O Pastor #4
(... Continuação daqui)
Quando à noite, após a ceia fraca e repetida donde se destacava o permanente feijão pequeno regado com um fio de azeite, entrou no largo repleto de homens sentiu-se diferente das noites de outrora. Havia ali algo que não o faziam sentir-se confortável. Todavia…
- Ena, já chegaste? Mas eu vi-te ontem…
- Sim cheguei ontem.
- Nem apareceste…
- Estava muito cansado… Preferi ir dormir.
- Agora também dormes? -perguntou um outro dando uma sonora gargalhada.
Os outros imitaram-no nos risos.
- Queres o quê para beber?
- Oh nada… eu não bebo… Tu sabes…
Depois arranjou um lugar entre dois e sentou-se. Recostou-se e fechou os olhos. Os presentes olhavam-no com espanto até que alguém avançou:
- Então não trouxeste nenhuma estória?
O pastor sentiu uma certa melancolia a invadi-lo e pensou contar a estória verdadeira em vez de usar a imaginação. Respondeu:
- Claro que tenho…
E iniciou a relatar os seus últimos acontecimentos. Ainda estava no início quando um dos ouvintes declarou.
- Essa não tem piada… Conta uma das outras…
O rapaz quase que riu… Então… a eles não interessava uma estória verdadeira, mas somente um relato com acontecimentos impossíveis, figuras inexistentes e finais felizes. Tudo o que pudesse corresponder à realidade não interessava.
Eis que o jovem inicia a sua nova aventura. Inventando cada situação, cada diálogo, cada demanda o pastor angariava cada vez mais ouvintes que o escutavam com profunda atenção vivendo cada relato como se ele tivesse sido verdadeiro.
Sempre que o caso tinha um final feliz, havia alguém que pagava a rodada. Daí muitos dos ouvintes tentarem introduzir no relato uns elementos que originasse mais finais felizs. Todavia o autor nunca o aceitava para enorme desespero de alguns.
Quando terminava dizia:
- E foi assim que tudo aconteceu. E amanhã há mais!
Mas naquela noite alguém se aproximou dele e apresentando-se acabou por questionar:
- Donde tiras essas estórias? São curiosos os teus relatos…
O guardador, perante a pergunta, tentou desaparecer por entre a multidão masculina que para ali viera para o escutar, mas o mais que conseguiu foi fugir apenas uns metros para ser rapidamente alcançado por um braço.
- Desculpa a ousadia, mas sabes ler?
- Porque quer saber?
Não ligando à questão continuou:
- Se não sabes ler também não sabes escrever. Mas as suas estórias têm uma genuidade única. Se quiseres levo-te comigo, gravo umas histórias tuas e depois publico-as em livro. Pode ser?
O pastor não percebera patavina do que o outro dissera, mas como tinha pressa para chegar a casa disse simplesmente que sim.