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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Prova de amor!

Com os pés descalços enfiados no manso caudal do ribeiro, ela perguntou-lhe:

- Amas-me?

Ele gostava dela, mas amá-la? Sabia lá o que isso queria dizer… Todavia:

- Claro que sim… Duvidas? – arriscou.

- Eu não duvido que te ame – respondeu ela agitando os pés alvos na água, originando que a areia do fundo saísse do seu permanente repouso.

- Então?

- Duvido é que saibas o que é o amor…

Seria que ela lia a sua mente? Ou ele falara em tom alto? A verdade…

- Porque dizes isso?

- Oh… conheço-te… E sei o que passaste quando eras miúdo… com os teus pais.

- Isso não quer dizer nada – desculpou-se.

Tirou os pés da água fria, limpou-os à borda do vestido, calçou os sapatos e dando a mão ao namorado, acrescentou:

- Quero uma prova de que me amas…

- Como assim? – assustou-se

- Se me amas fazes tudo por mim, certo?

- Sim… sim…

Ela não gostou da gaguez dele, parou e enfrentou-o:

- Ficaste gago de repente?

- Não… Mas eu também te conheço e nem imagino o que me vais pedir para fazer…

- Fácil, vai ser muito fácil…

Ele temia… temia que ela o colocasse numa posição pouco confortável. Mas seguiu-a normalmente.

A tarde trazia uma aragem cálida com cheiro a milho acabado de ceifar. Um ou outro cirro escondia a espaços o sol quente. Chegados à aldeia encaminharam-se para casa dela.

- Vamos a tua casa?

- Vamos…

O pai dela não era o cúmulo da simpatia não obstante saber e autorizar o namoro. No entanto era conhecido pela sua teimosia e raramente perdia uma demanda.

- Agora que estamos a chegar quero que convenças o meu pai a termos um cão.

- Como…

- É o que te disse… convence o meu pai a eu poder ter um cão e fico convencida que me amas.

A proeza parecia bem maior que a princípio parecia, já que o jovem conhecia sobremaneira o espírito do pai da namorada. Um primeiro suspiro seguido de um sopro denunciou-o.

- Já sopras?

- Deixa-me com os meus botões. E o que tenho de dizer?

- Diz o que quiseres. Só quero que ele diga sim. Compra-o… faz o que entenderes.

Ela esboçou um sorriso malicioso.

Já em casa após os cumprimentos sempre frios dos antecessores da jovem, o rapaz pegou no braço do eventual futuro sogro e pediu:

- Caríssimo, necessito falar consigo algo muito importante…

- Não me vai pedir dinheiro emprestado, pois não?

- Obviamente que não. Mas se fosse esse seria o menor dos seus problemas.

O outro olhou-o e ficou intrigado! Por fim:

- A sua filha quer que eu lhe dê uma prova de que a amo.

- E não ama?

- Oiça… posso continuar?

Perante o silêncio, prosseguiu:

- Então a prova passa por eu o convencer a autorizá-la a ter um cão…

- Nem pensar! Ela que desista da ideia… - gritou furioso.

- Calma, calma. Estou de acordo consigo… Mas eu tenho de superar esta prova. E o senhor vai-me ajudar…

- Já disse que não quero cá cão nenhum. Fim de conversa!

- Mas deixe-me explicar. O amigo ainda não percebeu que eu também não quero um animal na minha vida? Ela é que quer…

O mais velho ficou pensativo…

- É fácil… Chegamos ali os dois e comunicamos que o amigo autoriza um cão cá em casa…

- Mas…

- Calma homem, calma – interrompeu o jovem – Ela vai cair aos seus braços toda contente, mas é aí que você mata a jogada.

- Não percebo…

- O meu caro vai dizer que autoriza desde que o animal fique sempre em sua casa, mesmo quando ela se casar e sair do lar.

- Mas eu não quero isso.

- Pois não, eu sei… Mas se colocar essa condição ela irá recusar. Mas você autorizou o cão que nunca virá e eu ganho a confiança dela.

O pai olhou-o de soslaio e tentou rebobinar a história.

- Então eu chego ali e digo que você me convenceu a que a minha filha traga um cão cá para casa desde que ele nunca mais saia de cá. É isso?

- Perfeito!

- E se ela aceita?

- Creia-me que ela não aceita esta condição.

- Você está muito confiante.

- Estou.

- Convenceu-me… Então vamos lá…

Entraram ambos na sala em amena cavaqueira e a jovem tentou ler nos olhos do namorado a resposta. Mas não conseguiu. Por fim o pai principiou a falar.

