Nota introdutória:Agradeço à Olga de blogue A cor da escrita o belo desenho que ilustra este meu último desafio. Um pedido meu que esta simpática bloguer aceitou. Um desenho diria que... perfeito!
Mote: vou ali e já venho
Hoje dia 22 de Maio de 2032 faleceu Elizário Mota, aos 80 anos de idade, nascido na bela ilha das Flores, numa Fajã inexistente e tendo sido, entre muitas coisas, avô de duas meninas sem nunca, todavia, ter sido pai.
A sua atribulada vida deu um salto qualitativo quando Gusmão e Maria Heliodora numa noite de voluntariado aos sem-abrigo deram a mão ao florentino. Uma sorte para eles dizia o casal, uma bênção de Deus afirmou sempre o ilhéu.
Elizário apagou-se neste dia triste como uma vela sem pavio, sentado no quintal, no seu banco preferido, sob uma frondosa laranjeira, enquanto as suas meninas Maria da Luz e Maria Flor brincavam alegremente.
Uma vida que começara dura numa Fajã longínqua e miserável. Depois… o Serviço Militar Obrigatório em África e um regresso sem grandes euforias. Valeu-lhe durante alguns anos um bom patrão de origem saloia que, curiosamente, haveria de morrer da mesma doença que um dia levaria Elizário.
Forçado nesse tempo a regressar à capital, foi com imensa dificuldade que encontrou alguns parcos trabalhos. Todavia eram quase todos de pouca duração.
Caiu por isso na rua. Vãos de escada e prédios devolutos conhecia-os a todos. Uma semana aqui, outra acolá e sempre, sempre a fugir da polícia.
Depois indicaram-lhe que em algumas salas de espera dos hospitais havia comida gratuita. Lançou mão da esmola e durante anos viveu dela.
Por fim... o tal casal!
Que o levou para casa dando-lhe uma vida digna. Os livros da biblioteca da casa leu-os quase todos e isso notava-se na forma como começava a ter ideias e a expor assuntos.
- Homem muito esperto e inteligente – assumia Gusmão.
Depois o enfarte. Conseguiu, no entanto, sobreviver ainda a tempo de ser referência para as duas meninas que acabariam por nascer e que o tratariam por avô.
Quando as Marias se aproximaram do idoso perceberam que ele parecia dormir, serenamente. Chegaram-se muito devagar de forma a não o acordar e repararam num papel rabiscado que tinha na mão. Retiraram com perícia. Maria da Luz leu em voz alta para a irmã:
- Desculpem queridas, mas a minha vela está a apagar-se. Não se preocupem comigo, estudem e portem-se bem, porque eu vou ali e já (não) venho.
- Mamã, mamã – chamou Flor – o avô escreveu isto.
Heliodora leu o recado, olhou o idoso com ternura e deixou que duas grossas lágrimas rolassem pela face.
Elizário era o único que chamava a menina pelo nome completo. A mãe tratava-a por Bia, enquanto o pai usava carinhosamente… Luzinha.
- Mais oito dias para irmos até à tua ilha…
- Minha não… nossa! Não se esqueça, a menina, que a mamã também é das Flores. E portanto… tu também és.
Um enorme sorriso desceu sobre a face rasgada e cansada do ilhéu, enquanto acariciava os caracóis doirados que nem seara, da neta. Num fogacho recuou mais de meio século para parar naquela noite em que o mar enraivecido com alguma coisa, tentava desesperadamente alcançar terra. Não lhe permitiam as rochas negras que surgiam como uma parede natural contra as investidas violentas de Neptuno. Nessa invulgar noite tiveram todos de fugir da casa pequena para se recolheram na velha orada que ficava um pouco acima do nível do mar.
Não percebeu porque naquele momento em que sossegadamente olhava a menina, adpotiva sim, mas neta se lembrara daquele acontecimento. Talvez por ser a única altura em que tivera realmente medo. Ou o momento ímpar em que a mãe o abraçara com verdadeiro carinho…
Do resto só se recordava de gritos e ralhos da progenitora, que o obrigava amiúde a fugir de casa e procurar nas grutas de basalto, refúgio. Mas nunca partia sozinho… Com ele levava sempre um ou dois canitos com quem partilhava a pobre merenda que roubava do fundo da arca quase vazia.
Quando o sol se enterrava lentamente naquele horizonte laranja Elizário ficava a matutar no que haveria para lá da linha onde o astro se escondia. Imaginava lugares e mundos estranhos onde havia muita comida, alegria e muitos animais para ele tomar conta.
De regresso à pequenina, Elizário continuava a afagar Maria da Luz para voltar a sentir na pele o frio de muitas noites ao relento, a ânsia de muitos dias sem comer até descobrir os hospitais, a busca de muitos buracos mal-cheirosos e infestados de ratos onde se resguardava das intempéries.
Depois num ápice tudo se tornara um mar calmo e sereno. O coração quisera-lhe pregar a partida, mas um ilhéu nunca desiste. Vai à luta.
De forma miraculosa escapara com vida. Uma vida nova, diferente que lhe mostrara o melhor do ser humano.
A jovem tentava correr no meio da terra, umas vezes enlameada outra atapetada de erva verde e escorregadia. O açoriano andava de enxada em punho a desviar regos de água que um motor barulhento despejava.
Só reparou na Luízinha quando se virou.
- Que se passa menina?
A voz ofegante impedia-a de falar. Respirou fundo e por fim meio a chorar:
- Elizário, venha depressa, venha...
E pegou na mão e puxou-o.
- O meu pai...
