado na parede, como a rogar bom-senso e rigor para uma menina que parecia ter perdido a verdadeira noção do correcto. Respirou fundo e regressou ao questionário:

- Explique-me então essa história de ter estado na aldeia a ouvir relatos fantásticos do pastor… Não negue que não esteve lá…

Um tom rubro subiu à face da jovem, enquanto se desculpava:

- É verdade mamã que estive lá, sim, mas nessa noite o capataz levou-me na charrete, aquela antiga, mas rápida…

A resposta veio seca, rápida e ríspida:

- Velozes foram os cavalos… - e levantando-se aproximou-se da janela donde via o seu belo e bem tratado jardim.

Aquela casa fora herdada pelo marido, mas ela é que reformulara todo o edifício. Desde cima a baixo, tudo passara por si. Por isso olhando o horizonte, disse:

- Nada do que daqui se vê, nada é meu. É tudo seu… ou será quando eu, um dia, partir. Mas até lá…

A filha mantinha-se sentada desfiando nada com os dedos inquietos. Por fim ergueu-se do canapé e aproximando-se da mãe assumiu:

- Tenho tantas saudades dele… - e principiou a chorar.

- Também eu tenho saudades do seu pai. Faz-me tanta falta!

A jovem ergueu os olhos lavados em lágrimas para a mãe e assumiu:

- É dele que tenho saudades…

- Dele quem? – desentendeu.

- Do pastor…

Resposta ao desafio...

... da Ana

Chuva

 

Sinto nas mãos as lágrimas mansas

Caídas de um céu cinzento.

São cristais de vida, recompensas

Que doravante eu acalento.

 

Sinto na face as lágrimas frias

Tombadas de um negro sentido

Relembro longas noites e dias

De um amor quente e unido.

 

Sinto na roupa as lágrimas pesadas

Repletas de força, poder e estreiteza.

Vivo de ideias, de sonhos e estradas

Todas alinhadas na minha tristeza.

 

Ai lágrimas, lágrimas do céu!

Por que te chamaram de chuva?

Se não és mais que um véu…

E da minha amargura uma luva!