Sentada à secretária com o portátil, Bárbara disparava mensagens por correio electrónico para todo o lado. Depois esperava algumas respostas que voltava a devolver com actualizações.
Frenética e imperturbável despachava serviço à velocidade da luz. As mensagens continuavam a cair e ela a responder… até que leu aquela.
“Sei que estás muito ocupada mas tens de comer não tens? Pago eu… Fico à espera!”
Viu o remetente mas não conheceu.
- Engano… - suspirou.
Depois pensou no que haveria de fazer. Responder ou enviar a mensagem para o lixo? Sorriu interiormente e optou por responder:
“Adoraria jantar!”
E seguiu assim sem mais. O nome encontraria ele no endereço. Aguardou.
Novo mail.
“Sou um idiota. Convidei-a e nem me apresentei. Sou o Renato. E a que horas? Fico à espera.”
A devolução.
“Sou a Bárbara e às oito estarei pronta.”
Ficou a aguardar resposta provavelmente com um pedido de morada. A mensagem não chegou e ela continuou a despachar serviço. Por fim…
“Quer que a vá buscar a essa morada ou prefere outra?”
A brincadeira parecia ter tomado dimensões acima do esperado. Mas o desafio parecia ser assaz curioso tanto mais que não lhe havia dado o endereço. Respondeu:
“Aqui mesmo!”
Resposta pronta.
“Até logo!”
Embrenhou-se no trabalho até que a secretária bateu à porta e perguntou se podia sair.
- Que horas são Alzira?
- Faltam dez minutos para as oito.
Fechou de supetão a tampa do portátil, pegou no casaco e saiu com a colaboradora.
- Vamos depressa que tenho um encontro para um jantar…
Ele era um homem normal sem nenhuma característica que chamasse à atenção. Nem alto nem baixo, sem beleza superlativa, aparentava uma meia idade benéfica.
Ela era jovem, bonita, espampanante. Vestia-se sempre com pouca roupa o que levava a ser alvo dos olhares gulosos dos homens e raivosos das mulheres.
Entretanto a pastelaria “Flor da Avenida” era conhecida pelos seus saborosos croissants e pelo pão constantemente quente. Daí as manhãs serem assaz atarefadas.
Era costume ele comer o seu pão sentado à mesa acompanhado de galão quente e sempre, sempre com um livro onde embrenhava o seu pensamento. Daí jamais reparar no que se passava ao seu redor. Talvez por isso nunca havia reparado na jovem.
Quando ela entrou naquela manhã, todas as mesas estavam ocupadas. O único lugar vago era mesmo à frente dele. Delicadamente perguntou:
- Bom dia, este lugar está ocupado?
Ele como que acordado de um sonho levantou os olhos para ela e demorou a responder. Finalmente:
Esmeraldo entrou na taberna suja e escura do Carlos e sentou-se no local mais negro.
Pelo caminho foi cumprimentando os presentes e dando algumas respostas:
- B’tarde pessoal!
- B’tarde Aldo – respondeu o compadre Joaquim enquanto batia com uma carta na mesa de pedra ganhando a vaza.
- Isso vai? – questionou o Adolfo, mais conhecido pelo Viramilho.
- Que remédio. Tem de ir – respondeu o recém-chegado.
Depois.
- Um traçadinho ó Carlitos!
- Branco ou tinto?
- Branquinho, que não gosto nada de sujar o estômago.
Veio o vinho para a mesa e Esmeraldo beberricou um dedal e encostou a cabeça à mão. A sala pequena, mal iluminada e a tresandar a vinho era agora palco de uma pequena zaragata assente em palavras por causa das cartas.
- Porque não vens ao trunfo, caneco? – questionava um enfurecido
- Porque estou seco, porra...– respondia o parceiro.
Entretanto um deles olha para Esmeraldo vê a tristeza estampada no rosto e pergunta-lhe:
- Ei homem, que se passa contigo?
O outro não ligou. Voava com os pensamentos, quiçá.
Aproximaram-se dele e finalmente acordou do marasmo:
- Então homem… que me contas?
- Nada… - desabafou.
- Nunca te vi assim… conta lá o que tens…
- Não há nada para contar…
Os outros largaram as cartas e arrastaram as cadeiras para perto de Esmeraldo. Apertaram com o homem.
- Desculpa lá, mas não pode ser. O que se passa, amigo?
Esmeraldo pegou no copo e bebeu o resto de um trago e fez o gesto para se levantar. Todavia os amigos não deixaram. Até que Ludovino se lembrou de algo.
- Olha lá a tua Dores já teve a criança. Era por estes dias não era?
O outro levantou o olhar para o inquiridor e respondeu:
- Já teve já! Foi esta manhã.
- E estás triste por isso?
- Mais ou menos…
- Já são quantos Esmeraldo? - perguntou Raul.
- Cinco… - e proferiu o número de uma forma amorfa.
- Ena cinco. Grande fábrica… Tão novo e já cinco crianças.
- Má fábrica – desabafou então.
- Olha… má porquê? - avançou Viramilho.
- O homem está tonto – disse Ludovino.
- Pois é… só faço loiça rachada.
Os outros olharam entre si até que Joaquim afirmou:
- Já percebi… outra rapariga, não é? E querias um rapaz?
Esmeraldo abanou a cabeça em confirmação e enterrou a cabeça nas mãos. Os outros voltaram então para a mesa e recomeçaram a jogar.
Fechou a porta devagar, não fosse algum vizinho acordar, guardou as chaves e olhou o relógio.
- Cinco e meia… Ai que já perdi o autocarro.
A madrugada estava fria. Os candeeiros de rua alumiavam o caminho em cones amarelos. Assim que dobrou a esquina que dava para a enorme praça viu o autocarro parado.
Apressou o passo tanto quanto os seus setenta anos, as pernas gordas e cobertas de v«grossas varizes a deixavam. Já para não falar dos dois sacos pesados que carregava no fim de cada braço.
Chegou à porta do transporte ofegante.
- Bom dia André. Desculpa este atraso…
- Bom dia D. Alzira. Não há problema. Agora sente-se que preciso sair.
André era um jovem motorista, nascido na cidade de Praia em Cabo Verde e que preferia fazer sempre o turno da madrugada.
Pôs o autocarro a trabalhar, fechou as portas e seguiu viagem. Duzentos metros à frente voltou a parar. Desta vez entrou mais gente.
- Bom dia D. Alxira – cumprimentavam uns.
- Bom dia, bom dia – respondia a senhora.
Ao fim de quatro paragens o transporte estava quase cheio e a algazarra era enorme.
Um telemóvel começou a tocar uma música pimba de mau gosto. Alguns passageiros olharam entre si até que um disse:
- D. Alzira o seu telefone está a tocar.
- Ah obrigada… Nem reparei.
Pegou no aparelho que já conhecera melhores dias, carregou no botão e gritou:
- ‘ Tou… quem fala?
Uma voz feminina veio à linha.
- Bom dia. É a D. Alzira?
- Sou e vossemecê quem é?
- Sou a Agente da polícia Ana Morais e pergunto-lhe se conhece o senhor Juvenal Pires?
- Juvenal? É o meu home’…
- É para comunicar que o senhor Juvenal vai, neste momento, para o hospital de S. José.
- Oh… deixá-lo ir. Pode ser que agora se cure- disse num ar de alívio.
- Bom mas o seu marido teve um acidente, morreu e vai a caminho da morgue.
Alzira ficou a matutar por breves segundos e depois respondeu:
- Ó menina esse patife do meu marido faz tudo para não vir para casa. Agora até manda dizer que morreu!