- Aqui o teu rapaz sabe-a toda…

- Então paizinho…

- Convenceu-me a que tragas para cá um cão. Algo que nunca autorizei.

A jovem deu um grito de alegria e correu para o pai a abaraçá-lo.

- Ai… obrigada… a ambos!

- Porém há uma condição que imponho…

- Oh bem me parecia que fora fácil demais…

- O animal ficará sempre em nossa casa mesmo que um dia saias de cá!

A jovem ficou petrificada. Tal como namorado previu aquela não era a vontade dela. Olhou para o jovem e depois para o pai e finalmente a mãe. Rodou nos calcanhares para não mostrar uma lágrima que fazia caminho pela face lisa e bonita. Os homens entretanto esboçaram um breve sorriso de vitória e o pai piscou mesmo o olho ao futuro genro.

De repente a filha devolveu:

- Está bem… de acordo. Assim quando for para a minha casa arranjo outro cão!

À beira da ribeira!

Sentado à beira desta ribeira

Oiço com inesquecível nostalgia

Fugindo célere por entre pedras

O marulhar da água trigueira

 

A coberto, pleno de sombra

Agitam-se calmamente

Infindáveis freixos e amieiros

Pardais se aninham de sobra.

 

Nesta paz assim tão serena,

Recupero dias e memórias,

De outro tempo tão longe,

De uma saudade plena.

 

Ao redor, onde o sol repousa

Estala a palha e o restolho

Corre o lagarto, sibila a serpente

Canta o grilo, voa a mariposa.

 

E quando a noite desce,

Prenhe de vida invisível,

É o momento do silêncio

Repousar na minha prece!

Contos tontos - 39

Sentado no peal da porta da sua sala que dava para um pequeno pátio, Germano olhava a paisagem que se desenrolava na frente. Entre pedaços de terra verde de algum milho de regadio, havia muitos nacos amarelos, tisnados por um Estio inclemente.

Um bafo de calor pairava mesmo na sombra de uma araucária velha e quase interminável que crescia no quintal. O homem segurava a bengala puída e olhando os nacos ao longe lembrava-se da sua juventude… E sorria!

- Estás a rir de quê, avô?

A neta surgira de repente do nada trazida pelos passos pequenos e silenciosos. Germano endireitou-se e apontando com a ponta da bengala os terrenos defronte, respondeu:

- Lembrei-me de que há muitos anos, num dia quente como este alguém andava ali a malhar tremoços…

- Tremoços?

- Nem mais. Antigamente apanhavam-se alqueires deles…

A criança olhou o avô com os olhos doces, sentou-se ao lado e encostou-se a uma das pernas doentes e pediu:

- Avô… conta-me uma das tuas histórias… Tu sabes tantas!

Germano endireitou-se ainda mais, puxou a boina para a frente e pensou. Poderia buscar uma das suas aventuras de juventude ou simplesmente inventar um qualquer relato que metesse cães e gatos, como a menina gostava.

Achou que seria importante contar algo mais verdadeiro de forma a não encher a cabeça da criança de coisas impossíveis. Por fim preferiu inventar…

Iniciou então uma nova estória em tom pausado de forma a pensar no que estava a criar e não cair em contradição.

A neta escutava-o atenta, deliciada como se tudo aquilo que ouvia tivesse sido verdadeiro. Ela sabia que não, mas ainda assim preferia aquelas às outras dos livros que já lia.

Quando acabou Germano perguntou:

- Então gostaste?

- Sim avô! Muito!

- Tu já sabes ler, certo?

- Sim avô! Já tenho oito anos!

- E não gostas dos teus livros de histórias?

- Gosto, mas… - baixando os olhos para o chão.

- Mas o quê?

- Gosto mais das estórias que contas…

- Posso saber porquê?

- Porque as tuas histórias têm … a tua voz!

Eis-me!

Olho o caminho recto e cinza

entre muros de pedras soltas

temo não seguir os meus passos

à aventura das descobertas.

 

Há no horizonte folhas caídas

de um Outono bem próximo.

Tempos assaz estranhos de

dilemas, dúvidas e incertezas.

 

Sinto no pobre coração frágil

a dor férrea de uma tristeza,

o grito lancinante da revolta

a lágrima singela e chorada.

 

Dias virão mesmo assim,

mornos, mansos, velhacos.

Arrebatam de mim ardores

Bravatas certas e perenes.

 

Na verdade... na verdade

não sei ser de outra forma.

Sou assim completamente

total, animal e quiçá fatal!

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