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José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

José da Xã

Escrever mesmo que a mão me doa.

Contos tontos - 32

Sentada à secretária com o portátil, Bárbara disparava mensagens por correio electrónico para todo o lado. Depois esperava algumas respostas que voltava a devolver com actualizações.

Frenética e imperturbável despachava serviço à velocidade da luz. As mensagens continuavam a cair e ela a responder… até que leu aquela.

“Sei que estás muito ocupada mas tens de comer não tens? Pago eu… Fico à espera!”

Viu o remetente mas não conheceu.

- Engano… - suspirou.

Depois pensou no que haveria de fazer. Responder ou enviar a mensagem para o lixo? Sorriu interiormente e optou por responder:

“Adoraria jantar!”

E seguiu assim sem mais. O nome encontraria ele no endereço. Aguardou.

Novo mail.

“Sou um idiota. Convidei-a e nem me apresentei. Sou o Renato. E a que horas? Fico à espera.”

A devolução.

“Sou a Bárbara e às oito estarei pronta.”

Ficou a aguardar resposta provavelmente com um pedido de morada. A mensagem não chegou e ela continuou a despachar serviço. Por fim…

“Quer que a vá buscar a essa morada ou prefere outra?”

A brincadeira parecia ter tomado dimensões acima do esperado. Mas o desafio parecia ser assaz curioso tanto mais que não lhe havia dado o endereço. Respondeu:

“Aqui mesmo!”

Resposta pronta.

“Até logo!”

Embrenhou-se no trabalho até que a secretária bateu à porta e perguntou se podia sair.

- Que horas são Alzira?

- Faltam dez minutos para as oito.

Fechou de supetão a tampa do portátil, pegou no casaco e saiu com a colaboradora.

- Vamos depressa que tenho um encontro para um jantar…

Contos tontos - 31

Ele era um homem normal sem nenhuma característica que chamasse à atenção. Nem alto nem baixo, sem beleza superlativa, aparentava uma meia idade benéfica.

Ela era jovem, bonita, espampanante. Vestia-se sempre com pouca roupa o que levava a ser alvo dos olhares gulosos dos homens e raivosos das mulheres.

Entretanto a pastelaria “Flor da Avenida” era conhecida pelos seus saborosos croissants e pelo pão constantemente quente. Daí as manhãs serem assaz atarefadas.

Era costume ele comer o seu pão sentado à mesa acompanhado de galão quente e sempre, sempre com um livro onde embrenhava o seu pensamento. Daí jamais reparar no que se passava ao seu redor. Talvez por isso nunca havia reparado na jovem.

Quando ela entrou naquela manhã, todas as mesas estavam ocupadas. O único lugar vago era mesmo à frente dele. Delicadamente perguntou:

- Bom dia, este lugar está ocupado?

Ele como que acordado de um sonho levantou os olhos para ela e demorou a responder. Finalmente:

- Bom dia, não está não. Pode usá-lo!

Ela sentou-se.

Ele deixou de ler, ela deixou de aparecer.

Conto tontos - 30

Esmeraldo entrou na taberna suja e escura do Carlos e sentou-se no local mais negro.

Pelo caminho foi cumprimentando os presentes e dando algumas respostas:

- B’tarde pessoal!

- B’tarde Aldo – respondeu o compadre Joaquim enquanto batia com uma carta na mesa de pedra ganhando a vaza.

- Isso vai? – questionou o Adolfo, mais conhecido pelo Viramilho.

- Que remédio. Tem de ir – respondeu o recém-chegado.

Depois.

- Um traçadinho ó Carlitos!

- Branco ou tinto?

- Branquinho, que não gosto nada de sujar o estômago.

Veio o vinho para a mesa e Esmeraldo beberricou um dedal e encostou a cabeça à mão. A sala pequena, mal iluminada e a tresandar a vinho era agora palco de uma pequena zaragata assente em palavras por causa das cartas.

- Porque não vens ao trunfo, caneco? – questionava um enfurecido

- Porque estou seco, porra...– respondia o parceiro.

