Contos tontos - 29
Fechou a porta devagar, não fosse algum vizinho acordar, guardou as chaves e olhou o relógio.
- Cinco e meia… Ai que já perdi o autocarro.
A madrugada estava fria. Os candeeiros de rua alumiavam o caminho em cones amarelos. Assim que dobrou a esquina que dava para a enorme praça viu o autocarro parado.
Apressou o passo tanto quanto os seus setenta anos, as pernas gordas e cobertas de v«grossas varizes a deixavam. Já para não falar dos dois sacos pesados que carregava no fim de cada braço.
Chegou à porta do transporte ofegante.
- Bom dia André. Desculpa este atraso…
- Bom dia D. Alzira. Não há problema. Agora sente-se que preciso sair.
André era um jovem motorista, nascido na cidade de Praia em Cabo Verde e que preferia fazer sempre o turno da madrugada.
Pôs o autocarro a trabalhar, fechou as portas e seguiu viagem. Duzentos metros à frente voltou a parar. Desta vez entrou mais gente.
- Bom dia D. Alxira – cumprimentavam uns.
- Bom dia, bom dia – respondia a senhora.
Ao fim de quatro paragens o transporte estava quase cheio e a algazarra era enorme.
Um telemóvel começou a tocar uma música pimba de mau gosto. Alguns passageiros olharam entre si até que um disse:
- D. Alzira o seu telefone está a tocar.
- Ah obrigada… Nem reparei.
Pegou no aparelho que já conhecera melhores dias, carregou no botão e gritou:
- ‘ Tou… quem fala?
Uma voz feminina veio à linha.
- Bom dia. É a D. Alzira?
- Sou e vossemecê quem é?
- Sou a Agente da polícia Ana Morais e pergunto-lhe se conhece o senhor Juvenal Pires?
- Juvenal? É o meu home’…
- É para comunicar que o senhor Juvenal vai, neste momento, para o hospital de S. José.
- Oh… deixá-lo ir. Pode ser que agora se cure- disse num ar de alívio.
- Bom mas o seu marido teve um acidente, morreu e vai a caminho da morgue.
Alzira ficou a matutar por breves segundos e depois respondeu:
- Ó menina esse patife do meu marido faz tudo para não vir para casa. Agora até manda dizer que morreu!