Ivo, o terrível!
Ivo nasceu há muitos anos numa aldeia pobre. À sua volta uma enormidade de irmãos e irmãs que lutavam diariamente por uma migalha de pão duro e bolorento.
Entre os que morreram e os que se salvaram sobraram seis. Coincidentemente três rapazes e três raparigas.
O tempo de Ivo até à juventude foi de muita falta de comida e demasiado trabalho. Primeiro guardou as ovelhas mansas, depois as cabras irrequietas e por fim agarrou-se à enxada. Cedo começou também a trabalhar para os outros de forma a ganhar um tostão com o qual ia à taberna encher a barriga.
Certa tarde num bailarico na aldeia vizinha embeiçou-se por uma jovem e depressa procurou arranjar a sua vida. Ficou na terra da esposa após o casamento. E deste nasceram diversas crianças.
Ivo trabalhava afincadamente numa fábrica para pagar as despesas, para além de um pequeno naco de terra nas traseiras da casa velha e suja, donde extraía o sustento caseiro: couves, batatas, tomate, cebolas, para além de uns bicos.
Mas a mulher depressa se cansou da vida de mãe e pela calada da noite partiu sozinha para parte incerta. Ivo com as crianças nos braços teve de lutar ainda mais para os poder sustentar.
Todavia uma tarde escutou um alarido na rua e entre as vozes conheceu a da sua mulher. Apercebeu-se que ela passara à sua porta mas que não estava sozinha. Ivo aproximou-se do muro que dava para a rua mas nada lhe disse. Ela repetiu a façanha mais algumas vezes, até que um dia Ivo abriu o velho portão de madeira vindo ao seu encontro e disse:
- Voltas aqui a passar à minha porta com ele – e apontou com o queixo o amigo – e não me responsabilizo por aquilo que te possa acontecer.
Ela riu-se da ameaça e seguiu caminho. Para dias depois voltar a fazê-lo.
Ivo ouvia-a ao longe porque estava novamente no quintal a mondar as batatas. Sabia de antemão que o que fizesse a seguir iria ter gravíssimas consequências. Mas ainda assim havia avisado.
Entrou dentro de casa, foi à velha arca da mãe, única herança da antecessora a que tivera direito, pegou na caçadeira, carregou-a com diversos cartuchos e foi para a porta de casa.
A mulher vinha a pé, trazendo atrás de si um burro cinzento que carregava alguns produtos hortícolas nos seus alforges. Atrás o amigo caminhava no passo lento do jumento. Ela ria de forma estridente. Ele mandava-a rir baixo. Ao que ela respondeu:
- Posso rir como quiser, ninguém manda em mim. Nem tu!
De repente a mulher dá de caras com o antigo marido que de arma em riste vai sorrindo num esgar amargo. Ela enfrenta-o e largando o burro chega-se perto do ainda marido e diz:
- Vá dispara, se és homem dispara!
Ao primeiro cartucho ela recuou uns bons metros com o peito crivado de chumbo. Com o segundo já por terra finou-se.
O amigo aproximou-se a correr para a tentar ajudar ou quiçá salvar mas foi o seguinte a levar com chumbo.
Quem ouviu os tiros e os gritos veio à rua. Aproximaram-se de Ivo e iniciaram a disparatar com o agora assassino.
Ele, incrivelmente calmo, entregou a arma a alguém e afirmou:
- Chamem a Guarda e uma ambulância.
Preso e condenado Ivo regressaria à sua aldeia muitos anos mais tarde.
Ninguém o condenou, ninguém se afastou dele como tivesse peçonha. Curiosamente nem mesmo as mulheres.
Um dia por detrás de umas cervejas Ivo acabaria por confessar:
- Nada vale a morte de outra pessoa. Nada!
Os outros ao seu redor nada disseram, apenas olharam entre si e regressaram aos seus copos de cerveja!