O empregado largou a alfaia, desligou o motor e correu com a jovem a seu lado até a casa. De vez em quando parava para que a jovem o acompanhasse. Aproveitou para perguntar:
- Mas o que se passa?
- O meu pai desmaiou…
- Desmaiou? Assim sem mais nem menos?
- S… sim…
- E já chamaram uma ambulância para o levar para o hospital?
- Ainda não…
Quando arribaram Joaquim encontrava-se sentado numa cadeira, mas o tom pálido da face mostrava que estava deveras doente.
- Menina, chame os bombeiros… Depressa!
Um quarto de hora mais tarde já Joaquim partia para o hospital da capital. Atrás no carro, seguia Luízinha e a mãe, enquanto Elizário ficara em casa a tomar conta da vida campestre…
- Que a vida não pára e os animais têm todos de comer…
Um enfarte colocara Belmoço entre a vida e a morte. Durante três longos dias tanto mulher e filha revezavam-se ao lado do patrão.
Todavia ao quarto dia quando Elizário mondava as batatas, ouviu um grito lancinante vindo de casa. Nesse instante no seu coração instalou-se uma mágoa que o acompanhou durante muito tempo.
Joaquim falecera, mas o trabalho não. Nem a venda nos Mercados de Lisboa. Instigado por Joaquim, o florentino tirara a carta e era ele agora que levava a carrinha carregada de legumes.
Com a morte do bom patrão Elizário temeu o pior. Com razão!
Uma noite as patroas aproximaram-se do empregado e confessaram:
- Elizário, temos muita pena, mas vendemos o negócio e os terrenos ao nosso vizinho.
O veterano nada disse, mas logo na manhã seguinte surgiu Nicolau:
- Bom dia… precisamos falar.
- Bom dia, diga.
- Queres trabalhar para mim. Pago-te melhor que o “Jaquim” pagava.
Elizário conhecia-lhe a fama que Nicolau tinha de mau patrão. Por isso sem levantar os olhos respondeu:
Um desafio de escrita foi lançado pela Ana (só podia!!!) que a Amor Líquidofez seguir. Depois veio a bii yue que após ter continuado lançou a bola para mim.
E eu escrevi o que está no fim a negro...
Era uma vez uma jovem mulher, de seu nome Clariana, que pastoreava gansos. Ela era o primeiro ser vivo que os gansos reconheciam, desde tenro berço, e eram lhe totalmente fiéis. Aprendera com o avô todos os segredos desta mestria.
Clariana era a mais velha de três irmãos, todos eles filhos de Izabel e João Bernardo. Uma família de origens humildes que ocupava os seus dias na tranquilidade do campo, entre a lavoura do trigo, da batata, e a agropecuária. Izabel ocupava-se de todos os assuntos relacionados com a atividade económica do que produziam, contando com a ajuda de Clariana no terreno, junto dos animais, e Juca, a forma carinhosa como o pai era tratado, debruçava-se sobre a contabilidade da família. Os gémeos Tiago e Guilherme eram ainda pequenos, pelo que o seu maior contributo era a alegria constante que ofereciam àquela herdade. Construída em 1950, tinha sido herdada pela filha do avô Eurico.
A vida era pacata, a rotina de vida campestre pouco variava até um dia, que Clariana estava a alimentar os seus gansos e vê um vulto a esconder-se por entre as árvores. Com o coração a bater de medo, mas com a sua faceta corajosa a vir ao de cima, começa a caminhar devagar e numa tentativa de fazer barulho. O vento fazia com que as folhas batessem umas nas outras, os gansos grasnavam baixinho. O vulto parecia estático e Clariana tentava movimentar-se silenciosamente, sentia o suor frio a escorrer pela sua pele, o seu corpo tremia com o medo e adrenalina. Estava bastante perto do vulto quando os gansos começam a grasnar alto e entram em luta uns com os outros, com o susto ela manda um grito, olha na direção dos gansos e quando volta o seu olhar para as árvores não podia acreditar no que via.
Uma velha muito velha, baixa, de faces lavradas pelos anos e quiçá pelas demasiadas intempéries, olhava com curiosidade para a pastora. Nas mãos, magras e engelhadas, balançava um cajado preto da sujidade e assaz puído do uso.
Trajava uma roupa suja, aqui e ali deveras esfarrapada. O cabelo cinza encontrava-se escondido por debaixo de um lenço, também ele viúvo de cor e lavagens. No entanto os olhos pequenos e escuros permaneciam muito atentos ao que se passava em seu redor.
Entre o susto e o espanto Clariana encheu o peito de ar e enfrentou a anciã:
- Quem é vossemecê?
A idosa pareceu querer sorrir, mas a única coisa que conseguiu mostrar foi uma boca desdentada. Aproximou-se e passou os dedos sujos pelo cabelo bonito da jovem. Depois pela face. Esta desviou-se para trás alguns passos.
Curioso é que os gansos, sempre tão barulhentos, haviam-se silenciado por completo.
- Diga lá quem é vossemecê? – insistiu em tom peremptório, sem denunciar qualquer receio.
Novo sorriso da idosa que mais parecia um esgar… Por fim endireitou-se, abriu os braços e aproximou-se novamente da miúda, como se a quisesse envolver nos seus trapos rotos e nojentos.
Disse então numa voz rouca e cavernosa:
(continua...)
Nota:
é a minha hora de passar o testemunho. Desta vez peço muito encarecidamente à Zé do blogue Liberdade aos 42 que a faça seguir.
Relembro que a história deverá ter, no máximo, 200 palavras, e não te esqueças de usar a tag desafio do conto, para ser mais simples encontrarmo-nos. IMPORTANTE: copia o texto TODO, para o teu postal.