Entretanto um deles olha para Esmeraldo vê a tristeza estampada no rosto e pergunta-lhe:

- Ei homem, que se passa contigo?

O outro não ligou. Voava com os pensamentos, quiçá.

Aproximaram-se dele e finalmente acordou do marasmo:

- Então homem… que me contas?

- Nada… - desabafou.

- Nunca te vi assim… conta lá o que tens…

- Não há nada para contar…

Os outros largaram as cartas e arrastaram as cadeiras para perto de Esmeraldo. Apertaram com o homem.

- Desculpa lá, mas não pode ser. O que se passa, amigo?

Esmeraldo pegou no copo e bebeu o resto de um trago e fez o gesto para se levantar. Todavia os amigos não deixaram. Até que Ludovino se lembrou de algo.

- Olha lá a tua Dores já teve a criança. Era por estes dias não era?

O outro levantou o olhar para o inquiridor e respondeu:

- Já teve já! Foi esta manhã.

- E estás triste por isso?

- Mais ou menos…

- Já são quantos Esmeraldo? - perguntou Raul.

- Cinco… - e proferiu o número de uma forma amorfa.

- Ena cinco. Grande fábrica… Tão novo e já cinco crianças.

- Má fábrica – desabafou então.

- Olha… má porquê? - avançou Viramilho.

- O homem está tonto – disse Ludovino.

- Pois é… só faço loiça rachada.

Os outros olharam entre si até que Joaquim afirmou:

- Já percebi… outra rapariga, não é? E querias um rapaz?

Esmeraldo abanou a cabeça em confirmação e enterrou a cabeça nas mãos. Os outros voltaram então para a mesa e recomeçaram a jogar.

Contos tontos - 29

Fechou a porta devagar, não fosse algum vizinho acordar, guardou as chaves e olhou o relógio.

- Cinco e meia… Ai que já perdi o autocarro.

A madrugada estava fria. Os candeeiros de rua alumiavam o caminho em cones amarelos. Assim que dobrou a esquina que dava para a enorme praça viu o autocarro parado.

Apressou o passo tanto quanto os seus setenta anos, as pernas gordas e cobertas de v«grossas varizes a deixavam. Já para não falar dos dois sacos pesados que carregava no fim de cada braço.

Chegou à porta do transporte ofegante.

- Bom dia André. Desculpa este atraso…

- Bom dia D. Alzira. Não há problema. Agora sente-se que preciso sair.

André era um jovem motorista, nascido na cidade de Praia em Cabo Verde e que preferia fazer sempre o turno da madrugada.

Pôs o autocarro a trabalhar, fechou as portas e seguiu viagem. Duzentos metros à frente voltou a parar. Desta vez entrou mais gente.

- Bom dia D. Alxira – cumprimentavam uns.

- Bom dia, bom dia – respondia a senhora.

Ao fim de quatro paragens o transporte estava quase cheio e a algazarra era enorme.

Um telemóvel começou a tocar uma música pimba de mau gosto. Alguns passageiros olharam entre si até que um disse:

- D. Alzira o seu telefone está a tocar.

- Ah obrigada… Nem reparei.

Pegou no aparelho que já conhecera melhores dias, carregou no botão e gritou:

- ‘ Tou… quem fala?

Uma voz feminina veio à linha.

- Bom dia. É a D. Alzira?

- Sou e vossemecê quem é?

- Sou a Agente da polícia Ana Morais e pergunto-lhe se conhece o senhor Juvenal Pires?

- Juvenal? É o meu home’…

- É para comunicar que o senhor Juvenal vai, neste momento, para o hospital de S. José.

- Oh… deixá-lo ir. Pode ser que agora se cure- disse num ar de alívio.

- Bom mas o seu marido teve um acidente, morreu e vai a caminho da morgue.

Alzira ficou a matutar por breves segundos e depois respondeu:

- Ó menina esse patife do meu marido faz tudo para não vir para casa. Agora até manda dizer que morreu!